Eu estava fazendo o dever de biologia e respondendo as mensagens de Tonya, quando Ian entrou no meu quarto e ficou me encarando com as mãos atrás do corpo.
- O que é que você está escondendo aí? - tentei.
- Nada. - ele estendeu as mãos, me mostrando que de fato não carregava nada.
- Está tudo bem?
- Tudo. - ele veio andando e se sentou na beira da minha cama. - Eu só senti saudades, nós não temos conversado muito.
Era verdade. E eu nem sabia por qual razão exatamente.
- Então vamos conversar agora. - joguei o caderno de lado e foquei nele.
- Mas você não está fazendo dever? - ele apontou.
- O meu pequeno homem é mais importante. Vem cá. - coloquei uma almofada no colo e ele deitou, ainda me olhando, tendo a visão do meu queixo.
Costumávamos fazer aquilo quando éramos bem novos.
- Eu estava pensando em algo...
- Cuidado, se você pensar demais, sua cabeça pode explodir. - fiz um som no final para ilustrar, mas ficou bem ruim.
- Isso parece muito com algo que Tonya diria. - Ian analisou.
- Acho que estou passando muito tempo com ela. - eu sorri. - Mas no que você estava pensando?
- Na verdade, eu estava conversando com a Maya...
- Hum, a Maya, né? - o olhei com o mesmo olhar que mamãe fazia quando eu falava sobre algum menino perto de papai, ela fazia aquilo apenas para o irritar. - Quando é que vai pedir para sair com ela?
- E isso se parece muito com algo que o Norman diria. - eu ri, porque não havia como aquilo ser mais verdade.
- Vou fingir que você não fugiu da minha pergunta: o que vocês estavam conversando?
- Ela estava falando sobre o irmão dela. Ele é grande. Tem uns vinte anos.
- Certo. E ele é legal?
- Esse é o problema. - imediatamente achei que ele não fosse legal. - Ele é muito. A Maya ama ele. - não compreendi a questão:
- Ian, não entendi.
- Maya era bem apegada com ele, mas conforme ele foi crescendo, eles se distanciaram.
- Por quê?
- Ela não sabe exatamente. - meu irmão deu de ombros. - Foram acontecendo várias coisas e eles não se falam mais como antes. Eu acho isso muito triste; isso a deixa triste, também.
- Independente de qualquer coisa, acho que ele deveria dar mais atenção para essa questão toda.
- Mas ele diz que não tem tempo, segundo a Maya.
- O trabalho é importante, os estudos também são, mas pessoas são mais ainda e ela é família dele, ele deveria fazer um esforço. Não estou falando que todo dia ele tem que a levar em um lugar diferente, mas o simples fato de ele parar dez minutos no quarto dela para saber como foi o dia dela, já a deixaria mais contente.
- Parece que ele não sabe disso. - não havia um pingo de julgamento na voz de Ian e por mais que eu soubesse que não tinha que julgar ninguém, eu não conseguia.
Eu precisava falar com Deus sobre isso mais tarde.
- Ela já conversou com ele sobre isso?
- Já sim.
- E o que ele diz?
- Que não tem tempo e que as pessoas crescem e tem suas próprias vidas.
Eu fiz uma careta, achando um péssimo argumento para uma criança de des, onze anos.
- Eu não quero que a gente pare de conversar, Liv. - ele finalmente trouxe a palta daquela conversa. - Depois que Maya me contou isso, fiquei muito assustado, porque ela falou como se isso fosse normal e eu não quero que seja.
Encarei os olhinhos castanhos assustados dele e passei a mão levemente pelo seu rosto:
- Ian, eu nunca vou deixar você. Sabe por quê?
- Por quê?
- Porque mesmo que eu tenha uma rotina muito louca algum dia, eu ainda vou ser extremamente apaixonada por você. Como sempre fui. - ele piscou com aqueles longos cílios que me davam tanta inveja.
- Mas e quando você casar com o Norman? - eu sorri; foi inevitável.
A primeira coisa que notei naquela frase foi a certeza com a qual ele falou. Convicto. Ele não disse 'se', ele disse "quando", literalmente constatando um fato.
Pensei em dizer a ele que não podíamos fazer presunções assim sobre o futuro, ainda mais por eu e Norman sermos algo tão recente, mas aí no fim da minha reflexão, eu cogitei algo: será mesmo que não podíamos fazer essas presunções? Não eram elas que nos davam esperança?
- Eu vou continuar apaixonada por você. - reforcei. - Talvez a gente não se veja mais com tanta frequência, mas você continuará sendo meu irmãozinho mais novo.
Despertei um sorriso e ele se levantou para deixar um beijo na minha bochecha.
- Eu vou poder ir na sua casa pra tomar café? - ele me perguntou logo após o beijo.
- Você vai poder ir na minha casa não só para tomar café, mas para comer bolo, lasanha, sorvete... - ele me interrompeu com um abraço:
- Não vejo a hora então. - eu ri junto com ele. - Agora vou lá; vou deixar você continuar seus exercícios.
O observei sair saltitante.
O Ian era uma criança meio alienígena. Eu não encontrava nenhuma outra criança tão amorosa daquele jeito nos dias atuais.
Se um dia eu fosse ter um filho, eu não aceitava nada menos do que um parecido com o que Ian era. Se eu não conseguisse aquele padrão, eu ia sentir que falhara miseravelmente.
Quando eu estava indo para a cama naquele dia, eu peguei o bloco, a caneta e puxei minhas cobertas até a cintura.
Comecei a pensar sobre o que Tatiana dissera noutro dia, mas não fiquei só nisso. De alguma forma, fui parar na minha conversa com Ian. Num ponto bem específico, na verdade. Sobre Norman.
Foi impossível não começar a me questionar sobre a situação que Ian propora.
Será mesmo que nós chegaríamos a casar? Será que um dia teríamos filhos?
Aquilo me assustava um pouco. Pensar naquilo tudo com poucos meses de namoro. Entretanto, por mais que parecesse extremamente precipatdo, quando eu pensava em tudo isso sobre Norman, alguma coisa me reconfortava. Alguma coisa soava muito suave dentro de mim. Como se quisesse me dizer que estava tudo bem.
Ele parecia tão certo.
O que eu sentia parecia tão certo.
Eu sabia que era muita loucura e que não tinha como confirmar se aquilo daria certo, mas... No fundo, eu sentia que estava certo.
Eu não sabia nem se eu ia conseguir ser saudável, mas eu sentia que Norman estaria lá no futuro, mesmo que eu não conseguisse."Me Sinto Esperançosa".
Foi como me descrevi. Eu achei que só aquilo era bem limitado, mas era tudo o que eu podia usar. Uma única frase.
"Futuro" "Ansiedade" "Ele"
Pensei em colocar algumas outras palavras, mas eu sinceramente não queria dar muitas pistas. Eu sabia que Tatiana leria e eu não queria falar sobre Norman. Não porque eu não gostava de falar sobre ele, mas porque eu não queria dividir a intensidade que ele representava para mim. Eu não queria dividir o céu estrelado que ele significava para mim. Não em uma sessão de terapia.
Fechei o bloco e o coloquei na minha mesa de cabiceira.

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EAT ME
DiversosComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...