CAPÍTULO 61

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REBECCA

Limpei o suor da testa com o dorso da mão e puxei o pé esquerdo mais uma vez, tentei alcançar... frustração! Quase caí. O dia estava horrivelmente quente, quase pegando fogo. A sensação térmica beirava os quarenta e cinco graus (normal para cidades do Mato Grosso). Senti uma raiva crescer dentro de mim, sentei na cadeira almofadada da varanda, bufando com a tentativa frustrada de amarrar o tênis.

- Oi Becca, a tia Carminda pediu para eu ficar aqui contigo! - Disse Maya, abrindo o portão de cerca baixa.

A minha salvadora, a luz no fim do túnel, exatamente a pessoa que eu precisava para a missão atentada. Abri um largo sorriso e estendi os braços, Maya correu ao meu encontro e me deu um beijinho no rosto.

- O tio deixou eu aqui. Sua mãe foi com a tia no mercado, reclamando que a comida já acabou. - Maya sentou no chão e amarrou o meu tênis sem eu precisar pedir.

No último mês eu percebi que as pessoas ao meu redor estavam acostumadas a amarrar meus sapatos, pegar objetos que eu deixei cair e fazer qualquer outra ação no meu lugar, apenas para eu não me abaixar. Por algum motivo a minha barriga estava monstruosa com oito meses. Estava evitando olhar no espelho, mesmo o Lucas deixando bem claro o quanto eu estava linda esperando neném. Contudo, a cada dia eu sentia mais dificuldade em fazer ações simples. Como exemplo: sentar em uma cadeira sem ter que me jogar de costas nela!

- Foi bom ele ter te deixado aqui. Ele achou a minha mãe na plantação?

- Achamos sim. A tia Cida estava colhendo margaridas para alegrar a sua casa. Acho que vão demorar na cidade.

- É exatamente com isso que estamos contando.

Maya levantou o rostinho tímido na minha direção, mas a minha expressão lhe alcançou e ela logo entendeu o recado.

- Se o tio Lucas descobrir o que estamos aprontando... - Ela começou a dizer.

- Ele nunca vai saber. Temos que ir rápido! - Estiquei o braço direito e esperei ela me ajudar a levantar. - Meu Deus, eu estou andando como uma pata.

- A senhora está linda Becca. Mas eu estou com medo de ir lá hoje, não achamos nada da última vez e eu fiquei com medo do tio Lucas descobrir. E se ele me expulsar da fazenda? - A menina começou a comer unha e me seguir.

Eu abri a cerquinha da casa e prendi a correia, praticamente correndo para alcançar a trilha com sombra ao nosso destino. Não era um bom horário para andar pela fazenda, o sol estava rachando, mas era o momento que eu tinha para continuar a minha busca.

- Ele não vai descobrir, está em um simulado agora. Então temos cerca de duas horas para achar as folhas e voltar a tempo da sua ligação. - Lucas me ligava todos os dias no mesmo horário, ele tinha comprado um celular, que só funcionava nas imediações da casa. Então eu deixei o celular na cozinha, para não perder o sinal, e precisava correr para cumprir a minha missão e voltar a tempo da ligação. Assim ele nunca saberia o que eu estava aprontando.

A minha mãe estava morando comigo no último mês, disse que ficaria até depois que a bebê nascer, para me ajudar nos primeiros cuidados. Ela só voltaria a morar com o meu pai e os meus irmãos assim que eu conseguisse cuidar da bebê sozinha. Estava sendo bom ter ela por perto. O ditado que diz que não há nada melhor que colo de mãe é totalmente verdadeiro. Sentia amparo no seu colo, no seu carinho, no seu cuidado. Era uma companhia para tantos dias solitários sem o Lucas.

Ele estava estudando para o vestibular, cuidando do pai em Cuiabá e transferindo a liderança da família para o seu primo João Varez. Durante a semana ele precisava ficar na capital, nos limitando a ficar juntos apenas no sábado de noite e domingo até a tarde. Eu sentia muita falta dele, mas não queria dizer. Eu conheço o Lucas tempo o suficiente para saber que se eu falasse o quanto essa distância estava me entristecendo, ele poderia largar os estudos só para ficar aqui comigo, e eu não queria viver com essa consciência pesada.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora