CAPÍTULO 20

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LUCAS

Eu conhecia cada ponto daquela estrada, mas de noite e na chuva, era como se eu entrasse em um terreno minado. Não enxergava quase nada na minha frente e fiz menção de parar no acostamento.

Mas sabia que esse ponto da BR, era perigosíssimo estacionar em qualquer curva mesmo com sinalização. Então eu mantive a estabilidade do carro, segurei firme no volante e pedi para a Rebecca continuar conversando.

A menina estava alegre no telefone, contando os casos da Diana e como ela foi capaz de fazer absurdos até mesmo para o nosso tempo. Eu me perdi em suas palavras. Sentia uma onda de orgulho quando ouvia as histórias da minha família e diversas vezes me peguei rindo dos contos. A viagem tornou-se tranquila, até aquele maldito ponto onde a torre acabava e a ligação finalizou. Rebecca estava ciente que ficaríamos sem comunicação por um tempo, mas eu disse que eram apenas alguns poucos minutos.

Esses minutos se arrastaram, a chuva ficou mais intensa e a viagem se estendeu em completo silêncio. Conseguia imaginar a frustração dela, ligando diversas vezes, preocupada, com a esperança que eu atenderia. Mas não havia nenhum sinal, a única coisa que eu poderia fazer era dirigir em segurança até a fazenda.

Senti um cansaço absurdo, não era apenas sono, era uma fraqueza de passar mais de três horas me concentrando naquela estrada perigosa. Todo o momento questionei a minha sanidade em sair de Cuiabá apenas por ela ter pedido. Mas a realidade era que eu não queria lidar com as consequências da minha recusa. Eu não compreendia a Rebecca, nem a situação que ela vivia, mas sabia que ela era capaz de qualquer coisa para tirar a dor de si e isso me assustava.

Não imaginava como seria a minha vida ou se eu ainda teria uma vida se caso o meu sobrinho morresse.

Foi como se eu segurasse a respiração durante todas aquelas horas que eu deixei a fazenda. Apenas quando virei na trilha para a Ametista e entrei pela portaria, pude respirar novamente. A chuva estava intensa, mas não havia trovão. O sol estava nascendo, clareando as árvores ao redor. Parei a camionete na frente da entrada principal, desci apressado, juntando a mala do banco de trás. Corri pela escada e me abriguei no portal da sede. Retirei a chave do bolso e abri a casa, só foi o tempo da mala escorregar para o chão e eu a segurar.

Rebecca estava trêmula, provavelmente em decorrência do medo da chuva. Ela estava com o corpo quente mesmo com a roupa de algodão comprida. Puxei ela do chão, enterrando o meu rosto nos seus cabelos negros. Os seus braços rodearam o meu pescoço, retirando todo o espaço entre nós.

Ponderei sobre pedir desculpas pelas minhas palavras, não queria que ela entendesse que os seus atos foram normais ou até aceitáveis. Então me contentei com o silêncio, pelo menos naquele momento. Eu necessitava descansar o meu corpo, antes da nossa conversa que provavelmente seria longa e dolorosa. O ambiente estava escuro e a chuva se intensificou ainda mais.

Rebecca voltou ao chão e quase como uma concordância silenciosa decidimos descansar.

A prudência me incentivava a ir até o meu quarto, mas a insanidade me levou até o seu. Essa relação não era algo que pessoas de fora conseguiriam compreender. Contudo, eu estava exausto para lutar contra isso.

As horas que passei longe da Rebecca foram o suficiente para eu compreender que eu estava entregue aquela situação e que poderia a qualquer momento virar um sentimento. Não pensei em mais nada, não deixei a minha mente se perder, apenas fechei os olhos deitando ao seu lado, coloquei travesseiros entre nós como uma forma de respeito e repousei a mão na sua barriga, sentindo pequenos movimentos do bebê que eu já amava mais do que a minha própria vida.

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