REBECCA
Não havia nenhuma intenção da minha parte, de uma dia voltar para a kitnet que eu morava no último ano. Parte da viagem eu passei pensando nisso. Eu não sabia o que eu faria ou para onde eu iria depois que eu entregasse a criança para a família do Luan criar, mas eu tinha a absoluta convicção que eu nunca mais voltaria para aquele lugar.
Da minha "casa" eu só peguei o que eu realmente precisava. Algumas mudas de roupa, um chinelo, itens de higiene e o travesseiro que tinha o cheiro do Luan. Não havia mais nada que eu precisasse.
A senhora Paula foi uma "cavala" comigo novamente, tudo por causa daquele marido nojento e bêbado dela. Carlos era um traste, mas sempre que eu precisei ele sabia onde conseguir aquilo. Acabou se tornando um fornecedor rápido. Ele não gostava de ser chamado de traficante, pois dizia que nem traficava tanto assim. Que era só para consumo seu e de seus amigos, ou seja, do bairro inteiro. Contudo, sua esposa não sabia o que ele fazia nas "escondidas". Então ela preferia acreditar que eu estava "enfeitiçando" o seu homem. Era isso que ela me dizia sempre que tinha oportunidade. Ela jogar o pouco de móveis que eu tinha na rua não faria a menor diferença na minha vida, então não quis "bater boca" no meio da rua.
O irmão do Luan era tão diferente dele. Nunca deixaria Paula falar daquela forma comigo, ele sempre me defendia, falava para a mulher ter educação e depois saíamos rindo da situação. Mas Lucas era diferente, ele era quieto e sério. Eu não sabia o que falar para ele ou se eu deveria dizer algo. Então como diz o ditado: boca fechada não entra mosquito; permaneci quieta também.
O seu gosto musical era muito previsível. Ele fazia aquela linha de fazendeiro que dirigia camionete, pegava estrada e cantava sertanejo antigo. Músicas que só falavam de traição, amor não correspondido ou peão que amava duas ao mesmo tempo.
Abraçada com o travesseiro, sentindo o pouquinho de cheiro do Luan que ainda teimava em continuar no tecido, era impossível não comparar aqueles dois irmãos.
Luan era cheio de personalidade. Ele simplesmente amava a vida e deixava isso bem claro onde quer que fosse. Ele não tinha nenhum cuidado com ninguém, gostava de se divertir e era o maior palhaço da turma. Era difícil pensar nele com verbos no passado e isso doía a minha alma. Ainda conseguia imaginar o seu cabelo negro, um pouco cumprido e bagunçado. O jeito estranho que ele dançava toda vez que tocava uma música eletrônica, parecia uma mola que não parava no chão. Amava filmes antigos e séries de comédia. Fazia a melhor pipoca com bacon e manteiga que já comi.
Lucas era mais velho e talvez por isso todo o humor juvenil que Luan tinha não fazia mais parte da sua vida. Eu não sei exatamente quantos anos ele tem, mas acredito que já está com quase trinta. Ele é muito sério e preocupado. Sua expressão parece que a qualquer momento algo muito ruim vai acontecer e destruir a sua família perfeita.
Talvez eu sou a personificação desse algo muito ruim e é por isso que ele me olha com tanta raiva e às vezes até nojo.
A única coisa que eles tem em comum é a cor dos olhos. Um lindo tom de mel escuro com pintinhas esverdeadas. Acho que ele notou a minha observação e isso o deixou confuso.
Todo o meu diálogo interno foi barrado com o início de uma chuva. Eu me encolhi ainda mais. Queria sair logo dali, chegar logo nessa fazenda. A chuva me despertava para a noite do acidente e isso me feria. Depois de dias eu consegui lembrar que eu nem se quer levantei do chão molhado após a batida, eu fiquei deitada, sendo socorrida por pessoas que pararam os seus carros. Eu jurava que estava do lado do Luan, mas não estava. Eu apaguei, acordei já no hospital. Fuji do quarto que tinham me colocado e fui atrás do Luan, foi quando tudo aconteceu e eu o vi morrer, depois disso são horas de apagão.
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1. Curando Feridas ✔️
Random"Rebecca entrou na minha vida em uma noite de tempestade. Na primeira vez que eu a vi, eu sabia que ela me marcaria por toda a eternidade. Foi através dela que o meu irmão, o meu melhor amigo, conheceu o mundo mais sombrio e solitário que existe: as...