- Esse é o filme mais galhofa que já assisti. - comentei, com meus olhos na tela.
- Você sabe que só tem trinta minutos de filme, não é? - ele também não tirou os olhos do telão.
- Por isso mesmo. Trinta minutos e já teve mais efeitos especiais do que tem em duas horas de filmes normais. E nem são efeitos especiais bons. - argumentei.
- Você está se divertindo. Gosto disso. - ele finalmente tirou os olhos da tela.
- Se você chama isso de diversão. - ele riu.
Mas apesar do filme ser bem entediante, eu de fato estava me divertindo. Parecia que ele estava fazendo ainda mais graçinhas que o normal para eu rir, mas não era nenhum pouco forçado. Norman exalava alegria naquela noite.
- Posso perguntar uma coisa?
- Deixo você perguntar duas. - como eu havia dito: muito engraçadinho.
- Qual a história dessa cicatriz? - apontei para o seu olho, imagininando que a história seria muito mais engraçada do que aquele filme estava sendo interessante. Queria saber se havia sido com a bicicleta, pulando na cama, ou fruto de qualquer outra peripécia que ele pudesse ter feito.
- Quando eu era criança ainda, eu estava ajudando minha mãe a cozinhar - o histórico dele na cozinha era impressionante. - E aí meu pai chegou.
Tive vontade de mandar ele regredir imediatamsnte, porque a atmosfera mudou de tal forma ao meu redor que era óbvio que não seria uma história nada fofinha.
Porém os olhos dele não estavam em mim; ele estava encarando os pés:
- Ele estava bêbado, para variar. - houve uma pequena ponta de desgosto aí. - Ele foi bater nela. Pra variar.
- Norman...
- Eu avancei na frente dela e peguei um copo que estava no balcão. - a frustração se acoplou á voz dele. - Eu já estava tão de saco cheio, Forbes, que eu só estourei o copo na cara dele.
Me arrependi amargamente de ter perguntado. Queria voltar no tempo imediatamente.
- Aí, ele ficou bravo. Ele pegou os cacos do chão e lançou em cima da gente. Mas ele lançou aquela droga com tanta força que, acredite ou não, um dos cacos acertou meu rosto. - ele apontou para cicatriz. - Por milímetros não chegou no olho. Quase, quase fiquei cego.
Fiquei um tempo em silêncio. Eu não fazia a mínima ideia do que dizer. Eu não fazia a mínima ideia de como era passar por um drama daquele tamanho. E por tanto tempo.
Naquele momento eu percebi duas coisas. Primeira: o quanto Norman teve que resolver tudo sozinho, tanto quanto eu. O quanto ele teve que se colocar à frente da situação e dar muita além da maturidade da sua pouca idade. Mesmo tão novo, ele tentava defender a mãe, tentava fazer algo; não se acomodou com a situação. No fim das contas, éramos mais parecidos do que eu imaginava. E segunda: o quanto ele sempre era o suporte ideal para todos os meus momentos problemáticos. Eu sempre acabava respingando sobre ele, mas eu nunca o via reclamar sobre algo, estar triste por alguma coisa, ficar irritado ou sentindo qualquer uma dessas outras coisas que não fossem positivas.
- Depois disso, minha mãe começou a ficar mais desesperada ainda para sair de lá. - ele voltou no assunto de repente.
- Ele foi preso?
- Não. - ele disse tristemente. - Infelizmente.
- Me desculpa te remeter a isso. Eu achei que seria alguma história engraçada do tipo que você faz uma travessura e se dá mal. - ele deu um sorriso apagado, mas ainda estava lá.
- Você não tinha como saber.
- Norman, eu acho que eu não tenho sido uma boa amiga para você. - o rosto dele sofreu um leve lapso quando eu proferi essas palavras.
- Por favor, não inicie isso de novo. - ele pediu suavemente.
- Não, eu falo sério. - me ajeitei na cadeira para o olhar melhor. - Eu nunca ouvi sobre os seus problemas, sobre suas queixas, sobre suas tristezas. - um sorriso comovido nasceu em seus lábios e ele pegou a minha mão que estava apoiada no braço da cadeira:
- Isso é porque eu não gosto de falar dessas coisas mesmo. - Norman deu de ombros. - Eu prefiro não dar crédito ás coisas ruins do meu passado, mas pode ter certeza que quando eu estiver com um problema, irei procurar você.
Encarei nossas mãos juntas. Aquilo despertou algo em mim. Fez meu coração bater mais forte.
Quando eu voltei a encará-lo, os olhos dele pareciam querer engolir os meus, como o mar:
- Agora, eu posso fazer uma pergunta? - eu tive medo da pergunta. Tive medo de não saber responder o certo e me deixar levar. Tive um medo intenso de ceder, mas em algum outro lugar do meu cérebro, eu queria ceder:
- Pode.
- Por que mudou de ideia sobre hoje?
