PRÓLOGO

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LUCAS

Acredito que seria mais humano se houvesse algum sinal de que aquele dia, tão comum, monótono e simples, seria um dos piores da sua vida. Você também não pensa assim? Imagine algo hipotético, mas que um dia pode ser real: você desperta de uma noite mal dormida e precisa se forçar a tomar um banho, escovar os dentes, vestir a roupa mais decente para ocasião e passar o resto do dia trabalhando naquilo que você escolheu fazer, ou foi obrigado a tal função pois tem o peso de carregar o nome Varez, para no fim do dia ser surpreendido com a noticia de que você nunca mais irá conviver com alguém que você ama.

Você não está preparado para isso, eu sei que não está. Não é como alguém que tem uma doença terminal e o médico diz que viverá 'xis' meses de uma forma paliativa e durante todo esse tempo você se prepara para o dia final, para uma despedida longa e sim... dolorosa, mas também longa e eficaz. Quando há um acidente, você simplesmente pula todo o tempo de preparação e encara apenas o final. É claro que eu não posso mensurar a dor de cada um. Talvez se você viveu todos os meses se preparando para o fim não foram suficientes e isso é presunção da minha parte... desculpa se te atingi!

Sabe... parece até poético dizer que ninguém está preparado para perder o que mais ama no mundo, mas é exatamente isso que eu senti no dia que eu perdi o meu irmão. Eu não estava pronto para não tê-lo mais ao meu lado. Crescemos próximos, eu cuidava dele com afinco, pois ele é... quer dizer... era... a minha responsabilidade. Sim, algumas escolhas equivocadas nos separaram por um tempo, mas não o suficiente para eu esquecer todo o carinho e amor que sempre tivemos. Estou lúcido em pensar que a perda é inevitável, faz parte da nossa humanidade perecível. Contudo, acreditamos que aqueles que estão mais tempo vivendo, serão os primeiros a irem, por consequência os mais novos serão os últimos a partir. Mas a injustiça está quando essa ordem natural é afetada e uma mãe precisa enterrar o filho, e o irmão mais velho precisa se despedir do caçulinha.

A dor em mim é algo quase palpável. Eu realmente sinto que posso tocar um grande tumor no meu peito e que se eu apertar ele sangrará de uma forma descontrolada. É assim que eu consigo descrever como é essa dor, esse luto. Porém, não consigo imaginar como está sendo para a minha mãe. Vejo ela sentada ali, apática, apenas olhando o filho sendo velado.

INJUSTIÇA.

Não era para ser assim!!!

Eu não consigo nem me aproximar, abraçá-la e dizer que tudo vai ficar bem, pois eu sei que não vai ficar. Não posso mentir para a minha mãe. O filho da sua maturidade foi embora, ele partiu precocemente, apenas dezenove anos passou ao nosso lado, não era para ser assim. Eu só posso olhá-la de longe, no fundo da igreja, imaginando que aquilo poderia ser um sonho, que aquele dia normal e cansativo não seria o dia que Luan sofreria um acidente de moto. Não, não foi o acidente que o matou, foi pior que isso... foi a sua escolha, foi o caminho mau, aquele mesmo caminho que os nossos pais nos ensinam a nunca percorrê-lo e as professoras na escola falam incansavelmente sobre como você necessita se negar se alguém oferecer.

Para todos os presentes, parentes e amigos próximos, o acidente foi a causa. Mas para um núcleo mais íntimo, sabíamos que não foi bem assim. Que a causa foi o alto índice de um coquitel de drogas percorrendo todo o seu corpo e fazendo o seu sistema nervoso entrar em colapso após uma adrenalina provocada com a queda da moto, em consequente sobrecarga o seu coração não aguentou e cedeu, não aceitando mais voltar a bater, quase recusando a viver. Simplesmente recusando a viver.

Respirei nervoso, sem me dar conta que eu segurava o ar enquanto presenciava a minha mãe colocar uma rosa branca no colo do filho inerte vestido com um terno escuro e uma gravata desbotada roxa, a cor da nossa família.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora