43 - Um Chá de Remorso

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     Ele já estava comigo há alguns minutos e eu estava ainda tentando controlar meus olhos.
     Papai só continuava fazendo carinho nos meus cabelos com um olhar tão triste quanto eu vi ele ter no funeral da minha mãe:
     - Pai, você não fez nada de errado. - endossei.
     - Ruby deixou você e seu irmão para eu cuidar. - ele iniciou. - E eu falhei.
      - Não. - eu neguei com a cabeça. - Você teve êxito. - forcei meus lábios a se curvaram para ele. - Você tem um garotinho lindo e comportado demais para a idade dele; esse garotinho quer ser um astronauta. Ele é gentil e sempre tenta ajudar a todos, assim como a mamãe. - ele acabou sorrindo também. - E eu sou tão honesta e íntegra quanto o senhor, é só que eu tive um probleminha no caminho. - segurei as mãos grandes dele. - Mas eu sei que o senhor vai estar lá comigo. - ele assentiu e me abraçou de novo, mas esse abraço foi mais curto.
     - Eu vou... Vou sair para os meninos entrarem. Eles estão loucos para te ver. - ele tentava manter os olhos secos.
     - Pai, - ele se voltou a mim e eu tive medo de fazer aquela pergunta. - O Norman está aí? - ele era minha única dúvida.
     - Vou pedir para o Will e a Tonya entrarem. - ele se foi e eu fiquei com a resposta mais clara que eu poderia.
     Não tinha sido uma bomba. Era um bombadeio atrás do outro.
     Só depois de alguns segundos, refleti sobre o que ele havia dito: "Will e Tonya".
     O Will? Era uma surpresa para mim que ele estivesse ali.
     E sobre Tonya, eu não sabia nem como eu ia a encarar. Como eu ia olhar para ela depois de ter sido tão arrogante?
     Meu Deus do céu, como eu pude ser tão... condescedente?
     Mas antes que eu pudesse propor uma resposta que me justificasse ou aceitar profundamente a minha imensa falha, eles entraram:
     - Olivia! - Will ficou parado boquiaberto na porta, enquanto me observava.
     E Tonya, eu não tive tempo nem de ver seu rosto, porque a primeira coisa que ela fez, foi voar sobre mim, num abraço amoroso:
     - Graças a Deus que você acordou! Meu Deus do céu! Eu tive tanto medo!
     Como?
     Como é que ela podia ser tão agradável se eu tinha a tratado tão mal? Eu não entendia.
     Ela me largou e me encarou com um amplo sorriso:
     - Como você está?
     - Eu estou... Bem.
     - Graças a Deus. - Will participou. - Nós ficamos muito assustados, Olivia.
     - Não deve ter sido uma cena muito bonita de se ver. - considerei.
     - O que importa é que você está bem agora. - Tonya sorriu de novo.
     Tomei um momento para analisar o que ela havia dito. Será mesmo? Será que aquilo era só o que importava mesmo?
     Depois de tudo o que aconteceu, mais especificamente, tudo que eu disse, que eu fiz, que eu deixei acontecer, será que o que importava era eu no final das contas?
     - Na verdade, não. - respondi minha própria pergunta. - Não é só isso o que importa. - ambos me encararam com uma cara de dúvida.
     - Do que você está falando? - Will fez a pergunta de um milhão de dólares depois de alguns segundos.
     Como eu disse, as coisas parecisam estar funcionando com delay e agora eu via isso não só em mim, mas em todo o ambiente ao meu redor. Ou era isso ou eu estava muito drogada e estava percebendo sutilezas onde não haviam.
     - Não posso ignorar o modo como agi. As coisas que falei para você... E para o Norman. Eu agi errado. - naturalmente, eu não tinha tanta dificuldade de pedir desculpas, mas daquela vez, foi como se minhas palavras fossem próprias navalhas que passavam cortando pela minha garganta e agora eu parecia estar engasgada com o sangue, por isso as outras palavras não queriam sair. - Me desculpa, Tonya. Vocês...
     - Para, por favor. - ela estava de cabeça baixa e um pouco distante da cama, por isso eu não podia ver seu rosto. - Não quero que faça isso.
     - Me desculpar?
     - A culpa não é sua, Olivia. Você não estava em sã consciencia. Principalmente nos últimos dias. Não era você.
     - Eu não quero me esconder atrás de uma doença e justificar...
     - Olivia, você não estava bem, sério. Você nao estava normal; de uma hora para a outra, você mudava; era assustador. Se você pudesse se ver de fora, entenderia o que estou dizendo. - ela se aproximou e segurou minha mão. - E por mais que eu queira chutar a sua bunda até o pôr-do-sol, entendo perfeitamente que isso era sua condição mexendo com você. - acabei sorrindo pelo nível de bobeira do início daquela frase. - Porém agora que você já está ciente, se você me mandar embora de novo, eu quebro você.
     Eu gargalhei.
     A primeira gargalhada em um bom tempo. E foi como vivificar cada célula no meu corpo.
     - Isso se parece mais com você. - ela sorriu e se sentou na cadeira, que antes meu pai ocupava. - E você, ein?- eu estendi minha outra mão para Will e ele veio para meu outro lado, todo tímido. Como um gato escaldado.
     - Eu acho que é muita informação ainda. - ele sorriu sem graça.
     - Tudo bem. Também está sendo muita informação para mim. - era verdade.
     Eu não estava integralmente focada aos fatos; eu só estava deixando as coisas acontecerem. Eu não queria focar no fato de estar doente, ou no fato de ter magoado uma outra pessoa tão importante para mim, porque eu não sabia como reagiria. aquilo no fim das contas. Eu não havia lidado com aquilo até agora e bem, o que havia à minha frente não era uma chuva leve que açoitava o fim da tarde de inverno, fazendo o trânsito ficar complicado. O que havia à minha frente era um temporal de fim de tarde de um verão brasileiro. Intensa e demorada. A qual provocava muita destruição, caos e que você nunca tinha certeza do quanto duraria.
     - Posso fazer uma pergunta? - ele quebrou a redoma de silêncio que eu havia construído ao meu redor.
     - Claro.
     - Você já estava... Assim quando... Bem, quando...
     - Quando nós terminamos? - terminei para ele e ele assentiu.
     - Will! - Tonya o fritou com os olhos e senti um medo espontâneo de que ela o jogasse pela janela. Estávamos em um andar alto?
     - Não Tonya, tudo bem. - me arrumei melhor na cama. - Vou ter que lidar com esse tipo de pergunta mais tarde mesmo, segundo a doutora Bloom. - é, eu não tinha mais tempo para me esquivar, ou ignorar.
     Era incrível como desde a hora que eu havia acordado parecia que eu já havia vivido um dia inteiro, mas não passava de uns quarenta e cinco minutos. E era mais incrível ainda o fato de quantos estágios ocorreram nesses mesmos quarenta e cinco minutos.
     - Eu não sei ao certo quando tudo começou, Will. - fiz uma pausa. - Acho que talvez, algo estivesse se formando naquele momento, não tenho certeza.
     Ele assentiu. Apenas. Não deu mais nenhuma palavra por um momento.
     Um clima nublado se formou dentro do quarto, até ele decidir espantar as muvens:
     - Eu vou pegar um café, você quer um chocolate? - ele disse diretamente para mim.
     - Não, obrigada. Eu...
     - Ah, meu Deus do céu! - ele disse bravo consigo mesmo, percebendo o que havia dito e em seguida passou pela porta.
     Não deu nem tempo de o interromper.
     Encarei Tonya com meu olhar de não contentamento:
     - Ele está se acostumando. Todos nós ficamos um pouco mexidos.
     - E o Norman? Como ele está? - ela se remexeu na cadeira; parecia desconfortável:
     - Acho que descreveria perfeitamente se eu dissesse que eu nunca o vi tanto tempo sem sorrir. - achei que ela tentara fazer uma piada, pois sorriu no final da sentença. Mas meus olhos encheram de lágrimas e ela automaticamente se arrependeu: - Me desculpa, Olivia.
     - O rosto dele foi a última coisa que vi antes de desmaiar. - eu sorri.- Eu só conseguia pensar no quanto ele era bonito.
     - Obrigada pela parte que me toca. - mas ela também sorriu e em seguida fez um barulho de alarme. - Acho que a ficha caiu para alguém. - e cantorolou.
     - Só não sei se isso vai adiantar agora. - observei.
     - Isso minha cara, - ela me deu tapinhas nos ombros. - É algo que só cabe a você descobrir. - eu assenti, porque sabia que ela não estava dizendo nada além da verdade. - Eu preciso ir agora, ainda tem mais gente pra te ver.
     - Tem? Quem? - uma esperança desenfreada me consumiu, antes que eu pudesse evitar.
     - Tatiana.
     - Ah. - confesso que não teve ânimo algum. - Fui uma vaca com ela também.
     - Manere. Ela sabe melhor do que eu o porquê de você ter sido uma vaca. - eu sorri; não havia como. Tonya era contagiante.
     - Só tem gente aí fora com quem fui uma bundona?
     - Não, o motorista do ônibus daquele dia, não está aí.
     - Besta. - eu garagalhei de novo.
     - Você devia estar orgulhosa. Olha o tanto de pessoas que vieram te ver. - eu sabia que ela estava falando aquilo só para fazer um charme e modificar um pouco da atmosfera deprê ao meu redor.
     - Seria muito melhor se a ocasião não fosse essa. - Tonya assentiu.
     Ela caminhou até minha cama e deixou um beijo na minha testa, algo que ela nunca havia feito antes:
     - Tem certeza que está ok?
     - Não estou cem por cento, mas acho que vou ficar.
     - Preciso ir agora, mas estou com o celular. Qualquer coisa, me liga. Amanhã venho te ver. - eu assenti. - Tchau.
     - Tchau. - foi um tchau bem triste, porque eu quis que ela ficasse e continuasse sendo um poço de alegrias.
      

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