LUCAS
Não controlava o ritmo do meu pé que batia de ansiedade no chão encardido daquele hospital. Um surto de dengue foi o motivo da lotação e por onde eu olhava haviam pessoas febris e com queixas de dores. Estava sentado em um cadeira mais de duas horas, sem nenhuma notícia da Rebecca, dando asas a minha imaginação que só atraia tragédias. Cada pensamento, muito bem traçado com a preocupação, era desenrolado para o mesmo fim: a morte do meu sobrinho. Suspirei pesado e enterrei o rosto nas mãos, eu não suportaria perder essa criança em quem eu já depositava toda a esperança da felicidade da minha mãe e até mesmo a minha.
Eu não conseguia aceitar, entender ou até mesmo ter empatia para o ocorrido. Rebecca não só colocou a vida em risco, mas poderia perder o próprio filho. Tentei lutar contra a minha própria frustração e raiva. Nunca vi uma mãe não se importar com o seu filho ao ponto de prender uma sacola plástica na cabeça e borrifar desodorante. Que mundo é esse onde uma mãe prioriza o vício em detrimento do filho? A gravidez que já era de risco poderia piorar ao ponto da criança nascer com má formação ou simplesmente já estar morta em seu ventre. Não entendia a sua motivação, mas também não queria entender ou aceitar. Foi um crime o que ela fez e eu não estava disposto a esquecer isso jamais.
Com tudo isso a culpa também prevalecia nos meus pensamentos. Um sentimento de falha com a minha família. Senti aquela dor da perda do Luan voltar e crescer no meu peito. Eu falhei com o meu irmão mais novo. Eu precisava, de alguma forma, afastá-lo desse mau. Mas ao contrário disso, eu o deixei viver a própria vida, achando que ele de alguma forma aprenderia. Ele não aprendeu nada, ele morreu após brincar com a sorte. O seu coração não aguentou tanta adrenalina acumulada com a droga e um simples acidente de trânsito. Eu conseguia odiá-lo por isso.
Minha mãe já sofreu tanto com o acidente do meu pai e com a consequência de não tê-lo por completo após tantos anos, agora somava ao fato de perder o filho da sua maturidade e provavelmente o neto.
Sorte do meu pai que não se lembrava de nós. Acredito que Deus faz o certo e na maioria das vezes não entendemos o motivo. Só de imaginar o meu pai saber que perdeu um filho, seria uma dor maior do que ele viver no completo escuro das suas memórias.
Agarrado à fé, como herança de família, comecei a rezar para a recuperação da Rebecca e do bebê. Sentia o meu corpo fraco e mesmo tentando não transparecer, eu estava exausto e assustado. Infelizmente não conseguia controlar a voz da Rebecca gritando em terror e o momento seguinte, quando eu corri em direção ao som e a achei caída no banheiro com a pele avermelhada em decorrência da temperatura elevada. O maior momento de choque foi ver o saco preso em sua cabeça, sua boca aberta tentando puxar um ar que não mais existia ali e um desodorante caído do seu lado. Devo confessar que eu não entendi a situação, não sabia do que se tratava, apenas rasguei a sacola e carreguei a mulher para o meu carro.
Dirigi o mais rápido que a estrada permitia, tentando alcançar a tempo a ajuda necessária. O hospital local, pequeno e sem nenhum recurso, ficava cerca de uma hora e a cada minuto eu perguntava para Thaís se a menina estava viva. Ambas no banco de trás, Thaís segurava a cabeça da Rebecca para não balançar muito com o movimento do carro. Foi ela quem me alertou do se tratava. Era uma espécie de lança perfume que já havia custado a vida de várias pessoas, inclusive crianças que fizeram essa forma uma desafio.
Assim que chegamos no hospital eu liguei para o doutor João. Ele informou que logo chegaria e era para ela ser atendida pelo plantonista. Desde então não tive mais notícias. Thaís avisou a minha mãe e esta queria ir até o hospital esperar alguma informação. Mas eu pedi o celular e conversei um bom tempo com ela, convencendo-a que não seria necessário. Caso a Rebecca precisasse de um atendimento mais específico, teríamos que ir para a capital de qualquer forma. Na conversa a minha mãe disse que os dias que Rebecca passou no hospital ela sofreu graves crises de abstinência, mas que nos últimos dias a crise havia passado e só a dor de cabeça ficou. Eu sabia que esse período não passaria de uma hora para outra. Contudo, eu nunca imaginei que a Rebecca faria um ato tão 'grotesco' assim.
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1. Curando Feridas ✔️
Random"Rebecca entrou na minha vida em uma noite de tempestade. Na primeira vez que eu a vi, eu sabia que ela me marcaria por toda a eternidade. Foi através dela que o meu irmão, o meu melhor amigo, conheceu o mundo mais sombrio e solitário que existe: as...