CAPÍTULO 30

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REBECCA

Eu pediria, quase implorando, para ele não acabar com a própria vida se casando com a Thaís. Mas descontrolei, ao ponto de dizer para ele não casar como se fosse uma ordem ou uma ameaça. A minha sorte foi ele não ter rebatido, Lucas parecia aceitar a imposição e concordar com isso.

Voltei à poltrona e puxei a manta de volta ao lugar. Estava envergonhada e não pretendia olhar para ele tão cedo. Quando eu notei que a minha voz estava normalizando, resolvi tentar justificar.

- Eu posso falar todos os motivos que não seria bom você se casar com a Thaís. - Disse encarando o chão.

- Não precisa.

- Como não? Eu peço para você não se casar com ela e você vai acatar sem questionar? - Aquilo estava estranho, Lucas era estranho.

- Você não pediu, foi mais uma ordem. Mas tudo bem. O que você "pedir" eu farei, não preciso de motivos. - Olhei a tempo de vê-lo fazer as aspas com os dedos e sorrir na minha direção.

Lucas era a pessoa mais diferente que eu já conheci na vida. Não havia maldade no seu olhar, ele não transmitia energias ruins, longe disso, ficar ao seu lado era sentir uma paz que nunca vivi antes.

- Rebecca, quero explicar toda a situação, não quero deixar lacunas. - Lucas chamou a minha atenção. - Você gosta de história?

Abri um enorme sorriso.

- A história é como uma "cura" para os meus problemas. - Desabafei, sendo completamente sincera. Ler era como despertar esperança para o meu próprio destino.

- Então você vai gostar dessa história, ou não...

"Após o casamento da Ametista com o nosso patriarca Afonso, precisou ser criado um conselho familiar. Afonso não tinha nenhum familiar próximo, e sabemos bem o motivo, mas Ametista tinha irmãs, e estas se casaram com portugueses honrados e decidiram construir um verdadeiro império com os Varez. A nossa família foi abençoada e isso era notório através das nossas finanças. Com o crescimento dos Varez, houve a necessidade de uma melhor distribuição dos nossos recursos. Então ficou estabelecido que o herdeiro primogênito de linha direta, ou sendo uma mulher, o marido lhe representando, seria o senhor Varez, o responsável pelo garimpo, que é até hoje o nosso maior ganho. A esposa desse homem, sendo uma Varez sanguínea ou não, cuidaria da sede da fazenda, sendo responsável pelos criados e pela estruturação da família, a criação dos filhos e a segurança que a nossa família não findaria.

Os demais Varez, descendentes dos homens e mulheres nascidos dos demais parentes, seriam compostos pelo Conselho familiar e responsáveis pela colheita, a parte leste da fazenda, onde cultiva soja, algodão, e hoje em dia a criação de gado. É uma parte riquíssima, porém não é a mais importante para a nossa família.

Hoje eu sou o Varez responsável pelo garimpo e graças a isso, eu e os meus pais, vivemos com a maior parte dos lucros do garimpo, sendo entregue apenas uma pequena parte para o conselho da família que repassa para os demais herdeiros Varez. Esse conselho é composto por vinte e sete membros, que mantém a ordem e a cultura dos nossos antepassados. Além deles, temos três conselheiros, que são os representantes destes.

Esses três conselheiros são as figuras mais importantes da nossa família, é claro... após o Senhor Varez. Eles ditam as regras que todos os familiares seguirão e geralmente não são contrariados. O meu pai, se não houvesse o acidente, seria um conselheiro. Como não será possível, a minha mãe tomará o seu lugar em poucos anos".

Lucas suspirou alto e o seu semblante mudou. Ele ficou mais firme ou talvez entristecido. Pensei em perguntar o motivo, mas não foi necessário.

- Rebecca, a parte seguinte que contarei, é muito pessoal. Mas eu quero dizer tudo, não quero que tenhamos segredos. - Ele levantou da poltrona e aproximou da sacada, eu não consegui acompanhá-lo, só de imaginar eu chegando perto do parapeito daquele andar, me deixava tonta. - Esses três conselheiros, descobriram que eu não darei um herdeiro direto. Eu não sei se houve um vazamento de informação médica, se foi uma pessoa que eu confiava a minha vida, o Ezequiel, ou se foi a minha própria mãe como uma espécie de me manipulação, seja como for, eles descobriram.

