Umas batidas.
Tinha alguma coisa batendo ao fundo e eu não entendi muito bem o que era.
Aos poucos o som foi ficando mais perto e quando eu vi, eu estava abrindo os olhos.
Quando eu pegara no sono?
Eu estava no sofá da sala; havia uma manta marrom cobrindo da minha cintura para baixo.
Eu me sentei e procurei por algum contexto.
Olhei para a cozinha e vi papai mexendo nas panelas.
- Olha só quem acordou, Robert. - ouvi uma voz e logo vi o rosto dele. Norman.
Como numa tacada, todas as memórias me atacaram de uma vez e eu me senti um tanto zonza.
- E aí, filha! - papai veio da cozinha e depositou um beijo na minha testa. - Norman me contou tudo.
- Tudo? Tudo o quê? - o pânico permeou as minhas células e eu me senti como se eu estivesse prestes a morrer. Norman contara para ele? Por que ele contara para ele?
- Ele me disse que veio trazer um presente para o Ian e viu o quanto você estava cansada e aí se ofereceu pra ajudar com a janta. Quando ele voltou da cozinha, você tinha adormecido e ele não quis te acordar.
- Ah, é. - eu encarei Norman um tanto desconfiada.
- Daí ele ficou e terminou a janta. - o encarei de novo, ele só balançava a cabeça, confirmando o que papai dizia e sorria:
- Não foi nada, imagina.
- Então, vamos jantar? - papai disse daquele jeito animado de sempre.
Se havia algo que eu admirava nele, era o fato de mesmo cansado, ele sempre expressar bom humor. Eu sabia que ele estava podre de exausto depois de dois plantões super puxados, mas mesmo assim ele não demonstrava.
- Por que o Senhor não faz o seguinte: porque não come com o Ian hoje? Aposto que ele deve estar manhoso e vai amar um agrado. - Norman saiu com aqulea alternativa de forma solidária.
- É uma ótima ideia. - papai sorriu. - Mas vocês não se importam de comerem sozinhos?
Imediatamente neguei com a cabeça.
- Vou fazer os pratinhos. - e ele partiu para a cozinha, sem precisarmos fazer mais esforços para convencê-lo.
Norman se sentou na poltrona que eu estava anteriormente:
- Faz quanto tempo que você está aqui? - eu disse, me sentando em uma posição mais confortável.
- Umas três horas já. - eu assenti.
- Meu pai não estranhou sobre estarmos aqui... Sozinhos?
- Assim que ele chegou, eu estava na cozinha e já comecei com um discurso de "espero que não haja problema, senhor Forbes". - assenti novamente, apenas acompanhando. - Daí ganhei até um bonus de o chamar de Robert.
- Ele se sente velho quando o chamam de 'senhor'. - Norman sorriu.
- Crianças, vou lá. - papai subia com dois pratos de comida.
- Quer ajuda? - Norman se ofereceu.
- Não precisa. Obrigado. - e lá foi ele escadas acima.
- Você quer conversar sobre...
- Não.
- Tudo bem. - ele disse de forma calma. - Que tal comermos um pouquinho então?
O olhei com todo o desânimo existente dentro de mim:
- Não posso. Eu já comi no café da manhã.
- Comeu? - apesar de tudo, o tom dele não foi de julgamento; foi de cumplicidade. Eu sabia que ele estava me pedindo para ser sincera de uma forma educada.
- Comi duas rodelas de banana.
- Já fazem mais de doze horas. - ele disse checando o celular. - Não precisa ser muito, não precisamos forçar. Só um pouquinho?
Meu estômago fechou só de pensar na hipótese de ingerir mais calorias ainda e engordar mais ainda:
- Norman desculpa, eu não posso.
- Tá, tudo bem. - ele sorriu amistoso para mim. - Você pode me acompanhar? - ele disse após se levantar do sofá e me oferecer sua mão.
Eu a peguei e o segui até a cozinha.- Como ele está? - peeguntei, assim que meu pai desceu as escadas.
- Bem melhor. A febre baixou.
- Graças a Deus. Eu não queria ter que correr para o hospital. - relatei.
- Será que eu posso subir para entregar o presente dele?
- Claro, vai lá. - papai o deu um tapinha nas costas e nós subimos até o quarto de Ian.
Norman bateu na porta antes de entrar:
- E aí, amigão? - meu irmão já abriu um sorrisão quando o viu.
- Oi, Norman! Que saudades de você!
Norman foi até lá e bagunçou os cabelos dele:
- Tenho que vir te ver mais vezes. - ele trocou o olhar de Ian para mim. - Mas a sua irmã não me convida.
O encarei com meu melhor olhar de indignação:
- Não liga para ela, eu deixo você vir e aí a gente brinca de carrinho. - eu ri um pouco com a espontaneidade do menino.
- Falando em brinquedo. - ele mostrou o pacote que havia trazido. - É para você.
Os olhos dele cresceram sobre o pacote e ele o pegou e o abriu no mesmo minuto:
- É UM ROBÔ! OLHA LIV! É UM ROBÔ! - ele ficou realmente empolgado com o brinquedo e fazia muito tempo que eu não o via ficar assim por conta de um presente.
- Que bom que você gostou. - Norman comentou.
- Posso te dar um abraço? - meu irmão ainda estava sorrindo.
- Mas é claro. - ele se abaixou e Ian o abraçou com vontade.
Foi uma das cenas mais fofas que eu já havia presenciado. Aquilo de verdade aqueceu meu coração.
- Espero que se divirta.
- Pode deixar. - Ian sorriu.
Presenciar aquela cena de um sorrindo para o outro, em uma perfeita harmonia me fez sentir algo muito bom. Algo que destoava completamente de como eu geralmente me sentia.
Ian e papai sempre faziam eu me sentir muito melhor do que o meu normal, mas aquelas pontadas eram diferentes. Aquilo começou a acontecer quando Norman chegou e estava ficando cada vez mais frequente. E eu nem dizia isso num sentido restrito; era no contexto abrangente mesmo, porque envolvia todas as pessoas ao meu redor.
Papai nunca simpatizara com um menino antes. Mesmo quanfo eu namorava Will, as coisas não pareciam tão saudáveis quanto pareciam agora que Norman estava aqui.
Eu estava tendo um pequeno vislumbre de que ele fosse uma luzinha enviada diretamente por Deus para nos ensinar alguma coisa e nos abençoar.
Era incrível o jeito como ele mudava as coisas de cor, pois fazia isso de maneira sutil, natural. Como se nem percebesse.
Era uma das coisas que eu mais gostava nele.
- Agora eu tenho que ir. - Norman disse, se desvencilhado dele.
- Você vai me visitar de novo?
- Claro que vou. - ele bagunçou mais uma vez os cabelos de Ian.
- Obrigado mais uma vez. - ele disse, balançando o robô para gesticular.
- Imagina. - ele deu um último aceno e eu o segui para fora do quarto. - Até mais, Robert. - ele acenou para papai.
- Até, Norman. - papai acenou da cozinha, com um pano de prato no ombro.
Eu o acompanhei até lá fora:
- Você tá bem? - foi a primeira coisa que ele me perguntou quando encostei a porta.
- Estou melhor. - era verdade. - Norman, obrigada. Por não dizer nada ao meu pai. Isso só iria preocupá-lo e não tem necessidade disso.
- Você sabe que uma hora vai ter que falar com ele, não sabe?
- Falar sobre o quê? - os olhos dele seguiram os meus num ritmo desprovido de velocidade.
- Deixa pra lá. - ele sorriu e beijou minha testa. - Até mais, Forbes.
Eu nem responder consegui, só o observei se distanciar.
Por algum motivo aquilo me chateou, mas eu sabia que devia o deixar ir.
Eu devia definitivamente o deixar ir.

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EAT ME
De TodoComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...