Tentei fugir, mas não deu, seus olhos travaram com os meus:
- Porque percebi que não estava agindo correto com você, Norman. - foi quase no automático, quase como hipnose. Quase como se ele pudesse extrair de mim, o que ele quisesse naquele momento. - Porque percebi que não estava sendo honesta comigo mesma.
- Em que sentido?
- No sentido de querer estar perto de você. - a pupila dele dilatou. E eu consegui ver isso, mesmo no escuro. - Sei que não é correto, mas eu não consigo me controlar.
Um sorriso completamente aberto.
Ele fazia as coisas complicadas parecerem fáceis.
E eu não fazia a mínima ideia de como aquilo era possível:
- É correto, Forbes. Só que você ainda não compreende. - ele colocou a mão na curva do meu rosto e eu fechei meus olhos por um segundo. Os deixei pesar de maneira confortável, como num descanso. - É tão correto que o meu coração está acelerado.
Abri meus olhos e o sorriso dele estava lá. Alvo. Lindo.
Norman era a coisa mais linda que eu já havia visto na vida.
E seu sorriso estava tão perto.
O meu coração também estava acelerado. Até demais. Será que aquilo era um sinal?
Eu o beijei.
Eu não pensei, só o fiz. E quando o meu cérebro começou a gritar com sinais de alerta em luzes de neon, eu dei um soco nele e o mandei calar a boca.
Por um segundo, eu queria ser imprudente. Eu queria esquecer do meu peso; eu queria esquecer do quão difícil era para mim emagrecer e do quão complicado tudo parecia ser. Eu queria realmente acreditar que as coisas eram fáceis. Simples.
Foi diferente da primeira vez que nos beijamos. Daquela vez apesar de intenso, foi delicado, porém dessa vez, era como se não nos víssemos há muitos anos e tivéssemos finalmente nos esbarrado por algum acaso.
Não sei se posso descrever assim, mas foi perpétuo.
Começou nos meus lábios e foi seguindo em um nível tão crescente, que de repente eu comecei a sentir que estava intrínseco á minha alma.
Norman colocou a mão na minha nuca e eu senti um leve arrepio na espinha. As mãos dele sempre provocavam um efeito colateral quando me tocavam.
Eu só queria me aproximar mais e o abraçar. Me manter perto dele, porque eu sabia que o que fluía dele era bom.
A minha mão pousou em seu ombro e nós fomos nos afastando pouco a pouco, enquanto nossos olhos dispersavam e nós voltávamos á consciência cotidiana.
Foi como voltar á superfície depois de um mergulho muito esperado. Depois de um mergulho pelo qual você ansiou por muito tempo. E eu nem sabia que o queria tanto assim. Eu só tive ciência quando vi os lábios dele a milímetros dos meus.
- Você tem razão. - ele praticamente cochichou.
- Sobre o quê? - eu também cochichei, mas meus olhos estavam em seus lábios e eu ainda estava entretida por eles.
- Sobre o filme ser chato. Isso aqui que foi divertido. - não pude evitar de sorrir.E mais uma vez. Nada tinha ficado pesado. Eu na verdade, diria que tudo ficou tão leve depois daquele beijo, que eu estava praticamente flutuando.
- Obrigado. Por mudar de ideia sobre hoje. - ele disse, quando alcançamos a minha porta. - Foi uma noite maravilhosa.
- Norman, eu quero te pedir desculpas. - decidi que aquilo era algo plausível a se fazer.
- Pelo quê?
- Pelo o que aconteceu mais cedo. - esclareci - Eu não devia...
- Você tá brincando, não tá? - ele deu um sorriso que se classificava como um de incredulidade. - Foi maravilhoso, Forbes!
- Mas eu não quero que você ache que estou usando você, ou que você ache que eu...
- Olivia, - ele avançou e segurou meu rosto com as duas mãos, me fazendo o encarar. - Eu disse que esperaria por você. E eu vou continuar esperando.
Senti uma vontade imensa de gargalhar de nervoso. Como eu devia reagir aquilo? O que eu podia fazer para retribuir aquilo?
Tudo se misturava de um jeito muito esquizofrênico dentro de mim e eu perdia as noções básicas.
Fiz um leve carinho em seu rosto com a ponta de meus dedos e observei o quão bonito ele era.
O puxei para um abraço.
Era um abraço meio que de 'me desculpa, mas eu não sei o que faço; eu estou completamente perdida aqui'.
Eu sabia que podia contar com Norman; sabia que ele me ajudaria com o que quer que fosse, mas havia uma coisa que ele não podia fazer por mim: me salvar de mim mesma.
- Obrigada. Por tudo. - eu disse quando o soltei.
Ele pegou minhas mãos e as beijou:
- Eu que agradeço.
E com um sorriso, ele foi se distanciando e de todas as cenas da nossa noite, aquela foi a que eu menos gostei.
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EAT ME
DiversosComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...