- Eu não entendi, como assim você não dará um herdeiro direto? Você já disse que vai criar a minha filha para ser a Senhora Varez, mas isso mudará quando você tiver um filho, certo?

A pergunta era óbvia e direta. Thaís já tinha mencionado algo parecido.

Lucas continuava de costas para mim, com os braços segurando a grade da sacada.

- Não, Rebecca. Eu não terei um filho.

- Mas como... - Tentei questionar.

Lucas soltou a grade e se aproximou, ajoelhou na minha frente enquanto tentava ser mais claro.

- Eu não posso ter filhos, eu sou estéril. - Ele disse pausadamente, sem dar nenhuma chance para má interpretação. Ele pousou a mão na minha barriga e fez carinho enquanto continuava: - Criarei essa menina para ser a minha herdeira, mesmo não sendo minha filha.

- Eu não sei o que dizer. - Falei sussurrando, ainda engasgada com tanta informação.

- Não precisa dizer nada, eu já acostumei com essa ideia. Mas vamos continuar a nossa história. - Lucas voltou a sentar na poltrona ao lado. - Fazemos uma reunião anual, geralmente para discutir com os três conselheiros alguma burocracia. É uma espécie de confraternização, onde grande parte da família vai até a Fazenda Ametista e falamos sobre o passado. A notícia que eu não darei um herdeiro direto cairia como uma bomba na nossa família. Como só os três conselheiros souberam, a minha mãe conseguiu um acordo com eles. A Thaís é filha de um importante político do estado, e como um dos conselheiros quer entrar nesse mundo da política, concordou em apresentar a filha do Luan como a minha filha à família e assim continuar a linhagem direta.

- Então você não terá outra escolha a não ser se casar com a Thaís e fingir que esse bebê é filha de vocês? - Perguntei, sentindo medo da resposta.

- Eu não farei nada disso, Rebecca. Mas essa minha recusa significa que eu serei destituído do cargo de administrador e que as nossas finanças diminuirá consideravelmente. Um tempo atrás eu ficaria até feliz com isso, pois eu queria seguir outro caminho.

- Qual caminho?

- Eu queria ser médico. Passei no vestibular, mas não pude cursar. O meu pai se acidentou na mesma época e eu precisei assumir as suas responsabilidades.

- Lucas, olha... - Segurei a sua mão e olhei diretamente para os seus olhos, eu queria confortá-lo, como em tantos outros momentos ele fez comigo. - Faça aquilo que vai te proporcionar a felicidade. Eu amo a história da sua família e respeito muito a cultura de vocês, mas não viva com todo esse fardo. Você não precisa cuidar de tudo e de todos. Deixe que outra pessoa faça isso. Vá atrás dos seus sonhos.

- Rebecca, eu já tenho quase trinta anos. Se eu fizer o que você está sugerindo, passarei quase dez anos estudando e me preparando para ser médico, é muito tempo.

- Não pense dessa forma. Só imagina que você viverá o seu maior sonho daqui poucos anos. Você mesmo disse que não há porque não ter aquilo que se deseja para sempre contigo. Então tenha isso, Lucas. Permita-se a ter aquilo que você sonha.

- Há implicações esse meu sonho. Se eu fizer isso, quem entrará no meu lugar é um primo e o filho dele será o próximo Senhor Varez, isso retiraria a herança direta da sua filha.

- E o que tem de tão extraordinário nisso? Poder? Mais dinheiro? Qual o motivo de viver encoberto por responsabilidades? E se ela não quiser isso?

- E se ela quiser? E se ela quiser ser a primeira Senhora Varez que cuidará do garimpo? Eu estaria tirando esse destino dela. Não é justo com ela. - Ele rebateu, muito seguro do que dizia.

- Você já pensou muito sobre isso, não é mesmo?

- Para ser sincero, penso nisso todos os dias.

Lucas soltou a minha mão e recolheu as xícaras vazias, me deixando sozinha na sacada do quarto. Eu não sabia como aconselhá-lo naquela situação, pois não importa o que eu falasse, ele sempre pesaria a sua cultura familiar e talvez esta sobressairia.

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Olá meus queridos, tudo bom?

Só mais esse hoje tá rsrs
Amanhã teremos mais.
Estão gostando?

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora