CAPÍTULO 66

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REBECCA

De braços abertos, com as mãos levantadas para o alto, sentindo o suor escorrendo pelo meu rosto, misturando com o líquido salgado que saem dos meus olhos e caem no abismo embaixo dos meus pés, sinto a angústia por não tocar o solo, por não ter aquela segurança. É como um pássaro que não aprendeu a voar, mas que despencou cedo demais daquela árvore centenária.

Todas as tentativas de pedir para a Thaís me soltar, era em vão. Ela me olhava em desespero, com a boca aberta, olhos arregalados e o corpo inteiro avermelhado. Conseguia ver através da sua pele branca, uma veia tão pulsante no seu braço, como se fosse romper a qualquer momento. Poucos segundos depois de ouvir aquele clique tão estranho, ela constatou que o seu braço não estava quebrado, segundo as suas próprias palavras: o ombro apenas saiu do lugar.

Comecei a me mexer em profundo temor. Não queria que ela sofresse dessa forma. Mas ela apertou as unhas nos meus braços estendidos para cima, e gritou na minha direção que se eu continuasse tentando me soltar, ela pularia junto comigo.

Paralisei.

O medo de morrer não era nada comparado com o medo de levar mais uma vida comigo.

Tentei ficar em silêncio, imóvel, apenas para ajudar. Não queria ser um fardo além do que já sou. Sinto o temor percorrer cada pequeno pedaço da minha alma, mas não quero externar os pensamentos mais angustiantes que passam na minha mente. Não quero imaginar que aquele beijo rápido que o Lucas me deu antes de ir para a reunião com o seu primo, seria o último. Ou que o sorriso da minha mãe que eu vi distante conversando com a Inês, também seria o último.

Lembro que deixei uma roupinha nova da minha filha na minha cama. Não deu tempo de guardar na cômoda, pois ela tinha acabado de ganhar tal presente. Era um vestidinho verde de crochê. Um funcionário, que trabalha na colheita, passou essa manhã na cabana apenas para entregar a sacolinha branca com a roupinha embrulhada. A sua mãe tinha feito com todo o carinho para a futura Varez.

- Maya, você vai conseguir. Só faça o que eu estou mandando. - Thaís afirmou, enquanto a criança continuava chorando apavorada. - A chave da camionete está no banco, você vai dirigir até a sede e chamar o Lucas. É só seguir a trilha principal, avisa que estamos no garimpo em perigo. VAI LOGO MAYA.

A menina levantou do chão de terra tremendo e correu na direção da trilha, ela era a nossa esperança. Tão pequena, tão novinha, e tínhamos que depositar toda a confiança do mundo que ela conseguiria realizar essa tarefa tão difícil. Se eu pudesse escolher, não haveria colocado essa responsabilidade nos seus braços, mas não havia outro modo de buscar ajuda.

Thaís continuava me segurando, mas eu percebi que aos poucos o meu corpo me levava para baixo. Ela voltava a apertar firme os meus braços, quando percebia que eu estava escorregando. Eu não conseguia imaginar a dor que ela estava sentindo. Hora ou outra, ela fechava os olhos, apertava e tentava conter um grito.

- Thaís. - Disse como um sussurro. Esperei ela abrir os olhos, avermelhados e temerosos. - Você sabe que não há o que fazer. Você precisa me soltar.

- Não. Você é louca, Rebecca. A Maya já foi atrás de ajuda, daqui a pouco esse lugar estará cheio de pessoas para te salvar. - A sua voz estava fraca e falha.

- Eles vão demorar muito e... - Tentei argumentar, mas fui silenciada com as suas palavras.

- Presta atenção, Rebecca. Eu não vou viver com a consciência pesada de não ter salvo você e a sua filha. Eu não consigo viver assim. Então eu estou fazendo isso mais por mim do que por você. Fica quieta o máximo que você puder, vamos esperar ajuda.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora