53 - Como está a Garotinha do Papai?

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Dias Depois

     Eu estava fazendo o dever de matemática quando meu pai entrou no quarto com seu uniforme de policial que eu sempre achara tão bonito.
     - Oi, filha.
     - E aí, pai? Tudo bem?
     - Tudo e com você? - ele se sentou na beirada da cama como sempre costumava fazer.
     - Eu estou bem. De verdade. - foi um alivio dizer aquilo depois de dias tão turbulentos.
     - Ultimamente não temos conseguido conversar muito bem. Peço desculpas. - ele disse com as mãos sobre os joelhos.
     - Pai, eu sei que você está fazendo turnos extras para poder arcar com tudo. Eu tenho que te agradecer, na verdade.
     - Isso não desfaz minhas responsabilidades como papai. - eu sorri e ele também. - Como está a terapia?
     - Eu só tive uma sessão. Vou ter outra semana que vem. Estou fazendo a lição de casa que Tatiana me deixou. - ele assentiu.
     - E como foi sua primeira sessão?
     - Eu estava horrível. Foi no dia que bati em Clarisse. - ele que assentiu dessa vez. - Mas Tatiana foi muito atenciosa e acho que ela sabe o que está fazendo.
     - Então você confia nela?
     - Acho que sim, pai. - dei de ombros. - Depois de tudo o que ela fez, acho que no fim das contas, ela queria mais do que ajudar. E ela me entende muito bem.
     - Como assim?
     Respirei fundo, considerando se havia algum problema em o contar aquilo:
     - Tatiana já foi anorexa, pai. E ela chegou num estágio bem pior do que o meu. - os olhos dele se impressionaram tanto quanto os meus quando eu descobri. Imaginei que cara ele faria se tivesse visto as fotos que vi. - Então ela literalmente entende e sabe muito bem como me sinto. Afinal, ela já esteve lá.
     - Eu não acredito. Mas ela... Ela é...
     - Uma psicóloga? - eu sorri. - Foi exatamente como reagi.
     - Meu Deus!
     - Talvez seja por isso que ela resolveu se tornar psicóloga. Não sei. Não me sinto íntima o suficiente para perguntar. Não sei o quão doloroso esse assunto é para ela. - eu dizia isso, porque para mim aquilo era um estorvo gigante.
     - É verdade. - ele continuou balançando a cabeça, mesmo após a frase. - Queria te perguntar mais uma coisa.
     - Pergunte.
     - Meu Deus, Ruby fazia essas coisas parecerem tão fáceis. - eu sorri, porque já estava imaginando ao que ele estava se referindo:
     - É sobre Norman, não é?
     - Isso! Ele mesmo. - eu via o alívio nos olhos dele por eu ter concluído. E via mais, o anseio de que eu descobrisse qual pergunta ele queria me fazer. - Como estão as coisas?
     - Pai, Norman tem me dado um suporte que eu nem sei explicar. E mais do que isso, ele cuida de mim, muito além da parte... Estranha. Ele cuida realmente da Olivia, sabe? - olhei para baixo para reunir as palavras certas. - Norman me faz sentir normal, pai. Ele me faz sentir como eu era antes de tudo isso. Antes disso, antes de a mamãe morrer. Ele complementa... As partes que estão dormentes em mim.
      "Ele me faz acreditar que posso voltar a ser quem eu era antes".
      - Uau, isso é... Profundo, Ollie. - nem eu sabia que eu descreveria minha situação com Norman assim. - Isso é muito bom. - ele parecia estar analisando algo. - Eu ia fazer mais algumas perguntas, mas isso foi de fato... Esclarecedor.
      Nós sorrimos um para o outro.  
      Papai avançou e me abraçou. Foi um abraço tranquilo, sem peso algum. E aquilo só acrescentou pontos à minha felicidade.
      - Eu estou aqui para você, filha. Pode contar comigo. Para tudo.
      - Obrigada, pai. - nós nos afastamos.
      - Eu amo você. - ele disse e depositou um beijo na minha testa.
      - Eu também amo você. - sorri quando ele se foi.
      Olhei o visor do celular e já eram nove e meia.
      Resolvi deixar para terminar o dever de matemática no outro dia e ir dormir.
      Assim que apaguei as luzes e deitei na cama, puxando as cobertas até o queixo, algo veio na mimha cabeça e eu soube que não conseguiria dormir tão cedo.
      "E ela chegou num estágio bem pior do que o meu." "Então ela literalmente entende e sabe muito bem como me sinto. Afinal, ela já esteve lá".
     Eu falara com papai sobre anorexia. Mas eu não falara disso de forma isolada. Eu inseriria o assunto em mim, não é verdade? Era impressão minha ou eu tinha falado daquilo com certa naturalidade? Familiaridade?
     Eu podia estar numa viagem muito louca, mas para mim aquilo estava fazendo sentido.
     Eu falara sobre a minha condição. Como realmente minha.
     Aquilo era um avanço não é? Eu achava que era.
     Uma pequena vitória. Era sem dúvida, uma pequena vitória. Eu conseguira.
     Sorri no escuro e uma pontinha de orgulho ardera no meu peito.
     Fora algo tão sutil e que parecia tão pequeno, mas que para mim importava de um jeito realmente sobrenatural.
     Me lembrei de algo imediatamente e acendi a luz do abajur.
     Peguei o bloquinho que Tatiana havia me dado e uma caneta, o abri.
     Anotei a data e escrevi.
    
      Eu estou realmente Feliz.

     Quase não precisei pensar nas palavras chaves.

      Anorexia, Eu, Doença, Melhora.

     Fechei o bloquinho e o coloquei no meu criadomudo.
     Depois disso, eu realmente fui dormir.
   
     
    

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