Como papai me pedira para fazer, eu fui pegar meu irmão mais novo na escola.
Ele ainda estava no fundamental, então estudava em uma escola diferente da minha. Ficava há uns quinze minutos de onde eu estudava.
Quando ele saiu, vi ele vindo na minha direção.
- Oi, Liv. - ele era o único que me chamava daquela forma e eu ficava muito feliz porque aquilo não me trazia trauma algum.
- Oi, meu ursinho. - o dei um abraço apertado.
- Senti sua falta. - ele disse, com aqueles grandes olhos amendoados castanhos.
- Eu também. - o estendi a mão. - Mas temos a tarde inteira para aproveitar.
Ele deu um sorrisinho fraco e não era costume de Ian fazer aquilo. Tudo bem que o último verão bagunçou todo e qualquer costume que pudéssemos ter, mas ainda assim era bem estranho.
- Você está bem? - perguntei enquanto caminhávamos para casa.
- U-hum. E você? - ele ergueu a cabeça para me ver responder:
- Estou bem. - sorri. - Como foi seu dia? - resolvi fazer uma pergunta diferente, pois me parecia haver algo errado.
- Legal.
- Fez amigos? - Ian soltou da minha mão e começou a coçar os olhos.
Em menos de cinco segundos, ele estava chorando.
Me agachei ao lado dele e o coloquei meus braços ao seu redor de forma leve. Esperei pacientemente até que ele erguesse seus olhos molhados para mim:
- O que houve?
- Os meninos da turma. Eles foram malvados comigo.
- Por quê? O que eles fizeram?
- Eles falaram que eu sou o único da escola que não tem uma mamãe.
Tentei evitar, mas meu olho encheu e eu me contive para não derramar nenhuma lágrima.
Foi a primeira vez que aquilo foi trazido à tona daquela forma. De uma forma tão cruel. Por crianças.
- E eles ficaram fazendo piadas a aula inteira...
- Ian, me escuta. - pousei minhas mãos em seus ombros. - Eles são uns babacas do caramba e você não deve dar ouvidos a eles.
- Mas Liv, eles passaram o dia me maltratando. - sua voz estava fraca e aguda.
- Vamos dar um jeito nisso; amanhã vou deixar você na escola e você me aponta quem são esses pirralhos, tudo bem? - de novo, eu naturalmente não falaria assim. Ainda mais se tratando de crianças, mas eu não ia admitir um bando de pentelhos falando besteira para o meu irmão mais novo que ainda estava de luto.
Eu ainda estava de luto.
Papai ainda estava de luto.
E a indelicadeza daqueles moleques ferrou com tudo naquele dia, mas não ferraria para sempre. Eu daria um jeito.
- Liv, você não vai bater neles não, né? - havia alguma coisa cômica em sua sentença e isso já me aliviou bastante.
- Não. Por mais que eu queira, eu seria presa como a garota maltratadora de crianças. - ele deu um sorrisinho e aquilo melhorou bastante meu dia. - Eu sinto muito, Ian. Por tudo isso.
- Não é sua culpa, Liv. - ele estalou um beijo na minha bochecha e eu me levantei. - Vamos pra casa. - Ian pegou na minha mão e nós voltamos a caminhar.Eu estava quase pegando no sono quando papai chegou e mesmo estando enroscada no transe, me forcei a levantar e ir falar com ele:
- Papai? - parei na porta de seu quarto e o assisti tirar os sapatos.
- Oi meu amor, entra. - ele deu um sorriso cansado para mim.
- Deixei frango frito para você.
- Obrigado. Estou morrendo de fome. Só vou tomar um banho e comer.
- Pai, eu precisava conversar com você, sobre algo que aconteceu na escola do Ian hoje. - cruzei meus braços.
- O que houve?
- Uns garotos idiotas da turma dele ficaram zombando dele porque ele "não tem mãe". - vi o rosto dele passar de incredulidade para ódio em milésimos de segundos.
Ele abriu a boca, mas a raiva era tanta que só conseguiu balbuciar mesmo.
- Vou falar com os pais dos responsáveis amanhã e vou falar com a diretoria também. Esse tipo de coisa não pode ficar acontecendo.
- Não, querida. Deixa que eu vou...
- Papai, você precisa estar no trabalho cedo amanhã. Sei que você está ocupado. - argumentei.
- Mas você vai se atrasar para aula.
- Não tem problema.
- Você nunca se atrasa, filha. - ele estranhou.
- É por uma boa causa. Não podemos deixar isso continuar. - ele assentiu, concordando comigo.
- Você está certa. - ele passou a mão no cabelo. - Eu agradeço de verdade por todo o apoio que você tem me dado. Com Ian, com a casa. Não sei o que eu faria sem você.
Fui até lá e o abracei.
- Não é nada, pai.
- Agora vá dormir, porque você precisa descansar. - eu assenti.
- Boa noite, pai.
- Boa noite, princesinha.
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EAT ME
RandomComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...