Eu estava sentada no sofá de Tatiana. E eu continuava estática.
- Toma. Acho que pode ajudar. - ela me deu uma xícara com chocolate quente.
Eu aceitei a xícara, mas a mantive entre aa minhas mãos. Apenas sentindo o calor fluir.
- Por que não me conta o que aconteceu? - ela se sentou na minha frente com a sua própria xícara.
Achei melhor preparar a garganta antes de começar, e pensei em tomar um gole da bebida, mas quando olhei o conteúdo, recusei a ideia:
- Eu estava no corredor de armários, e aí... - conforme eu ia falando, as imagens se formavam na minha cabeça. - E aí, Clarisse chegou. - Tatiana, assentia levemente enquanto eu falava. - Ela começou a falar um monte de coisas eu a ignorei, na esperança de que ela parasse. - respirei fundo. - Mas, ela não parou.
- Entendo. - ela anotou alguma coisa num bloquinho de notas e voltou a me encarar. - O que foi que despertou a briga? Ela atacou você? Houve algo que ela disse que foi um gatilho?
- Ela disse algo que eu não gostei. - respirei fundo de novo. - Disse que eu estava me fazendo de vítima...
- Já entendi. Foi um gatilho. - eu que assenti dessa vez.
- Quando eu percebi, Tonya estava me tirando de lá. - o resto eram flashes. Não era como se a cena tivesse sido contínua.
- Pode me dizer o que sentiu quando ela chegou perto de você?
- Acho que foi mais algo como chateação. Eu sabia que ela ia encher o saco.
- Você sentiu isso durante o tempo todo ou houveram outras coisas?
- Eu senti raiva. Mais do que geralmente sinto. - confessei.
- Pode descrever mais detalhadamente?
- Geralmente é só uma irritação que eu ignoro porque no final das contas, Clarisse é só uma chata. - meus olhos correram para o chão. - Mas hoje, não era só isso; eu comecei a me estressar muito e quando percebi estava furiosa, descontando o que eu sentia.
- Você já havia se sentido assim anteriormente com outra pessoa, Olivia? - eu tinha me antecipado e sabia que ela perguntaria aquilo, mas eu estava com medo daquela pergunta.
- Sim, - apesar de tudo, tinha que ser sincera. - Me senti assim com você. No dia que falou sobre... Sobre...
- Compreendo. - agradeci a Deus por ela ter pego no ar.
- E com Tonya e Norman também. Nesse mesmo dia. - ela parecia ter finalizado suas anotações, pois fechou o bloquinho.
- E como se sente agora?
- Mal. - foi a primeira coisa que me veio na mente. - Eu não queria ter feito aquilo, Tatiana. Eu não pensei em fazer aquilo, eu só... Fiz. Quando me dei conta, já estava feito.
- Clarisse está bem. - ela me adiantou. - Não houve nenhuma lesão séria, apenas alguns cortes na boca.
- Foi horrível. Havia tanto sangue e parecia que... Que ela tinha morrido. - falei o que realmente pensei desde o primeiro momento que tomei ciência do que havia feito.
- Talvez você tenha projetado algo bem pior do que realmente aconteceu. Olivia - ela jogou a ideia no ar.
- Eu a fiz sangrar!
- Mas ela está bem. - Tatiana sorriu. Foi um sorriso para ela me tranquilizar. - Não estou dizendo que o que aconteceu foi certo, mas você não a causou o dano que acha que causou. - eu pisquei algumas vezes, como que para associar o que ela estava dizendo. - Ela está bem.
- Mesmo?
- Mesmo. - Tatiana me confirmou.
- Eu devo estar ficando louca. Meu Deus do céu! - passei a mão no rosto.
- É normal que algumas coisas que você sinta sejam amplificadas pela ansiedade. Não se trata de alucinação, só tem episódios que são mais intensos que outros. - ela fez uma pausa e logo retomou: - Você já tinha brigado com alguém antes?
- Nunca.
- Exatamente. - ela paprecia satisfeita; parecia ter chego no ponto onde queria. - Pelo meu ver, não era algo que você pretendia alguma vez na vida, porém aconteceu e não só foi uma sensação ruim, foi muito ruim. - ela justificou.
