CAPÍTULO 17

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LUCAS

Ás vezes a realidade pode ser pior do que qualquer pesadelo. Pois não importa o quanto esse sonho lhe cause medo, quando você acordar isso passará e depois de alguns minutos, com muita sorte, você nem se lembrará.

Os sonhos com o Luan eram frequentes e eu sabia que a Rebecca também sofria do mesmo mal. Como se houvesse um acordo silencioso, noite eu acordava transpirando em pânico, noite era a vez dela. Não conversávamos sobre isso, acredito que não era necessário.

Rebecca recuperou a sua privacidade e eu a deixei dormir com a porta fechada. Comecei a acreditar que as crises passaram e que ela não teria nenhuma recaída. Foi um grave erro, que poderia custar aquilo que eu mais zelava no momento: a vida do meu sobrinho.

Cuidar de uma pessoa que viveu uma perda tão grave, somado ao fato dela estar grávida, ser dependente química e mergulhar na depressão, era desesperador. Viver cada dia como único, chegando no final da noite e sendo grato por nada de ruim ter acontecido, era perturbador. Mas eu entendia o quanto era necessário eu estar nessa situação e não a minha mãe. Não conseguia imaginar ela cuidando da Rebecca e lidando com todos os momentos.

Um dia essa rotina seria apenas uma memória antiga, mas por enquanto eu necessitava manter a ordem dessa casa. Isso estava custando a minha sanidade e por vezes eu não me reconhecia. Penso que com o tempo eu poderia apagar da memória os piores dias que eu vivi naquela fazenda com a Rebecca, ou pelo menos eu torço para isso.

Não a considerava uma vilã, não atribuía toda a culpa das escolhas erradas que o meu irmão se posicionou a ela. Mas esse era o meu lado racional. Em momentos excepcionais a razão era deixada de lado e a emoção tomava conta de cada parte do meu corpo, me fazendo a culpá-la por situações que ela não tinha nenhuma culpa.

Vivemos alguns momentos tranquilos. Voltamos a sentar naquele lugar sagrado para a minha família e conversar sobre a história da Ametista algumas vezes. Chegamos a nos aproximar, quase como uma amizade. As terapias estavam tendo o sucesso desejado e o método de falar sobre o passado, que o psicólogo trabalhava, fazia bem a ela. Cogitei a voltar ao trabalho no escritório da fazenda, me atualizar do que estava acontecendo com as finanças e os contratos que conseguimos ter êxito. Contudo, aquela noite foi o suficiente para eu entender uma das primeiras regras de cuidar de uma pessoa como a Rebecca: não confiar nela.

Foi graças a um pesadelo com o Luan que eu consegui acordar no meio da noite. Como todos os outros sonhos, eu tentava de tudo evitar a sua morte, mas ele sempre morria nos meus braços. Não importa o que eu fizesse, a quem eu recorresse, o final era sempre o mesmo. Acordei assustado, com o corpo e rosto molhado e demorou alguns segundos para eu entender que era apenas mais um sonho.

Tomei um banho gelado, tentando me refrescar. Abri a janela para a brisa entrar, ainda estava de noite. Resolvi ir até a cozinha, pegar uma água ou um suco. Mas assim que eu abri a porta, vi que a porta do quarto da Rebecca estava totalmente aberta. Espiei, tentando enxergar se a menina estava dormindo, mas a cama estava vazia. Tentei manter a calma e me concentrar na realidade, não pensando absurdos, na certa ela estava com sede e foi até a cozinha também. Ignorei o fato da garrafa que ficava no criado-mudo estar cheia.

Não precisei chegar tão próximo da cozinha para notar que ela não estava lá, ouvi um barulho alto vindo do meu escritório, seguido de uma risada histérica. Entrei no cômodo ligando a luz e vendo Rebecca puxando alguns livros da prateleira e jogando no chão ao seu bel prazer. Era nítido a sua embriaguez.

Uma garrafa vazia de whisky dividia espaço na minha mesa com a papelada.

Poderia relevar dessa vez. Talvez até entender o lado dela. Na certa ela se embriagou para suavizar alguma dor. Mas naquele dia, naquele exato dia, eu não estava disposto a esquecer esse seu ato.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora