CAPÍTULO 53

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LUCAS

Eu abri a boca e fechei, sem saber o que dizer. Acho que a minha expressão entregou o choque que eu fiquei.

- Desculpa. - Sussurrei, sem saber como agir nessa situação.

- Não precisa se desculpar, você não sabia. Vamos então começar. - O psicólogo ajeitou a postura e segurou o primeiro copinho cheio de guaraná nas mãos. - Hoje é um dia muito difícil e ruim, simplesmente ruim. Hoje o meu filho faria sete anos. Mas só comemoramos juntos os seus dois primeiros aniversários. Eu tentei ligar para a mãe dele essa manhã, mas ela ignorou as minhas ligações. Eu tentei colocar em prática o que diariamente eu faço quando sinto essa dor, mas em um dia especial como esse eu não consigo fazer quase nada. Me obrigo a trabalhar, a tentar fazer alguma atividade normal, como ir no banco ou ver um telejornal. Mas tudo isso parece tão distante e sem nenhuma lógica, que eu logo desisto. - Marcos levantou o copo e depois virou em um gole.

- Como você consegue falar sobre o seu filho de uma forma tão natural? - Questionei, sem conseguir entender de onde vinha tanta força.

- O tempo é a principal resposta. Mas não é natural. Aquela dor ainda mora aqui, está intacta. Agora é a sua vez.

Segurei o copinho tremendo, uma parte do líquido caiu na mesa, então eu afastei a minha mão e coloquei no colo. Esperei a minha voz acalmar e eu conseguir dizer. Eu não sei como pude me abrir daquela forma tão intensa, mas ali eu senti a segurança necessária para falar sobre o meu irmão pela primeira vez.

- Eu sinto a falta do meu irmão todos os dias. Não éramos próximos no fim da sua vida, na verdade foi o momento que mais nos afastamos, ele só me procurava quando precisava de ajuda. Mas... - Respirei fundo, olhei para o copinho na minha frente e precisei de um momento. - Mas ele era o meu irmãozinho. Eu tinha quase dez anos quando ele nasceu e dizia que ele era o meu bebê. Eu dormia no tapete no chão do quarto, do lado do berço, só para não ficar longe dele. - Dei uma risada entristecida. - Eu amava o meu irmão.

Bebi o guaraná gelado, como se fosse a bebida mais amarga do mundo. Pensei que teríamos um tempo para respirar, mas o Marcos logo emendou a segunda dose.

- Eu não consegui ajudar a Talita, a mãe do meu filho. Na época éramos namorados e quando o Benício morreu, eu simplesmente fui embora. Eu tinha acabado de me formar em psicologia e consegui um estágio em uma clínica de reabilitação após um seletivo. Mas é tão diferente falar para uma pessoa o que ela deve fazer, como passar pelo luto, pela depressão, pelo vício... o duro é estar na pele dessa pessoa e ter que ouvir alguém dizer isso para você como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Eu abandonei a Talita, pois eu não conseguia cuidar nem de mim mesmo, quem dirá de uma mãe que perdeu o filho. Ela não me perdoa até hoje, mesmo depois de cinco anos e de eu ter tentado me aproximar diversas vezes. Hoje ela é casada, está grávida do terceiro filho e eu só sei disso porque tenho contato com a irmã mais nova dela. Então, eu não consegui ajudar nem quem estava mais próximo, quem dirá os meus pacientes na época.

Marcos bebeu o outro copinho em um gole. Eu entendi onde aquela brincadeirinha estava chegando, e por algum motivo estava fazendo bem colocar para fora tudo isso.

- Quando o nosso pai acidentou e eu precisei cuidar da família, percebi que o Luan estava se distanciando. Ele passou a ter atitudes reprováveis. Não ia para aula, reprovou em algumas matérias na escola, virava a noite nas ruas. Chegou até viajar sem o nosso consentimento. Ele começou a dar tanta dor de cabeça para a nossa mãe, tanta preocupação. Quando tentávamos dialogar ele simplesmente levantava e saía de perto, não tentava melhorar ou ajudar em casa. Com o passar dos anos eu torcia para ele não estar em casa quando eu visitava os meus pais. Queria evitar ter mais problemas, então eu não me aproximava dele. Com o tempo ele só me procurava para assuntos sérios, como uma prisão por vandalismo, uma briga em um show ou quando ele queria mais dinheiro. Sendo sincero, cheguei imaginar diversas vezes uma vida sem ele, como seria mais tranquila e talvez feliz. Eu recusava ajudá-lo, pois estava cansado. Mas quando você acha que não pode piorar, daí sim vem a verdadeira tempestade. Ele começou a se drogar.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora