09 - Ligações a Meia Noite

15 2 0
                                    

     Eu comentara com Tonya o que acontecera no dia anterior. E eu só fizera isso, porque ela cismou que tinha algo fora do normal e ficou me azucrinando o juízo até eu explicar o que fora.
     Depois que contei as coisas, tentando omitir alguns detalhes porque eu sabia que ela ia ficar empolgada demais (e mesmo assim ela ficou), ela ficou martelando a mesma coisa na minha cabeça até a hora que fui embora "Você devia ir com Norman ao baile". Quando ela não falava isso, ela dava uma jeito de falar a mesma coisa de uma maneira diferente.
      Aquela sexta-feira foi um pouco diferente das demais. Os professores deram a opção de quem quisesse,  ajudar com os preparativos do baile ao invés de assistir as aulas do dia. Por mais que aquilo parecesse uma oferta irrecusável para qualquer estudante do ensino médio, somente eu e Tonya, nos voluntariamos para ajudar Tanajo e ela ficou tão agradecida que nos presentou com balas que vieram do Japão.
     Eu não havia visto Norman. Talvez porque a maior parte do tempo, eu ficara dentro da sala do comitê e a única vez que saí foi para encher minha garrafinha de água.
     O baile seria no dia seguinte.
     Eu estava inquieta.
     E eu nem conseguia entender exatamente o que estava me incomodando.
     Peguei meu livro e o enacarei. Não era como se eu fosse de fato o ler, mas eu o abri mesmo assim. Como se fosse um sinal de Deus, o papel com o telefone de Norman caiu na minha cara. Eu tinha até esquecido que estava lá.
     Segurei o papel com as minhas mãos e o encarei por um leviano segundo.
     Eu não estava bem há muito tempo, mas desde então, eu tinha conseguido pelo menos permanecer um pouco normal.
     Agora as coisas tinham voltado a serem esquisitas devido ao que ocorrera na quinta-feira.
     Levantei da cama, peguei um casaco e desci as escadas, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
     Papai estava fazendo plantão noturno hoje, dessa maneira poderia folgar no dia seguinte, então eu só estava preocupada em fazer barulho e acordar Ian que tinha um sono bem leve.
     Passei pela porta da sala e me sentei nos degraus que haviam na minha varanda. Antes que eu pudesse pensar muito, segurei o papel com os algarismos numéricos, enquanto discava no meu celular.
     Chamou uma, duas, três e quando eu estava quase desligando, ele atendeu:
     - Alô? - mas ao contrário do que pensei, a voz dele não estava bêbada de sono.
     - Você disse que quando eu me sentisse confortável, eu poderia te ligar. - eu disse de uma vez, antes que perdesse a coragem louca que havia me surgido. - Mas aí, eu percebi que talvez eu nunca vá me sentir à vontade.
     - Olivia. - a voz dele tinha um tipo de alívio sutil. - Está tudo bem?
     - A minha mãe sempre quis ter filhos. Ela queria ter dois. - eu disse e foquei no céu. - Depois de muito custo, ela conseguiu engravidar de mim. - eu sorri, recorrendo às lembranças de quando ela me contara aquilo: - Papai disse que ela ficou tão feliz que não parava de sorrir. Ele até achou que ela teria câimbras. - ouvi uma risada serena dele do outro lado e eu também ri, mas meu olho já estava cheio de novo. - A gravidez estava indo bem, porém minha mãe acabou tendo diabetes gestacional. - eu puxei a manga do meu casaco. - E após isso foi bem complicado.
     Fiz uma pausa e respirei fundo algumas vezes.
     Norman não falou nada em nenhum momento; ele apenas esperou por mim:
     - Eu nasci, mas a diabetes não se foi. Ela se tornou diabética de verdade, porém a vida continuou.
     "Ela engavidou do Ian, meu irmão, e não houve complicação nenhuma.
     "Estava tudo bem, mas a diabetes dela era bem severa e no último verão ela acabou machucando a perna.
     "Nós fomos para o hospital e eles tentaram um curativo. Ficou lá por uns dias, mas eles disseram que a cicatrização estava bem ruim e que era melhor amputar.
     "Eles amputaram, Norman. Eles amputaram e ela pegou uma infeção hospitalar".
     Eu fiz uma pausa para tentar segurar meus olhos e nesse momento senti a respiração dele pesar uma tonelada inteira:
     - E aí ela não... Não suportou.
     - Olivia... - o tom dele caiu sobre mim como um casaco depois que você passa muito tempo exposto ao frio. - Eu sinto muito. De todo o meu coração. Eu nem sei como isso é possível, mas eu juro que sinto. - e eu acreditava nele. Mesmo sem saber como, mas acreditava. - Eu sinto muito que teve que passar por tudo isso e sinto muito por ter guardado tudo isso. - a essas alturas, meus olhos ja não me obedeciam mais. - Obrigado, por me contar.
     - E eu te liguei - eu disse ainda fungando um pouco. - Pra dizer que aceito ir ao baile com você amanhã. - apesar de não ver, eu tinha certeza que Norman estava sorrindo.
    Eu sabia que tinha sido um momento misto. Tanto para mim quanto para ele, porque nós dois estávamos experimentando dos dois extremos:
     - Você não precisava ter me contado isso tudo para aceitar meu convite. - ele disse e eu entendi perfeitamente o que ele quis dizer. Norman não queria que eu me expusesse à dor que eu nao podia controlar. Mas sinceramente, qual era a dor que podia ser controlada?
     - Não, eu precisava. Eu realmente precisava. - assenti, forçando na minha cabeça que aquilo era bom pra mim.
     - Obrigado. De novo. - e eu assenti, mesmo sabendo que ele não podia ver. - Te busco amanhã ás sete e meia?
    - Sete e meia. - confirmei
    - Até amanhã, Forbes.
    - Até, Norman.

    
    

EAT MEOnde histórias criam vida. Descubra agora