23 - Jardim Botânico

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     Fui avisada que Norman havia chego com um grande grito de Ian lá de baixo.
     Respirei fundo e me preparei para descer.
     Eu não sabia porque, mas estava tão nervosa quanto no dia do baile, o que não fazia sentido; eu não estava com uma roupa elegante e nem havia nada tão elaborado assim, então não havia motivo para pânico.
     Eu escolhi uma blusa cinza de mangas bem longas para disfarçar o curativo na minha mão.
     Norman havia me dado a ideia de trocar o curativo por um menorzinho e foi isso o que eu fiz. Eu não queria que Tonya visse e aquilo gerasse todo um turbilhão de perguntas.
     Nós estávamos indo para celebrar o aniversário de Joshua; eu não queria que o clima ficasse ruim.
     - Oi. - eu disse, quando o encontrei no pé da minha escada.
     - Olá, Forbes. Como você...
     - Estou bonita? - o cortei.
     - Uau! Sou tão previsível assim? - eu sorri de canto.
     - E ai, rapazinho? - papai o cumprimentou com um aperto de mãos.
     - Olá, senhor Forbes.
     - É Robert. - ele corrigiu. - O que vocês crianças tem com serem tão formais? - Norman riu discretamente. - A traga de volta até dez e meia.
     - Pode deixar. - ele confirmou e como já estava ficando costumeiro, me ofereceu o braço, para que eu enganchasse o meu. E eu o fiz. - Tchau, pessoal.
     - Tchaaaau! - Ian deu um "tchau" bem esticado e grudou nas minhas pernas para se despedir.
     - Até depois, meu ursinho. - eu disse, deixando um beijo em sua bochecha. - Tchau, pai. - e fiz o mesmo com ele.
     Fomos caminhando para fora da casa e a primeira coisa que rompeu o silêncio veio de Norman:
     - Você sabe onde é a casa de Tonya?
     - No princípio, ela disse que nos buscaria, porém eu disse que não iria mais, então...
     - Você tem o endereço? - o mostrei no meu whatsapp. - Não faço ideia de onde fique.
     - Ela disse que é bem provável de nos perdermos. - lembrei de ela me avisando isso com um tom muito sério.
     - Bom, vamos perguntado. - ele deu de ombros.


     Nós já estavamos rodando há meia hora e nada de achar a casa de Tonya. E melhor ainda que isso, era o fato de que nuvens estavam se aglomerado no céu, nos dando uma indicação de que era melhor acharmos logo o endereço:
     - Você trouxe um guarda chuva? - eu só neguei com a cabeça.
     - Não entendo porque o GPS não está funcionando. Acho melhor ligarmos para Tonya se quisermos chegar com a festa ainda acontecendo. - Norman assentiu e tirou o seu celular do bolso, porém seu rosto se frustrou e ele me mostrou o visor apagado:
     - Morto. - havia descarregado.
     Peguei o meu, que tinha pouca carga, mas que dava para completar a ligação:
     - Oie. - ouvi exatamente assim do outro lado. - Tudo bem?
     - Oi, Tonya. Estamos tentando chegar na sua casa, mas nos perdemos. Pode vir nos buscar? - resumi a ópera.
     - Sabia que vocês se perderiam. - apreciei momentaneamente o fato de ela não ter feiro um alarde por eu ter sido convencida a ir à festa. - Me dá uma rua e um ponto de referência. - procurei por uma placa para a dizer a rua e falei o nome da primeira padaria que vi na minha frente. - Ah, não é longe daqui não; estou chegando. - e ela desligou.
     - E aí?
     - Ela está vindo. Disse que não é longe da casa dela. - Norman assentiu mais uma vez.
     E começou a pingar. O início já foi com pingos grossos e através daquilo previ que seria uma chuvona.
     - Tem uma marquise ali. - Norman apontou e nós corremos até lá para nos abrigarmos.
     Era incrível como não tinha uma loja de conveniência aberta. Tudo estava escuro e molhado. E a marquise também não era lá essas coisas. Era muito estreito e a maior parte dos nossos corpos estava ficando molhada.
     - Vem cá. - Norman tirou a jaqueta de camurça que usava e fez um tipo de cobertura para nós dois.
     - Você vai acabar com sua blusa. - apesar disso, eu obedeci e me aproximei dele.
     - De qualquer forma é melhor do que ficarmos doentes. - ele deixou um sorriso de canto de boca estacionar bem ali.
     Norman era uma pessoa incrivelmente gentil. Sem brincadeira. Eu acho que ele era a pessoa mais gentil que eu conhecia; não estou falando só nos sentidos comuns da coisa toda, mas nos meros detalhes.
     Mesmo depois de tudo, a preocupação que ele tinha em me fazer sentir bem, em cuidar de mim, ainda estava lá; genuína e constante, como um lembrete.
     Era bonito de ver aquilo e eu me surpreendia cada vez mais.
     De repente, os olhos dele se atentaram um pouco acima dos meus olhos; achei ser nos meus cabelos. Delicadamente, os dedos de Norman removeram uma minúscula folha que eu mal fazia ideia de como havia ido parar ali.
     Os dedos dele se moveram suavemente até lá e retiraram a folha. Seria um gesto completamente simples, se nossos olhares não tivessem se cruzado.
     Foi complexo de verdade, porque o cinza e o verde de nossas íris não se esbarraram, eles literalmente se cruzaram, quase como se um tivesse integrado dentro do outro. Naquele momento, me perguntei qual cor seria criada, se aquelas duas se misturassem?
     Eu não podia desviar e pelo que eu percebera, nem ele. Mas eu não queria desviar, porque eu estava me sentindo quente; como se eu estivesse dentro do abraço dele.
     Repentinamente, um desejo de estar lá em seu abraço surgiu e foi crescendo dentro de mim de tal maneira que eu me movi hipnoticamente e quase não vi quando meus pés se moveram para mais próximo ainda dele.
     Achei que ele tivesse entendido, porque a mesma mão que tirou a folha anteriormente, se aproximou gentil do meu rosto e o contornou.
     Fechei meus olhos para aceitar a textura de seu toque. Era maravilhoso.
     Não me importava mais com a chuva, ou com estar perdida, e muito menos com a festa; na verdade, essas coisas nem existiam mais dentro da minha cabeça.
     Só havíamos nós dois no mundo naquele momento.
     Eu estava pronta para os braços dele, mas o que aconteceu foi muito mais expressivo do que aquilo.
     Norman me beijou.
     E quando ele fez isso, tudo fez sentido. Foi como se eu tivesse tomado um choque com a veracidade que eu estava absorvendo naquele momento.
     Eu queria o abraço. Mas eu queria muito mais do que aquilo; queria que os lábios dele tocassem os meus de maneira segura e gentil. Que nossos lábios se amassassem, porque eu não estava nem aí com a deformação momentânea que seria causada.
     Eu queria tanto, que meu braços estavam pousados levemente sobre os seus ombros.
     Foi como sentir estar no caminho certo. Para tudo. Para a vida.
     Era delicioso.
     Meus olhos não conseguiam se abrir, porque eu simplesmente tive medo de os erguer e o cinza dos dele entrar em colisão com os meus e nos afastarmos.
     Eu queria permanecer ali, me sentindo exatamente daquele jeito.
     Era tão bonito que não se parecia nem com flores. Era um jardim botânico inteiro.
     E aí choveu, choveu no meu lindo jardim, mas ao contrário do que você deve estar pensado aí, a chuva foi um complemento maravilhoso para todas as plantas entrarem em estado de primavera: Norman acarinhou o canto do meu rosto com a ponta dos dedos.
     Foi tão sutil. Tão delicado. Tão simples. Mas ao mesmo tempo, tão primordial.
     Foi um puro momento de realização. A verdade é que eu estava represando coisas; não só a saudade de mamãe, mas as coisas boas também.
     Ele se afastou e quando eu abri meus olhos, fiquei deslumbrada, porque eu acabara de vislumbrar o sorriso mais bonito da minha vida e eu tinha certeza disso por alguma coisa dentro de mim.
     Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, um farol iluminou os nossos rostos e eu me voltei ao contexto em que estávamos inseridos anteriormente:
     - Oi, gente! - Tonya desceu do carro com um grande guarda chuva preto. - Desculpem a demora, nós saímos a pé, mas aí percebemos que não ia dar.
     - Sem problemas. - agradeci a Deus, por Norman ter falado, porque minhas energias foram suspensas.
     Deus realmente sabia de todas as coisas.
      
      
    
    

    
     
    

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