CAPÍTULO 47

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REBECCA

Em certo ponto, Francisca relata a vida dupla que passou a ter após o casamento. Conta com riquezas de detalhes, como era cruel o tratamento dos seus irmãos e que as forças para lutar estavam se esgotando. Cada página daquele livro antigo, fazia o meu coração doer, como se isso fosse realmente possível. Marcos lia as folhas soltas, tentando encaixar esse quebra-cabeça e deixando a história ainda mais perturbadora e real. Não podíamos fugir da verdade, e parte dela estava ali, totalmente exposta.

- Até onde o Lucas me contou, ninguém nunca teve a curiosidade de juntar a história escrita para a família da Francisca, com a história escrita para os Varez. Então nós somos os primeiros a ter esse contato. - Expliquei para o Marcos, assim que iniciamos as leituras.

- Devo confessar que estou com receio do que podemos descobrir.

Eu entendia o seu posicionamento, pois compartilhava do mesmo temor. Mas já tínhamos ido longe de mais para desistir, então durante algumas horas daquele dia, reconstruímos a história da vida e morte da ex escrava Francisca Varez.

"Meu amado não gostava da continuidade do meu nome, prometi que quando escrevesse sobre o nosso amor, eu não colocaria o "de" na frente do Varez, como era desde o meu nascimento. Ele dizia que eu era uma senhora e não uma propriedade, e que não aceitaria que o meu nome continuasse como uma posse. Todos os escravos que nasciam ou eram comprados para a fazenda, recebiam o nome dos seus senhores, com o "de" na frente indicando que os negros eram dessa família.

Quando nasci fui agraciada com o nome Francisca de Varez.

Francisca homenageava a minha ancestral, que lutou bravamente pela vida do filho. Reza a lenda que o seu menino mais velho, chamado Bomani de Varez, já nasceu com um espírito de guerreiro. Cresceu mais do que os demais e a sua força era notada pelos senhores feudais vizinhos à terra Ametista. Ele não se curvava perante as ordens desde a sua mocidade e foi lhe dito que não atingiria a fase adulta se assim continuasse.

Bomani passou a reunir irmãos que não se subordinavam mais à violência dos senhores. Em dado momento, arrancou o chicote da mão de um branco, onde a sua morte foi marcada a partir daquele dia. Antes que ele pudesse fugir, tentando levar consigo a mãe e as irmãs, o branco o encurralou e o levou para a frente da casa grande.

Nascemos e morremos ouvindo essa história, pois era a nossa força e motivação. Quando Bomani foi amarrado como um animal selvagem, reuniu-se senhores ao redor, achando prudente uma recreação com o ocorrido. O senhor Varez da época, brandou aos seus o chamamento: aquele que capturar o escravo, será de sua mais legítima posse. Os negros que tentaram salvá-lo, foram amarrados uns aos outros e enjaulados. A recreação iniciou com o nascer do sol e só finalizou com a escuridão, ninguém imaginava que fim aquela história traria.

Bomani foi ferido, para o seu corpo avantajado de força não ferir um branco. Suas pernas foram dilaceradas, para a fuga não sair da propriedade da fazenda Ametista. Após a tortura, assistida por todos os trinta senhores que participariam da caçada, o escravo foi solto e correu para a floresta.

Mãe Preta conta que as senhoras brancas fizeram apostas entre si, dizendo qual homem seria o capaz de acorrentar o negro mais forte. Mas ninguém podia imaginar que a força de uma mãe seria maior do que a de trinta homens juntos.

Sinalizando o início da caçada, os homens se perderam a vista atrás do escravo. Bomani deixava uma trilha de sangue por onde passava e sabendo que isso seria a sua morte, prendeu folhas de árvores no sangue e tentou a todo custo não deixá-lo mais pingar. Ele subiu na mais densa árvore e tentou se esconder até as suas forças serem recuperadas.

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