- O Sebastian vai pegar a gente de carro. - Tonya explicava a programação do passeio que iríamos fazer. - Ele já está aqui, na verdade. - ela dizia com os olhos no celular.
- Eita, deixa eu ir rapidinho no banheiro. - eu disse, apressando o passo.
- Quer que eu pegue sua mochila, enquanto isso?
- Eu agradeceria. - Tonya assentiu e tomou a direção oposta. - Te espero lá fora. - ela falou do meio do corredor.
- Ok. - eu disse e corri para o banheiro.
Entrei no banheiro super apressada, já até abrindo o zíper do jeans que eu usava, mas aí, eu escutei algo que barrou minha euforia.
Sabe quando você entra em um ambiente e a atmosfera está estranhamente opaca? Como se a cena estivesse extremamente errada?
Comecei a dar passos bem leves enquanto eu me aproximava do foco do barulho, sem entender muita coisa.
Estava vindo de uma das cabines.
De início, eu fiquei com a pulga atrás da orelha sobre o que raios era aquele som abafado, mas conforme ia se repetindo, consegui pegar alguns gemidos embreagados.
Pensei se teria alguém com um parceiro no banheiro, mas não me parecia isso.
Até que eu entendi.
Tudo fez sentido naquele momento.
Não era um som sufocado; era engasgado mesmo.
Tinha alguém passando mal; vomitando.
Fiquei parada na frente da porta, meio estática.
Eu não sabia se eu oferecia ajuda, ou se eu saia dali.
Desde o dia que eu desmaiei, eu criara um conflito com cenas onde as pessoas passavam mal. Era um tipo de bloqueio. Tatiana falara algo sobre isso, mas eu não conseguira guardar nada sobre aquilo.
Ouvi o trinco ser puxado e tive uma surpresa bem grande quando vi quem era que estava passando mal.
- Clarisse?
- O que você quer, sua pimpolha? Tá dando papra ficar de fininho, espionando os outros, agora?
Apesar da agressividade, ela estava péssima.
Eu nunca a vira daquele jeito.
Não havia um pingo de maquiagem ns sua cara e ela estava extremamente pálida. Parecia literalmente um fantasma.
Os cantos de sua boca pareciam queimados ou machucados, eu não conseguia identificar.
Os olhos dela, que sempre eram tão prepotentes, pareciam extremamente fracos e baixos.
- Está tudo bem com você? Eu ouvi você vomitando.
Ela deu uma risada de escárnio:
- Você deve estar enlouquecendo. Isso é coisa da sua cabeça. - ela foi até o espelho e abriu uma necessaire que eu só percebera agora.
- Por que você estava com uma escova de dentes dentro da cabine enquanto vomitava? - realmente não houveram vírgulas, porque eu estava assustada e de olhos arregalados para a escova verde com branca na mão de unhas rosa dela.
Ela ficou mais branca ainda. Se é que isso era possível.
- Você não tem mais o que fazer do que ficar bisbilhotando a vida dos outros? - ela guardou a escova na necessaire e começou a se maquiar.
Mas por mais maquiagem que ela passasse, seus olhos ainda estavam assustados o suficiente para me dar a dica do que estava acontecendo.
Lembrei da minha última consulta com a doutora Bloom, onde ela me detalhou sobre a Bulimia.
- Clarisse, você estava... Forçando... Pra vomitar? - eu não conseguia entender porque minha voz estava tão fraca.
- Você é louca? - ela disse, mexendo seu pincel maravilhoso de um milhão de dólares. - Doente mental? Ah é, esqueci que sim, você é! - ela sorriu antipática.
Mas pelo contrário do que ela queria, aquilo não me atingiu nenhum pouco. Eu só fiquei lá observando o quanto ela estava tentando mascarar.
Ela não estava me insultando por insultar. Ela estava com medo. Com medo de que eu chegasse perto de quem ela realmente era.
Eu não falei mais nada.
Eu não consegui.
Eu só fiquei a encarando sem saber o que fazer.
Ela estava se maquiando como se nada tivesse acontecido; como se aquela sensação horrível não estivesse no ar. Eu não entendia como ela não sentia o que eu estava sentindo, ou até algo pior.
- O que foi? - ela disse depois de um tempo, porque eu não conseguia desviar.
Eu nem vira a cena; eu só ouvira o final e eu me sentia traumatizada.
- O que foi, sua retardada? - Clarisse me sacudiu, mas eu não reagi mesmo assim. - Saí daqui, Olivia. - ela disse, depois de perceber que não adiantaria me ofender.
E eu a obedeci. Saí correndo no primeiro impulso que tive e não parei até chegar no jardim à porta que dava para o jardim da escola.
Antes de atravessar a porta, vi o pessoal lá.
Resolvi respirar e seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Eu não queria carregar o ambiente com aquela fumaça horrorosa que afogava meus pulmões como nicotina. Não queria acabar com o clima de diversão que eles estavam imersos.
E no fim das contas, aquilo era uma questão de Clarisse; eu não devia expor algo tão íntimo assim, não é?
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EAT ME
RandomComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...