CAPÍTULO 37

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REBECCA

Foquei no seu olhar enquanto ele continuava mais uma história da sua família. Era especial aquele momento, como se o tempo pudesse parar. Senti vontade de abraçá-lo, tê-lo ainda mais perto, mas a curiosidade de saber o final da história da Hermélia e Kassiano, fez o meu corpo paralisar até a conclusão.

Lucas estava se divertindo com a minha curiosidade e não escondia isso. Traçava com a ponta dos dedos o meu rosto e depositava beijos rápidos na minha boca, enquanto eu ainda estava deitada no seu colo e com o "rosto fechado" para ele compreender que precisava focar na história.

- Imagino ela bravinha como você. - Ele respondeu o enigma silencioso. Bati novamente no seu braço. - A senhora que manda, vamos lá...

Hermélia não compreendia o que estava sentindo, mas não era o momento de responder nada, nem de se apegar na fagulha da esperança de finalmente poder viver aquele amor tão proibido. A história conta que ela se calou durante o voo, e quando chegou em São Paulo, queria a todo custo se ver livre do primo.

"Não preciso de você a partir daqui. Muito obrigada por sua ajuda, mas agora eu tomo conta da situação."

Ela não esperou Kassiano responder nada, apenas andou completamente sem rumo, perguntando para os pedestres qualquer informação que ele não conseguiu ouvir. Mas ele cumpriu o que prometeu, não a deixou, mesmo quando ela o empurrou e ele caiu em uma poça de água, ou quando o tempo fechou a chuva tomou conta de toda a avenida e ele mal a via ao seu lado. Ele continuou andando, mas diferente de Hermélia, ele tinha um rumo... o seu rumo era finalmente tê-la.

Em dado momento, Hermélia chegou a uma rodoviária e se sentou no chão após pedir mais alguma informação de uma companhia de ônibus. Que chão sujo, molhado, com um cheiro que impregnava a pele. Mesmo com todos esses infortúnios e querendo muito, que a amada lhe contasse o que estava acontecendo para querer ajudá-la, Kassiano se viu entregue a situação e também sentou ao seu lado.

Hermélia deitou a cabeça no ombro do seu primo e deixou que todo o cansaço e a preocupação transparecesse. E mesmo querendo que ela não sentisse aquela dor do desconhecido, Kassiano não a forçou com palavras, apenas a confortou com um abraço e esperou o tempo dela, como, talvez, ela também esperasse o tempo dele quase quinze anos depois.

Quando ela adormeceu e a noite caiu, Kassiano sabia que aquele lugar era perigoso, e acompanhando as notícias da época, sabia também que uma grande manifestação estava sendo formada e certamente era isso que ela estava esperando. Ele chegou a conclusão que ela esperava algum colega chegar de ônibus, para juntos, irem na manifestação. Os pensamentos começaram a ganhar forma na cabeça do homem, ao ponto dele querer simplesmente afastá-la de qualquer perigo. Então, aproveitando o cansaço tremendo que Hermélia passava, a carregou para o outro lado da rua, que tinha um famoso cortiço, apenas para passar a noite.

Hermélia notou o movimento, mas quando o cansaço era a base de qualquer pensamento, não haveria forçar para lutar contra. Ainda mais quando sentiu o seu corpo sendo depositado em uma cama macia. Sabia que Pedro chegaria apenas no fim do próximo dia, então teve o luxo de se deixar descansar.

Kassiano a amava, mas a havia feito sofrer. Será que ela pensou nele durante os últimos anos? Será que algum momento ela pensou no amor que eles poderiam ter vivido se o destino não tivesse sido tão cruel? Ele pensava, e repensava, durante toda a noite, que se Hemélia não tivesse ido para Cuiabá passar aqueles dois meses, ou se ele tivesse tido coragem para acompanha-la nas manifestações, talvez eles teriam entendido que se amavam antes, antes dele se envolver com Ana e traçar os últimos quinze anos da sua vida.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora