Dias Depois
- Clarisse parou de encher a paciência? - foi o questionamento de Tonya.
- A minha sim. O Norman que deve estar sofrendo.
Clarisse estava sendo um carma na vida dele. Perseguia ele para cima e para baixo e todos nós sabíamos o quão educado ele era para simplesmente a mandar carpinar um lote.
Ela o chamava para sair. Ela tentava lanchar com ele. Ela tentava conversar com ele.
Eu me perguntava se ela estava assim tão determinada a me irritar ou se ela realmente acabara se apaixonando por ele. Eu não me surpreenderia se fosse a segunda opção, até porque Norman era realmente encantador.
- E você não se incomoda nenhum pouquinho com isso? - ela escavou, como sempre fazia.
- Não.
- Acho que você está certa. - e ela ficou quieta.
Aquele sim era um comportamento nada típico de Tonya:
- Ok, por que mesmo você está concordando comigo?
- Você sabe o quão apaixonado Norman é por você; está quase estampado nos outdoors da cidade; não há motivo para insegurança. - agora eu tive que ficar quieta.
Pior, que no fim da história era aquilo mesmo. Eu sabia que Clarisse não tinha a menor chance com ele, também porque ela não era um tipo de pessoa muito humilde. E Norman... Norman era verdadeiramente nobre. Às vezes, eu até me beliscava para entender que eu estava numa realidade com ele:
- Bom dia, Meninas. - Will.
Fazia um milhão de anos que eu não o via e sinceramente, eu não lembrava dele. Sabe quando você simplesmente abstraí da existência da pessoa e só se lembra que ela existe quando a mesma aparece na sua frente? Ou é mencionada por alguém? Então, esse era o caso.
- Ih, tô fora. - Tonya pegou a mochila dela jogada no chão e saiu acelerada.
E infelizmente, restamos só nós dois:
- Oi, Will.
- Como você está?
- Bem, obrigada. - dei um sorriso, cortês.
- Eu tirei férias com a minha mãe. - eu assenti e notei que aquilo meio que justificava o desaparecimento dele.
- Que legal. - eu não sabia muito bem como responder aquilo.
- Olivia, eu estive pensando - eu não gostava daquilo. Não gostava quando Will pensava e vinha falar comigo. Das últimas vez, isso não acabou bem. - Acho que nas últimas semanas amadureci algumas ideias.
- Que legal, Will. - de novo, eu não sabia o que dizer.
- E é sobre você. - previsível.
- Will, escuta...
- Eu já sei o que vai me dizer. Que você não sente mais nada e tudo bem, eu entendo isso. - agora, ele havia me deixado surpresa. - Eu só preciso que você escute algumas coisas que eu tenho a dizer, ok?
Hoje era o dia dos comportamentos contrários?
- Tudo bem. - me dispus.
- Eu fiquei com a Clarisse para provocar você. - abri a boca para responder, mas ele se adiantou. - E eu sei que não adiantou. Foi idiotice e imaturidade. - eu assenti. - E eu ainda gosto de você, mas vou parar de ser um bundão e ficar atrás de você. Eu só quero que seja feliz. - aquilo me provocou um sorriso interno.
Era uma mudança completa de atitude e eu fiquei realmente feliz por aquilo, não só porque ele ia parar de ser chato e pegar no meu pé, mas principalmente porque ele estava se tornando uma pessoa melhor.
- Acho que no fim o que vai sobrar é só um carinho, mesmo. - ele deu um sorriso fechado. - E tudo bem, vou aprender a lidar com isso. - eu assenti de novo, porque eu sabia que ele não havia terminado e eu nao queria o atrapalhar. - Eu sei que deveria ter sido melhor para você, e que eu fui um babaca - ele sorriu de novo, dessa vez, era um sorriso conformado. - Porém, está tudo bem. Eu quero que você seja o mais feliz que puder e esteja ao lado de pessoas que te fazem bem. Como o Norman. - me assustei.
Como assim "como o Norman"? Como ele sabia sobre o Norman? Estava assim tão na cara que ele gostava de mim?
- Obrigada. Eu acho. - foi o máximo que eu pude devolver.
- Espero que possamos pelo menos ser colegas. - ele levantou a mão, para que eu pudesse dar um toquinho.
- Claro. - sorri, mais tranquila agora e bati em sua mão.
- Até mais, Olivia. - ele ia se retirando.
- Will, - ele se virou e me encarou. - Isso foi muito bom. Eu fico realmente contente. - ele assentiu e deu um último sorriso antes de ir embora.
Por algum motivo me senti em paz. Aquela era uma história um tanto inacabada, mesmo que eu não tivesse percebido ainda.
- Olivia?
Me virei e era a psicóloga:
- Bom dia.
- Bom dia, tudo bem?
- Tudo sim e com você? - ela assentiu:
- Tudo. Será que podemos conversar? - notei que o tom dela estava bem diferente do que ela usou da última vez. Ele estava mais sério, mais puxado para o profissional.
O fato de ela não estar usando um tom forçado, já era ótimo.
- Podemos sim. - começamos a caminhar em direção à sala dela.
Quando chegamos à sala dela, comecei a me sentir pouco ansiosa. Tinha quase certeza de que ela queria falar sobre a minha mãe. E eu não queria. Ela não podia me obrigar, não era?
- Pode se sentar, Olivia. - ela tomou assento num dos sofás luxuosos pretos que haviam lá e eu obedeci, me sentando no outro.
- Então, o que você queria falar comigo?
- Eu não sei se já havia comentado, mas me foi passada uma lista de todos os alunos da escola. - eu assenti. - E alguns deles me chamaram a atenção...
- Olha, se isso é sobre a minha mãe, eu não quero falar sobre isso.
Ela assentiu:
- Entendo o quão recente e delicado é esse assunto. Mas o que me preocupa não é o luto em si, Olivia.
- Não entendi. Do que você está falando?
- A morte da sua mãe é uma raiz. Uma raiz que pode estar desencadeando outras coisas. - ela explicou e eu demorei um segundo para associar.
- Que outras coisas? Eu estou ótima. Não tenho problema nenhum, Tatiana.
- Na verdade, você poderia ter ou estar desenvolvendo e não conseguir notá-lo, devido um processo de negação. - ela continuou lançando as palavras em mim. - E isso não é culpa sua, é um processo de proteção.
- Por que você me chamou aqui? - eu já estava me irritando com todos aqueles rodeios.
- Eu venho observando o seu comportamento em alguns momentos do dia e percebo que você tem apresentando sempre padrões. - aquilo significava que ela vinha me espionando?
- Como o quê, por exemplo? - cruzei os braços.
- Você evita os períodos de refeição e quando os faz, espalha a comida pelo prato. Você não come de fato. - eu fiquei boquiaberta. Onde ela havia visto aquilo? - Você sempre está usando roupas de frio, mesmo que a temperatura não esteja tão baixa assim.
- Isso não é verdade!
- Olivia, pode me dizer como se sente sobre o seu corpo? - senti a linha dos meus olhos queimarem e a represa começar a se propagar.
Por que ela estava fazendo aquilo?
- Esses são padrões preocupantes, Olivia. Isso está afetando a sua saúde...
- Não está afetando droga nenhuma! Eu não tenho comido porque estou gorda! Estou acima do peso! Quem se sente bem com esse tanto de gordura? Você só está falando isso porque é magra e bonita! O que que tem de errado se cuidar e tentar ser magra? Me diga! - explodi e gritei mesmo. Com todo o ar que havia nos meus pulmões.
Foi assustador, porque em nenhum momento ela perdeu a compostura. Sua face continuou da mesma forma da qual quando entramos na sala:
- O problema não é tentar ser magra. O problema é que você está vendo sua imagem distorcida. Você não é e nem está gorda, Olivia. Você é até mais magra do que eu...
- Para com isso! - eu gritei com o ódio oxigenando os meus pulmões. - Por que você está fazendo isso?
- Eu quero ajudar. Quero ajudá-la a ver quem realmente é. - ela encostou a mão no meu ombro e eu a tirei de lá:
- Vai se lascar. Eu não preciso de ajuda. Não tem absolutamente nada de errado comigo. - eu disse e saí de lá.
Eu não era obrigada a ficar ouvindo alguém que se achava me falando um monte de porcaria. Primeiramente, eu não sabia porque as pessoas gostavam tanto assim de ficar me humilhando sobre o meu peso. Eu já sabia que eu era horrível, por que aquele monte de piadinhas? Eu não conseguia entender; algo não batia. E a segunda coisa, era: por que raios eu aceitara ir até lá?
Eu era uma idiota mesmo.
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EAT ME
DiversosComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...