CAPÍTULO 24

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LUCAS

Os dias que se seguiram foram mais tranquilos, beiravam a perfeição. Como dizia Drummond "ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade". Não havia nenhum motivo especifico para eu acordar de manhã sorrindo, mesmo assim eu fazia, pois era automático. Aquela casa, que a muito tempo era sinônimo de tristeza, amargura, depressão, agora era preenchida por risadas e correria da Rebecca e a criança Maya. Não havia um centímetro daquela sede que as duas não queriam desbravar juntas.

Noite passada, antes de entregar o último remédio do dia para a Rebecca, eu vi que ela estava com a menina no seu quarto. Ela estava lendo as últimas folhas do livro da Diana. Sentei no tapete, no centro do quarto, com a Maya ao meu lado e ouvimos ela terminar a história.

Rebecca parou de ler por um instante, estendeu a mão e bebeu o remédio que eu ofereci. Em seguida ela ajeitou a manta no seu colo e continuou a leitura. Ela estava concentrada, mas não deixava de sorrir em alguns momentos.

Eu poderia notar o quanto ela estava mais saudável, perceber que os seus braços não haviam mais marcas profundas, que o seu rosto estava corado e até mesmo observar que não haviam mais ossos aparentes em um sinal de dependência e baixa nutrição. Mas o que eu notei foi o seu olhar. Rebecca sorria, não só com os lábios, que antes eram pálidos e machucados, e agora eram rosados. Ela sorria com os olhos. Que antes eram marcados pela tristeza, uma escuridão de luto, onde não havia nenhum brilho, agora havia uma pontinha de felicidade. Como o mais puro ouro que eu já vi.

"... a primeira batalha que enfrentamos foi a nossa pronúncia. Ambos nascidos nessa terra, precisávamos deixar de lado a nossa cultura familiar e tentar aproximação com a língua portuguesa brasileira. Para Heitor foi mais difícil, desenrolar a sua língua e tentar ser entendido. Brigávamos constantemente, entregando a nossa pior versão em diferentes momentos. Mas em outros, a nossa guerra era considerada inferior àquilo que estávamos sentindo.

Inevitável não te amar, inevitável não me entregar, inevitável não me apaixonar. Deixei para trás a minha família sanguínea e do seu lado construímos a nossa. Passamos a morar nas terras vizinhas. Cresci ouvindo histórias do seu povo e de como um de vocês matou o meu pai, mas ali, junto com os seus, descobri a verdade. A verdade pode doer, mas não deixa de ser a verdade.

Seu avô, culpado pelo homicídio por meus familiares, desabafou na injustiça quando me viu. Temeu a própria liberdade, até eu confirmar que acreditei em suas palavras justas. Ele descreveu o olhar do meu pai, como o meu, assustado e entristecido, quando recebeu o fatal em seu peito. O seu patriarca estava no mesmo campo, escondido na floresta densa, observando a cena curiosa, quando uma mulher cometia tal atrocidade.

Com as saudosas descrições de uma visão ligeira, mesmo com a idade carregada, pude entender de quem se tratava. Heitor tentou me avisar, mas era mais difícil compreender o que ele dizia do que o seu avô. O homem com muita experiência, tinha mais contato com a minha nação e conseguia desenrolar melhor o meu idioma.

Ouvi relatos de uma parte da família, que acreditava que o meu avô deveria ter se casado com a irmã mais nova da minha avó, que era casta e pura. O patriarca da minha família não aceitava tal assunto em suas terras e era revolto por uma raiva descomunal toda a vez que alguém ousava tocar nesse assunto.

Essa mulher jurou que um dia se vingaria, mas ninguém acreditou em suas palavras. Assim como ninguém acreditou nas minhas quando eu voltei à fazenda Ametista e contei para todos o que eu descobri. Essa foi a segunda batalha que enfrentamos, já que eu precisei escolher entre ficar com a minha família ou te seguir em uma embarcação rumo ao sul do país.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora