66 - A Primeira Vez

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     Me despedi de papai pela terceira vez naquela manhã.
     Ele não queria me deixar ir.
     - Papai, deixa a Liv ir. São só três dias. - Ian saculejava a manga da blusa dele.
     - Você promete que vai tomar cuidado? - ele me perguntou pelo que deveria ser a quinquagésima vez.
     E Norman ainda estava presenciando aquela cena vergonhosa do meu pai grudado no meu pescoço. Quase chorando. Porque eu ia passar uns dias foras. Como Ian tinha citado anteriormente, três.
     - Pai, eu preciso ir. - falei com um sorriso.
     - Tá certo. - ele finalmente me largou e eu pude respirar.
     Ian só ria.
     - Cuida dela, Norman. - ele tentou parecer firme, mas àquela altura do campeonato, só parecia um pai coruja e babão mesmo.
     - Pode deixar, Robert.
     - Beijos, pessoal. - isso foi tudo o que considerei antes de pegar na mão de Norman e sair dali, porque eu já havia me despedido muitas vezes.
     Só acreditamos que conseguimos nos livrar daquela saga quando estávamos a alguns metros da minha casa.
     - Jesus. Eu estava quase desistindo. - assumi.
     Norman deu aquela gargalhada gostosa de sempre. 
     - Deu certo no final. - eu assenti.

     - Tá tudo certo? - a mãe de Tonya perguntou, observando os meninos colocarem as malas no porta malas.
     - Tudo. Só falta uma coisa. - Tonya respondeu e saiu me arrastando da garagem até seu quarto.
     Ela estava pegando mania de fazer aquilo.
     - Não sei se você sabe, mas a minha mãe costura. - neguei rapidamente com a cabeça. - Então, ela costura. - dessa vez, só assenti. - E você sabe que fiquei indignada por conta daquele cara no shopping, né?
     - Estava mais que visível.
     - Pois é. - ela foi até o armário dela. - Eu tava mexendo em algumas coisas velhas aqui e achei uns tecidos antigos da minha mãe.
     "A gente ficou com dúvida do que fazer e aí eu tive uma ideia".
     Ela abriu o armário e tirou um vestido num cabide.
     - Fizemos apra você.
     Era definitivamente mais bonito do que o vestido que vimos no shopping.
     Ele era de um tecido que parecia ser veludo, algo que fosse para os dias frios. O que também me confirmava essa impressão é que ele tinha mangas longas.
     Não havia nenhuma estampa. Ele era azul escuro, bem marinho mesmo. Ele também ia um pouco além do joelho.
     O seu decote era redondo, deixando a clavícula exposta. Ele era bem composto.
     Era exatamente o meu estilo e a cor... Eu não tinha nenhuma roupa daquela cor. Nunca tinha visto como ficava aquele tom em mim:
     - E aí, você gostou? - Tonya me chamou de volta à realidade porque eu estava viajando e sorrindo.
    - Meu Deus, é lindo! 
    - Você não quer provar? - encarei o vestido todo esplendoroso a minha frente e logo em seguida, o espelho atrás de mim.
    Eu ainda não me sentia tão segura assim em relação aquilo. Não me sentia como deveria. Eu não sabia como aquilo podia impactar e eu também não queria a chatear, afinal ela e a mãe dela fizeram a peça para mim.
    Eu tirei o vestido do cabidê e o coloquei na frente do meu corpo, indo em direção ao espelho.
    Meu corpo ainda não me parecia bom. Eu ainda não conseguia discernir o que era real ou não, mas Tatiana havia me alertado que eu via coisas distorcidas, ainda mais se elas se referissem ao meu peso e corpo.
     O vestido era lindo, mas talvez ficasse apertado. Não ia ficar bem em mim.
     Eu coloquei o vestido com todo o cuidado do mundo no meu braço, pendurado. Caminhei até o banheiro de Tonya e me troquei.
     Eu estava apreensiva. Porque eu tinha medo do que eu veria no espelho.
     O vestido não se recusou a entrar em mim como as minhas roupas costumavam fazer então considerei aquilo um bom sinal.
     Não haviam zíperes ou cordões. Ele tinha elástico, então eu só o passei pela cabeça e deu tudo certo.
     Antes que a coragem em mim fosse embora, eu abri a porta do banheiro e fui para a vista de Tonya:
     - Meu Deus do céu! - eu podia ver um brilho incomum nos olhos da minha melhor amiga. - Você está bonita como as estrelas, como diria o Norman. - ela adquirira aquela frase para ela, já que Norman a dizia o tempo todo para mim e ela a achava "bonitinha", como ela mesma dizia.
     Apesar de qualquer coisa, sorri com o comentário.
     Respirei fundo antes de ir para a  frente do espelho.
     Só notei que estava de olhos fechados - e apertados - quando eu os abri.
     Eu fiquei chocada com o que vi refletido.
     Achei estar alucinando, porque aquilo não podia ser real.
     O vestido caíra como uma luva sobre o meu corpo. O cumprimento estava bom e o caimento, melhor ainda.
     Eu esquecera de mencionar que as mangas eram justas, até chegar na boca delas, onde as mesmas se abriam deslumbrantemente, dando um toque um pouco vintage.
     A coisa mais impactante que notei, foi que a peça ficara perfeitamente acinturada. A minha cintura estava perfeitamente desenhada ali. E pela primeira vez na vida, eu a enxerguei. Pela primeira vez eu não vi acúmulo ou gordura.
     Foi a primeira vez que me senti... Bonita. De verdade.
     Eu fiquei me encarando na frente do espelho, totalmente deslumbrada e atônita.
     Eu não quis sair dali. Não quis nem piscar para falar a verdade, porque eu tinha medo de voltar a me exergar daquela maneira rude de antes.
     Meu cérebro falava para mim que o que eu estava vendo era uma mentira, mas eu sinceramente estava mandando ele ir se lascar, porque se fosse mentira, eu queria ser enganada. Aquilo era muito melhor do que se sentir um pedaço de lixo.
     Eu toquei no meu rosto para garantir mais uma vez que a cena realmente estava acontecendo.
     Sorri e senti água acumulando nos meus olhos.
     - Eu sempre... Fui assim? - perguntei, porém ainda sem desviar os olhos do meu reflexo.
     - Sim. Exatamente assim, Ollie. - Tonya veio para o meu lado no espelho e pude ver seu reflexo também. Ela sorria para mim.
     - Eu me sinto tão bem. - meu sorriso ficou maior ainda e logo se tornou uma gargalhada. - Me sinto bonita!
      - Você é linda, Olivia. - eu finalmente me senti segura de desviar o olhar do espelho para a encarar e quando eu fiz isso, reparei que ela estava emocionada também.
     Eu avancei em um abraço mais do que apertado e ela retribuiu. Nós começamos a gargalhar e pular abraçadas.
     Quando nos soltamos, lágrimas haviam rolado nos rostos das duas.
     - Certo. Agora vamos, se não Joshua vai me matar. - Tonya apressou, secando os olhos pequeninos.
     - Vou só me trocar. Quero usar isso numa data muito especial. - eu disse já indo para o banheiro.
     - Eu estou muito feliz. - ela disse num tom mais alto para que eu ouvisse, mesmo com a distância.
     - Eu também. - falei para mim mesma.
     

      
      
    

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