42 - Quando a Ficha Caiu

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     Eu parecia ter tido um sonho muito ruim. Muito ruim mesmo.
     No sonho, eu sonhava algo parecido com o que eu imaginava ser a morte.
     Percebi que estava de olhos fechados só depois de um momento. Era como se as coisas estivessem com um delay para acontecer. Eu não entendia muito bem.
     Abri os olhos e percebi que eu estava num lugar que eu não fazia ideia do qual era.
     Era um hospital.
     Por que eu estava num hospital?
     Quem havia me levado até lá?
     Enquanto eu observava aquele aparato todo de fios e canulas ligados à mim, identifiquei uma mocinha de cabelos vermelhos mexendo na janela.
     Ela vestia roupas claras. Era uma enfermeira?
     - Olá?
     - Oi! Você acordou! - ela instataneamente sorriu. - Como se sente?
     - Zonza.
     - Isso porque tivemos que administrar calmante. - ela ofereceu a mão para mim. - Eu sou a enfermeira Joyce.
     - Prazer. - apertei sua mão. - Por que eu estou aqui mesmo?
     - Você desmaiou na escola. Estava passando muito mal. Daí uma professora e seus amigos te trouxeram... - a última parte: "seus amigos" me remeteram direto á Tonya e a Norman e nesse momento, as lembranças começaram a chover de uma vez, me bombardeando como bombas atómicas reais. Eu me sentia pegando fogo e sendo destroçada ao mesmo tempo:
     - Meu Deus.
     - Eu vou chamar a doutora Bloom. Ela pediu para avisar quando você acordasse.
     Eu estava em um estado atônito, onde as informações estavam sendo dificilmente processadas pelo meu cérebro.
     Por que eu havia passado tão mal daquele jeito? Eu nunca ia parar no hospital.
     Onde estava todo mundo?
     Eu me senti extremamente só naquele momento e ver aquele monte de fio e aparelhos me monitorando, não ajudavam muito. Eu me sentia frágil como uma peça muito rara de porcelana que ficava guardada em um cristaleiro de vidro.
     A enfermeira Joyce não demorou para voltar
     Quando ela voltou, trouxe consigo uma moça mediana de cabelos loiríssimos e lisos jogados para trás e presos num coque.
     Os olhos dela eram tão claros que me lembraram o mar.
     - Olá, Olivia. Eu sou Lauren Bloom. A nutricionista chefe desse hospital. - ela também me ofereceu a mão e eu a apertei.  - Com licença, deixa eu só dar uma checadinha em você. - ela veio com uma daquelas lanterninhas de médico e olhou minhas pupilas. - Como se sente?
     - Zonza. E fraca. - a médica assentiu:
     - A zonzeira é devido os medicamentos. E a fraqueza é porque você de fato está fraca.
     - Mas o que eu tenho? O que me fez passar tão mal? Eu sou uma pessoa que quase nunca vai para o hospital. - dito isso, ela puxou ums cadeira que estava um pouco longe da cama, sentou e cruzou as mãos.
     - Olivia, você não está saudável. - foi a primeira coisa que ela disse. - Você apresenta um caso um tanto sério de desnutrição; uma anemia em estado intermediário, o que significa que ela não se desenvolveu ontem e estou terminando de cobcluir o diagnóstico, mas tenho quase certeza que anorexia também.
     Senti vontade de rir das palavras dela. Mais uma com aquela ideia. Eu quase gargalhei, mas ela foi muito firme no que disse. Ela foi tão firme que por um momento me assustei.
     - Sei que acha que estamos fazendo uma piada com você e que você está acima do peso, mas pense bem, Olivia: você acha que valeria fazer uma pegadinha que envolve psicólogos, amigos, seu pai, um quadro de funcionários da saúde e um hospital? - ela não me deu nem tempo de similar tudo. - Nós não estamos de brincadeira. Você está doente e vou ser sincera com você, não é um pouquinho doente, mas podemos reverter todos esses casos, basta você cooperar.
     Foi um tapa. Um soco. Um chute na barriga, eu mal sabia.
     Foi duro. Duro como bater a cara direto numa tábua de madeira maçiça.
     - O meu pai está aqui? - foi tudo que eu consegui expor.
     - Sim. E eu já vou liberá-lo para vê-la, mas eu preciso que você entenda que o aconteceu hoje não deve continuar acontecendo. E que temos uma forma de barrar isso.
     Eu assenti e senti meu olho encher de água.
     Em algum lugar, eu estava brava com ela, porque ela pareceu tão arrogante, mas ao mesmo tempo, algo doeu na parte mais funda de mim:
     - Você deve estar sentindo uma montanha russa de coisas e isso também faz parte da anorexia. Porque ela é um transtorno alimentar, o que remete ao psicológico. - ela continuou, metralhando informações em mim, sem me dar a mínima chance de me situar - Pode se sentir confusa e triste e de uma hora para a outra irritadiça e explosiva.
     Parei para analisar a última parte.
     Aquilo. Aquela peçinha. O meu humor.
     Estava acontecendo muito mais nos últimos dias; toda essa turbulência e principalmente a parte da confusão; eu senti muito disso antes de desmaiar.
     - Vou liberar seu pai, mas mais tarde você será submetida a alguns exames e eu volto para fazer mais algumas perguntas. - ela foi caminhando até a porta, mas voltou: - Só uma última coisa: quanto tempo você ficou em jejum antes de desmaiar?
     - Mais de dois dias. - não sabia porque, mas nao consegui mentir.
     Era como se eu fosse um robô, o mesmo robozinho dado a Ian, e tivessem me programado para dizer a verdade. Eu não conseguia nem tentar desviar, nem tentar falar outra coisa que não fosse objetivamente a resposta.
     Eu estava tão em choque que tudo que havia se misturado a meio segundo atrás, se desvinculava num rirmo absurdamente rápido.
     A médica loira só assentiu e saiu andando.
     - Você quer um copo de água? - a enfermeira perguntou para mim.
     Eu só neguei com a cabeça. Ergui meus joelhos para mim e os abracei, como numa forma de proteção.
     Eu só queria um abraço. Porque doía e eu estava tremendo, como alguém abandonado no frio.
     Quando meu pai entrou e os olhos tão cheios dele esbarraram com os meus, senti uma vergonha gigantesca tomar conta de mim. Eu quis fugir, quis ir embora; eu queria sumir, mas aí eu notei que o que eu realmente queria, não era fugir dele e sim de mim:
     - Pai! - comecei a debulhar e ele correu ao meu socorro.
     Ele fez o que eu queria. Exatamente o que eu precisava e me abraçou. Forte, muito forte. Não me lembro de o meu pai ter me dado um abraço tão forte quanto aquele depois disso.
     Ele chorou junto comigo e eu apertei meus olhos fechados para ver se parava de queimar um pouco.
     Me senti a mínima pessoa do mundo. Não em sentido de estatura, mas me senti a mais miúda possivel.
     - Me desculpa, pai. Me desculpa. - as palavras saíam capotando da minha boca, de forma embargada, cheias de remorso e algo feio. - Eu sinto muito.
     - Não querida, eu que sinto. - ele disse, segurando minha cabeça com as duas mãos. - Como eu pude não perceber que havia algo errado? Como eu pude não notar, meu amor? Me desculpa, filha. De verdade.
     - A culpa não é sua, pai. - funguei e por mais difícil que fosse, eu precisava dizer aquilo em voz alta: - É minha. Eu que fiz isso - mantive os olhos baixos. - comigo mesma.
     Mais lágrimas dispersaram dos olhos dele e dos meus.
     - Shhhh! - ele voltou a me envolver. - Está tudo bem agora. Vamos resolver isso; você vai ficar bem. - ele fazia carinho nos meus cabelos.
     Eu não estava tão confiante quanto ele nesse quesito, mas eu não quis o desencorajar.
     - Eu amo você, Olivia. - solucei e o abracei de novo.
     - Eu amo muito você, pai. - meu coração estava frenético, mas eu não me sentia mais tão fraca.
  

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