05 - Indo para o Lixo

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     Ian ficou bem quieto na maior parte do caminho de volta para a casa, mas assim que pisamos na nossa sala, ele parecia uma metralhadora disparando palavras:
     - Ian, aos poucos. Não estou entendendo nada do que você está dizendo. - sinalizei.
     - Eu não estava falando nada antes, porque havia um monte de crianças do colégio na rua e eles poderiam acabar escutando e eu não quero arrumar briga com mais ninguém... - ele continuava aceleradíssimo.
     - Ok, o que aconteceu?
     - Eles foram expulsos. Os três meninos!
     Apenas encarei meu pequeno irmão naquele momento. Talvez tivesse sido errado, mas me senti satisfeita. Era como se eu tivesse sido vingada.
     - E eles mexeram com você hoje?
     Ian apenas negou com a cabeça:
     - Foi o correto. - o assegurei.  - O que acha de me ajudar a fazer o jantar?
     - Eu posso cortar as verduras? - ele se animou institivamente.
     - Claro que pode. - sorri para ele e acarinhei sua cabeça. - Mas antes disso, banho. - apontei as escadas.
     - Ok. - e ele subiu as escadas, praticamente pulando os degraus.
     Peguei minha mochila e decidi ir para um banho também.
     Subi para o meu quarto e separei uma roupa confortável e depois disso me despi, já que o banheiro ficava dentro do meu quarto.
     Minha intenção a seguir, era ir para o banheiro, mas não fiz isso; ao invés de ir para o banho, vi a barrinha de cereal que Norman me dera mais cedo. Ela havia caído do bolso lateral da minha mochila que eu a havia colocado mais cedo.  
     Eu a peguei e a encarei na minha mão. Não parecia ser tão ruim assim.
     Abri a embalagem, mas como se houvesse um algo chamativo na minha frente, me senti impulsionada a olhar para frente, onde havia um espelho que pegava todo o meu cumprimento. Eu estava evitando fazer aquilo nos últimos dias, mas agora, fora quase inevitável.
     Meu cabelo preto e liso estava cerca de uns três dedos além dos meus ombros. Meus olhos verdes, cercados de cílios que sempre foram o orgulho de mamãe por serem exatamente iguais aos dela pareciam bem cansados e pesados agora.
     Eu não era tão baixa assim, podíamos dizer que eu tinha cerca de um e sessenta e dois.
     E lá estava meu corpo. Claro. Eu pareceria pálida sempre se as minhas bochecas não fossem um pouco rosadas.
     Mas eu só estava divagando sobre uma noção que eu já tinha, porém o meu corpo em si...
     Havia uma época em que minha clavícula era esculturalmente desenhada. Minhas coxas e meu quadril eram as partes mais robustas do meu corpo. Porém, desde que minha mãe morrera, eu passará a engordar e agora todo o meu corpo era robusto. Não haviam mais linhas que indicassem minha clavícula.
     Olhando para aquilo no espelho, embrulhei a barrinha de novo e saí da frente do espelho.
     Peguei a roupa que eu havia deixado em cima da cama e caminhei, mas antes de entrar no banheiro, joguei a barrinha na cestinha de lixo que havia no quarto.

     Como prometido, Ian estava cortando os legumes. Ele estava empolgado para fazer uma salada:
     - Eu fiz uma amiga, sabia?
     - Cuidado com essa faca. - eu disse observando ele cortar os tomates rápido demais. - Ah, é? Qual o nome dela?
     - Maya.
     Lembrei na hora. Era a garota da prótese.
     Sorri.
     Ela parcia uma boa companhia.
     - E ela é legal?
     - Ela gosta de foguetes e de aviões. E ela não para de falar nisso. - ele estava muito animado, mas muito mesmo.
     Tinham dias que acontecia simplesmente aquilo. Ian chegava tão animado que mesmo na hora de dormir, ele ainda estava falando todo apressado e rindo.
     Eu gostava quando ele estava assim. E orava a Deus para que ele continuasse assim pelo maior tempo possível. Eu já tinha o colocado na cama chorando vezes demais ultimamente.
     - ... Acho que ela quer ser piloto. Ou astrounata. Ela não deixou muito claro. Tenho que perguntar amanhã.
     - Fico feliz que fez uma amiga. - sorri para ele:
     - E você? Não fez nenhum amigo? - a pergunta dele realmente me fez pensar.
     Ele como uma criança de seus dez anos devia fazer as perguntas mais simples possíveis, mas aquela em especial foi de uma complexidade que eu mal podia tentar explicar.
     - Eu... - pensei sobre Norman e o quão bem me senti na detenção.
     Eu me sentira bem. Fora um momento legal, mas de qualquer forma aquilo não podia constituir fatores suficientes para significar amizade.
     - Ainda não. Não fiz nenhum amigo.
     - Você vai encontrar alguém. - ele disse de forma muito esperançosa.
     - Não deve ser preocupar comigo. Eu já tenho um melhor amigo - toquei a ponta de seu nariz. - É você.
     - Mas eu sou uma criança. Você precisa de um amigo da sua idade.
     - Terminei. - cortei propositalmente o assunto. Ian sabia o que significava quando eu fazia aquilo. - Acabou sua salada?
     - Quanto eu ponho de sal?
     - Vá colocando e provando. Assim você vai saber quando estiver bom.
     - E como você consegue saber quando está bom? Nunca vejo você provar. - eu apenas o encarei por um segundo e depois eu sorri da forma como sempre fazia:
     - É porque eu já faço comida há muito tempo. E aí já sei a quantia de sal. - ele assentiu, se contentando.
    
    

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