00 - Antes de Tudo

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     - Pode me passar a geléia, por favor querida? - mamãe perguntou, me encarando com aquele olhar amável de sempre.
     Peguei o pote de geléia para a entregar até que me lembrei das últimas recomendações médicas:
     - Mãe, o doutor Phill não aconselhou que a senhora evitasse doces por algum tempo?
     - O doutor Phill gosta muito de assustar. - ela disse daquele jeito brincalhão que sempre tinha.
     A entreguei o pote, ainda com um olhar desconfiado.
     - Eu estou definitivamente morto. Não tenho mais tanta energia para brincar com seu irmão. - papai disse, vindo se sentar conosco, na nossa toalha de piquenique.
     Observei Ian pulando atrás de um passáro que provavelmente estava se perguntando o que ele estava fazendo.
     - E quando vamos conhecê-lo, Olie? - mamãe me perguntou com aquele mesmo sorriso astuto nos lábios.
     - Conhecer quem? - me fiz de desentendida, mas foi mais pelo susto de aquilo ter sido levantado tão de repente.
     - É. Conhecer quem? - papai se voltou à ela.
     - O namoradinho de Olie.
     - Mãe!
     - Como é? - papai voltou seus olhos verdes a mim e eu não gostei de receber tanta atenção assim.
     - Ele não é meu namorado, pai. - eu tratei de retratar aquilo o mais rápido possível. - Ele é só um amigo...
     Mas mamãe parecia uma daquelas adolescentes birrentas às vezes e não podia perder um oportunidade. Às vezes aquilo me constragia, mas no fim das contas, eu apostava que era aquilo que a tornava tão jovem apesar de sua idade:
     - Mas amigos não vão em casa pedir a mão de uma garota em namoro. - ela piscou como se consideresse outra ideia.
     - Alguém pode fazer sentido? - se papai estava perdido, imagina eu:
     - Mãe, do que a senhora está falando?
     - Encontrei o Will essa semana no mercado. - ela disse, toda contente. - Ele perguntou se podia me chamar de sogra.
     - E por isso a senhora presumiu que ele me pediria em namoro? - a encarei sem acreditar que ela havia despejado aquilo em papai.
     Papai era um amor de pessoa. O melhor pai que eu já havia visto, porém quando falávamos de garotos, ele podia tender a ser um pouco neurótico. Só um pouco.
     - Não. Não é uma presunção, na verdade é uma constatação. Ele me disse isso e ele vai falar com você. - ela comeu outra torrada com geléia. - Finja surpresa; não diga que eu falei.
     Eu olhei para papai e seus braços estavam cruzados:
     - Pai, eu juro que não fiz nada. No máximo um abraço, mas juro que foi tudo e inocente e...
     - Se ele vier falar comigo, tudo bem. - ele mexeu no meu cabelo escuro, o bagunçando completamente.
     - Oi? - seria um milagre natalino? Mas nós ainda não estávamos longe do natal?
     - Acho que tenho sido meio duro sobre essas coisas. - ele deu uma olhada de canto de olho para mamãe e eu soube institivamente que tinha dedo dela nisso. - Você é uma menina incrível e super inteligente; sei que nada vai desviar você do seu foco.
     Eu sorri.
     Nem estava acreditando.
     - Obrigada, papai. Obrigada, mamãe. - ela me deu uma piscadinha.



     - Você nem vai acreditar! - eu disse sentindo meus olhos brilharem, se é que isso é possível.
     - O que foi, amor? - ele disse com aquela voz toda encantadora dele.
     - Já falei pra você não ficar me chamando de amor por aí; nós não somos namorados. - senti vontade de acrescentar um "ainda", mas eu quis o torturar.
     - Assim você me machuca. Amor. - ele fez de propósito; ele adorava me provocar.
     - Meu pai aceitou numa boa você vir aqui me pedir em namoro!
     - Espera, como é que você...
     - Lição número um: não conte nada para a minha mãe. Ela não sabe guardar segredos. - ele riu um pouco.
     - Ok. Anotado. - era quase visível ele sorrindo do outro lado da ligação. - E quando posso ir aí?
     - Quando você quer vir?
     - Eu queria ir agora. - eu gargalhei, porque mesmo sendo previsível que ele diria algo daquele tipo, eu ainda assim adorei.
     - Mas infelizmente você não pode. - cortei seu barato.
     - Eu poderia aparecer na sua varanda. - contestou.
     - E causar uma péssima primeira impressão ao meu pai? - rebati.
     - Só seria causada uma má impressão se ele nos pegasse.
     - Primeiro: não fale assim, porque parece que vamos fazer algo muito errado e segundo: ele nos pegaria. Meu pai é um ninja.
     - Um ninja?
     - Um ninja.
    - Agora quero o comhecer mais ainda. - eu gargalhei de novo pelo nível de bobeira dele. - Já vai dormir?
     - Já sim. E você?
     - Vou logo logo. Preciso estudar um pouco antes. Amanhã tem prova de química...
     - E você está deixando pra estudar às onze da noite de um domingo, Will?
     - Não. - ele usou aquele tom de quem claramente estava mentindo. - Estou apenas revisando.
     - Aham. - usei meu melhor tom de (não) convencimento.
     - Te vejo amanhã na aula?
     - Pode apostar. - sorri.
     - Tchau, amor.
     - Tchau, Will. 

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