CAPÍTULO 38

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LUCAS

"Hermélia e Kassiano nunca mais se separaram. O amor deles só precisou esperar um tempo!".

Era o pensamento que rondava a minha mente de tal forma, que lembrei dessa história lida tantos anos atrás.

Eu podia ignorar a minha moral martelando, dizendo com eco o quanto eu estava errado em me relacionar com ela.

Mas qual era o erro?

Foi errado eu me apaixonar enquanto a minha responsabilidade era cuidar, zelar pelo seu conforto e sua saúde até o nascimento da bebê? Ou o errado foi propor um casamento no momento que ela estava tão fragilizada, apenas por medo dela ir embora e abandonar a filha... ou me abandonar!

Se ela fosse embora assim que a menina nascesse, ela seria bem criada por mim e minha mãe. Nada lhe faltaria. E como ela não teria conhecido a Rebecca, não poderia sentir falta de quem nunca teve.

Mas eu a tive.

Esse era o problema.

Eu estava tendo a Rebecca nos meus braços, enquanto ela me empurrava na lama avermelhada e sujava o restante do meu corpo, dando gargalhada e me olhando com aqueles olhos escuros.

Cogitei deixar esse receio de lado, continuar com os nossos planos, esquecer totalmente o passado. Mas como um fantasma perturbador, caímos na teia do rancor. A maldição da minha família sobre não ter um amor eterno após a pedra ser roubada, me alcançou naquela noite.

Quando decidimos voltar à sede, tomar um banho para o jantar, foi quando o meu mundo caiu em ruínas.

Apenas um único gesto foi o suficiente para a minha maior tristeza.

Se houvesse uma forma de congelar o tempo eu escolheria aquele exato segundo. Rebecca fazia planos e cada um deles me alegrava de forma inexplicável. Mas no fim daquela noite, o meu mundo seria destruído. Você consegue entender como é viver a maior felicidade da sua vida durante uma manhã, mas logo que o sol se pôs você ser acometido com a tristeza?

Tomamos banho juntos, mas como ela queria passar mais tempo na água morna, decidi desarrumar a sua mochila, colocando as suas roupas no armário, já que ela estava muito cansada. Foi através disso que eu vi o pequeno pacotinho, embolado no fundo da mochila.

Sentei na cama, sem rumo, perdido, com as pernas trêmulas e a boca seca. Aquele pacote tinha alguma substância branca, muito parecida ou a mesma que eu peguei na sua bolsa no primeiro dia que chegamos na fazenda.

Levantei o pacotinho, vendo o pó misturado, no exato momento que ela saiu no banho, enrolada na toalha.

- O que é isso, Lucas?

- Você não sabe? - Perguntei, quase como um sussurro, a minha voz saiu trêmula.

- Eu sei o que é, mas o que está fazendo na sua mão? - Ela perguntou, puxando o pacote e segurando.

- Estava na sua mochila. - Afirmei, sem consegui olhá-la.

- Você não está pensando que eu escondi isso ali né? Pelo amor de Deus, Lucas. Eu estou limpa a mais de quatro meses. Eu não comprei isso.

- Você ficou um longo tempo sozinha lá em Cuiabá.

- Fiquei na livraria. Meu Deus. - Rebecca andava pelo quarto, nervosa, ansiosa, contrariada. - Você sabe quantos custa isso? Eu não tinha dinheiro para um livro, você que me deu. Acha que eu compraria toda essa droga com o troco?

- Eu não sei o valor disso, não sei nem que droga é. - Rebati.

- Lucas, olha para mim... - Rebecca sentou na cama do meu lado. - Eu não faço mais isso, confia em mim. Alguém colocou essa droga na minha mochila ou talvez ela estava aí desde a época que o Luan estava vivo e eu não tinha percebido.

- Você tem vontade de usar? - Perguntei olhando no fundo dos seus olhos.

- Tenho. Mas não vou. Confia em mim, Lucas. Eu não comprei isso.

- Você quer ir para uma clinica ou prefere que uma enfermeira cuide de você aqui na fazenda? - Perguntei, lembrando exatamente da nossa conversa dias atrás.

Rebecca levantou da cama, ficou mais nervosa, começou a gritar na minha direção.

- Acredita em mim, eu não comprei isso. Você vai me deixar aqui Lucas? Sozinha? Depois de tudo o que vivemos, você vai me deixar? - Havia urgência em suas palavras.

Mas eu não conseguia ajudá-la, pois não conseguia nem me ajudar. Levantei da cama e fui para o meu quarto. Rebecca continuou com os protestos, gritando que eu precisava acreditar nela, batendo na porta com ira. Após alguns minutos, ouvi Inês falando, levando ela para longe do meu quarto, acalmando-a.

O meu pior erro não foi me apaixonar, não foi acreditar que ela deixaria o vício por amor à filha e que viveríamos como uma família... O pior erro que cometi foi achar que eu pudesse cuidar dela.

Rebecca era uma jovem lutando contra um vício cruel, somando a isso havia a depressão após a perda do namorado. Como resultado havia uma gravidez não esperada e por muito tempo não desejada. Para completar, eu tive a presunção de achar que conseguiria cuidar dela e nesse tempo me apaixonei. Se eu estava com a cabeça girando, chorando em pânico com toda a situação, imagina como ela estava.

Não havia nada que eu pudesse fazer para retirar a declaração de amor que fiz. Ela viveria com as minhas palavras e um pedido de casamento que nunca aconteceria. Eu viveria com o orgulho de vê-la ensinando as crianças, aquele dia que nunca seria esquecido e com o sabor do seu beijo.

Mas para o seu bem, a nossa história não seria escrita em um livro, ela chegou ao fim!

Refletindo sobre isso, cheguei a questionar a minha sanidade quando a pedi em casamento. Era mais uma questão de tentar encaixar as peças de um quebra-cabeça. Eu precisava me casar, precisava de um herdeiro, a criança já estava a caminho, eu amava a Rebecca e não queria que ela fosse embora. Era uma somatória simples e que eu estava disposto a dizer perante o conselho. Porém, não foi preciso. O conselho nem se quer saberia que a Rebecca existia, pois quando a reunião por fim acontecesse, ela não estaria mais na fazenda e nem na minha vida.

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