REBECCA
A necessidade de fazer xixi a cada hora estava em discordância com a minha vontade de passar a tarde inteira deitada na cama. Marcos saiu do quarto dizendo que me deixaria descansar após o almoço, que isso me faria bem. Mas logo em seguida eu despertei com a vontade incontrolável de correr até o banheiro. O peso da bebê apertava a minha bexiga e nos últimos dias, ela tinha crescido de uma maneira assustadora.
Mas eu acredito que fiz bem em levantar, até agradeci por isso, já que quando eu estava lavando as mãos, pude testemunhar uma conversa estranha. A voz vinha do quarto vizinho, onde o Marcos estava hospedado. Ele falava no celular, provavelmente estava deitado na cama, que fazia divisa com a parede do meu banheiro. A parede antiga e fina da sede podia transmitir a mensagem quase que perfeita, entre o psicólogo e essa pessoa misteriosa. Pensei em ignorar, dar privacidade, era o correto a fazer. Contudo, enquanto eu enxugava as minhas mãos, ouvi o meu nome.
Fechei a tampa do vaso e sentei, tirei a minha escova de dente do copo de vidro e coloquei na parede, posicionando o meu ouvido direito para tentar compreender melhor onde eu entrava naquela história que o Marcos narrava sem nenhuma vontade.
- (...) sim, eu sei. É. Sim. Eu entendo a senhora, mas é como eu já disse antes. Sim, eu sei que está preocupada. Mas a Rebecca está bem, ela levantou da cama e almoçou. Está descansando agora. (...) claro, eu compreendo. Entretanto, eu sou o psicólogo da Rebecca e não posso passar essa informação. Sim, eu entendo minha senhora, mas ela é a minha paciente e tenho um código de ética para respeitar. (...) não, eu não estou prejudicando-a. Ela está bem. Sim, eu me responsabilizo pelos meus atos, claro que sim. (...) a senhora precisa entender que o luto, a depressão, a ansiedade e a abstinência de drogas é como um coquetel para o azar, precisamos ter paciência com a evolução dela. (...) ela está evoluindo bem. O esperado na situação dela. Rebecca está se fortalecendo e compreende melhor as escolhas que ela fez. Sim, ela já entende que estava prejudicando a filha. Não, eu acredito que não. (...) sim, já trabalhei com dependentes e vejo que a Rebecca possui uma diferença tão acentuada que me leva a crer que o diagnóstico inicial pode ter sido equivocado.
Marcos parou de falar por um bom tempo, comecei a movimentar o copo, achando que ele podia até ter saído do quarto, mas logo ouvi a cama dele fazer barulhinho, parecia que ele tinha levantado e que voltou a sentar.
- Estou com o diário dela em mãos. Não posso dar informações que a senhora deseja, mas te garanto que a abordagem com a Rebecca está sendo feita da melhor maneira possível. (...) Dona Rosa, está na hora da senhora me ouvir...
Tampei a boca com a notícia, não queria fazer barulho e ele perceber que eu era enxerida ao ponto de ouvir conversa pela parede. A voz dele estava mais grossa, talvez ele estivesse nervoso ou tentando se conter.
- Eu entendo que a Rebecca era usuária juntamente com o seu filho e até acredito que de início imediato ela sentiu a necessidade do vício, porém com o passar dos dias e com a experiência que eu tenho, acredito que o que a Rebecca está vivendo é a depressão pelo luto. (...) claro, posso explicar sim. Eu trabalhei por muitos anos com dependentes de diversas idades, classes sociais, etnias e tempo direto de vício. O que eles tinham em comum era a necessidade recorrente de buscar a droga, custe o que custar. Mesmo alguns compreendendo o mal que era causado à sua vida, eles emocionalmente viviam uma abstinência terrível. A luta era dolorida e os feria, até mesmo de forma física. Tive paciente que se feriu gravemente por não ter o vício ao seu alcance. Então eu posso afirmar que a Rebecca não estava em uma dependência tão nociva quando imaginávamos.
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1. Curando Feridas ✔️
Random"Rebecca entrou na minha vida em uma noite de tempestade. Na primeira vez que eu a vi, eu sabia que ela me marcaria por toda a eternidade. Foi através dela que o meu irmão, o meu melhor amigo, conheceu o mundo mais sombrio e solitário que existe: as...