Fazia sentido.
Lembrei de Norman falando sobre as primeiras vezes da vida.
Eu instataneamente comecei a me acalmar.
- Como você se sente agora? - ela tentou novamente.
- Mais calma. - Tatiana assentiu.
- Olivia, eu notei algo anteriormente, mas eu não tinha certeza. - ela disse, como se pigarreasse antes de entrar no assunto principal. - Mas, acho que o que ocorreu hoje, confirmou minha suspeita.
- O quê?
- Você está ciente da sua condição. O que é bem melhor do que estava acontecendo antes.
- Concordo.
- Mas você não a aceita completamente.
- Como assim? - fiquei realmente confusa naquele momento.
- Você entende que há algo. Há um problema acontecendo, mas toda vez que esse problema é associado a você, você estoura. - fiquei perplexa.
- Eu não acho que isso seja verdade, Tatiana. Com todo o respeito.
- Tudo bem, então pode por gentileza me dizer o que que você tem? - meus olhos trincaram nos dela.
- Eu... - respirei fundo. - Eu sou...
- Qual o seu diagnóstico, Olivia?
- Não fale assim, por favor. - pedi suavemente.
- Está vendo, esse é o problema. É o gatilho. - ela disse, como se estivesse esperando por aquilo. - Você está bloqueando o fato de estar doente. - eu apenas encarei meus pés.
Era verdade. Eu detestava aquela palavra. Detestava ser colocada naquele patamar deprimente.
- Isso acaba retardando o processo, Olivia. Precisamos trabalhar com isso...
- Eu detesto isso, Tatiana. - fui obrigada a falar. - Não gosto de ser tratada como frágil e vulnerável; não gosto de pensar que... Que posso ter algo tão sério.
- "Eu posso ter", "Eu possa estar", "Há uma questão", todas essas menções são explícitos distanciamentos da sua pessoa e do seu problema. - eu fiz uma micro negação com a cabeça. - No fundo, o que você subconscientemente está fazendo é se desapropriar da sua condição. Se afastar do seu estado, mas isso sinceramente não é uma forma de tratar do problema; isso é apenas um pretexto para acabar caindo na mesma armadilha.
- Qual?
- Mascarar o problema e fingir que não há um. Voltar ao estado de negação. - aquilo me chocou um pouco.
Como eu podia voltar ao estado que estava antes? Como eu podia de repente ser tão ingénua e retornar a todo aquele pesar? Eu discordava daquilo.
- Sei que deve ser um pouco confuso para você, mas o trabalho que precisamos começar a fazer agora é lidar com o problema cara a cara. Enfrentá-lo, sem mais maquiagens.
- E como fazemos isso?
- Trataremos um pouquinho disso em cada sessão de terapia. - eu assenti. - Vou deixar uma lição de casa para você.
Ela se levantou e foi até sua escrivaninha. De lá, tirou um bloquinho e uma caneta e me entregou:
- A partir de amanhã até a próxima sessão, quero que me escreva diariamente como está. - prestei atenção às suas instruções. - Vocês vai escrever apenas uma frase, como por exemplo, 'estou bem'.
- Certo.
- Abaixo dessa frase, você vai escrever palavras chaves que justifiquem esse sentimento.
- Mas Tatiana, eu não sinto apenas uma coisa no dia. Qual dos sentimentos devo considerar?
- Você sempre vai relatar isso no final do dia. Quando estiver indo dormir. - assenti novamente. - Você deve escrever o sentimento que mais se destacou no dia. Tudo bem?
- Tudo. - guardei o bloquinho e a caneta na minha mochila.
- Você quer considerar mais alguma coisa? - ela propôs.
- Não. - de verdade, eu só queria ir pra casa, deitar na minha cama e fingir que aquele dia não havia acontecido.
- Tudo bem, está liberada. Nos vemos daqui a uma semana. - me levantei, mas fui barrada pela voz dela. - Se precisar falar comigo antes, pode me procurar.
- Obrigada. - e eu sai de lá.
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EAT ME
AcakComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...