64 - Inexistência

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Eu saí fincada para a sala de Tatiana. Não era meu dia de consulta, mas se eu não levasse aquela situação para ela, eu explodiria.
Ridículo.
Eu sentia vontade de bater naquela idiota até ela chorar.
No caminho, fui explicando de forma rápida para Tonya o que eu descobrira.
Quando cheguei na sala da psicóloga, faltei derrubar a porta.
- Eita! O que foi? - ela disse depois de ver meu rosto vermelho.

- O que Tatiana disse, amor?
- Que vai falar com ela. Para saber se as informações conferem. - respondi, tomando água.
- Ou seja, ela te chamou de mentirosa ainda por cima. - Tonya soltou.
- Não, ela quer conferir se ela sofre de fato de bulimia ou se está só fazendo uma 'dieta'. - abri aspas com os dedos de forma bem ilustrativa.
- A menina é louca de pedra, gente. - Joshua comentou lá detrás, enquanto preparava sanduíches.
- Eu sinceramente acho que isso foi pior do que se ela fosse doente. - observei. - Ela está fingindo estar doente? - nem eu mesma sabia.
- Não. Ela está usando uma doença séria para ficar linda. - Tonya fez biquinho.
Pior que sim. Era aquilo mesmo.
- Bom, isso já não é mais um problema meu. - retruquei.
- Já não era desde o princípio, na verdade. - Tonya fez questão de frizar.
- Quero que ela passe bem longe de mim. - avisei. - Gente, eu preciso ir. Meu pai já vai sair pra trabalhar e o Ian vai ficar só em casa.
- Você quer levar um sanduíches? - Joshua perguntou e eu olhei para os pães sobre a bancada.
Eles pareciam ótimos, mas por algum motivo, olhar para eles naquele momento estava me fazendo semtir enjoo.
- Eu levo. - Norman se pronrificou.

Eu estava descobrindo que Ian gostava muito de sanduíches.
Nós levamos uns cinco pra casa e ele pegou três. Foi um atrás do outro.
Enquanto eu o observaga engolir o lanche sem nenhuma preocupação, eu senti um pouco de inveja. Não me orgulhava nem um pouco dizer que senti inveja de uma criança de quase onze anos, mas foi a verdade.
Eu só queria fazer aquilo que ele estava fazendo. Mandar uma comida atrás da outra sem me importar com a droga das calorias delas.
Às vezes, eu sentia muito medo de regredir e quando isso acontecia, eu ligava para Tatiana na hora, porque quase sempre esses momentos eram acompanhados de uma instabilidade emocional e eu chorava e tinha crises.
Daí ela tratava da minha agitação e ficava tudo normal de novo.
- Você ficou realmente brava com Clarisse. - Norman observou com cuidado, me tirando do meu transe mental.
- Você não ficaria?
- Já faz tempo que estou, na verdade. - ele sorriu de canto de boca e eu suspirei pesadamente.
- Ai, Norman. Quando esse tipo de coisa acontece, eu fico tão receosa. - confessei.
- Em que sentido?
- Eu não consigo não me incomodar e isso acaba me afetando, porque qualquer coisinha que fuja da ordem normal, me faz ficar limitada sobre comida.
- Acho que isso é algo normal nesse primeiro momento, não tenho certeza. Porque você acaba relacionando o problema dela ao seu.
- Mas ela não tem um problema!
- Então, por isso a instabilidade, Forbes. Você agora sabe o quão grave é e ver alguém brincar com isso, te machuca porque você sabe como é difícil passar por isso. - eu apenas abaixei a cabeça.
- Quando esse tipo de episódio acontece, eu temo, sabe? - Norman balançou a cabeça. - Fico com medo de não conseguir seguir o tratamento, de retroceder.
- Se há uma luz na sua cabeça piscando sobre isso, acho que podemos encarar como um bom sinal. - fiquei confusa. - Quando você ignorava o problema, você não tinha essas impressões e hoje você as adquiriu. Acho que tudo isso é margem para a gravidade das coisas.
- Espero muito que você esteja certo. E que eu consiga. - ele sorriu e beijou minha testa com cuidado. - Você fala umas coisas tão inteligentes, sobre psicologia. Onde aprendeu isso tudo?
- Não é nada muito inteligente que nem você tá pensando, não. São só noções. - eu assenti, com uma breve cara de não conhecimento.
- Norman Redwater não sendo convencido. Eu vivi para ver isso.
- E você viverá para ver muito mais, amor. - ele acarinhou minha bochecha.
E aquilo me fez sentir um milhão de vezes melhor.
Eu não sabia como, mas qualquer gesto de Norman me fazia sentir tão melhor. Ele era a bênção aue Deus havia me enviado.
- Você não está com fome? - depois que ele falou aquilo, senti meu próprio estômago responder:
- Um pouco.
- Quer comer um sanduíche? - ele desembrulhava o pão que estava até então na minha escrivaninha.
Era um sanduíche de pão integral com alface, tomate e queijo branco.
- Eu posso pegar alguns pedaços? - um inteiro ainda parecia muito para mim, por mais que não fosse um inteiro e sim duas metades de um mesmo pão.
- Claro. - Norman deu uma mordida no primeiro pedaço. Uma boa mordida. Ele até fechou os olhos. - Joshua mandou muito bem.
Não entendi como um sanduíche tão simples poderia estar tão divino para as caras e bocas que ele estava fazendo.
Segurei sua mão e mordi um pedaço.
Assim que o lanche entrou, senti algo diferente.
Mastiguei.
De fato, havia algo muito bom ali. Algo que eu não sabia o que era:
- O que você acha que é? Tem um gosto tão diferente.
- Pasta de amendoim? - ele mordeu outro pedaço e mastigou.
- Não. Pasta de amendoim tem um gosto muito neutro. - peguei o que sobrara do sanduíche e fui mordendo aos poucos, para tentar decifrar.
Era muito acentuado e combinava muito com os ingredientes.
- Ele vai ter que fazer mais desses durante a viagem. - eu sorri enquanto continuava mastigando.








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