CAPÍTULO 3

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LUCAS

O endereço que a minha mãe passou me levou até um bairro afastado do centro e muito populoso. Parei na frente de um comércio local, parecia uma vendinha, alguma espécie de mercadinho. Sai da camionete e senti a mudança brusca da temperatura, fora do ar condicionado do carro, o calor era intenso e vertiginoso.

Subi a escadinha descascada do mercadinho e fui até o balcão esverdeado, bati a mão na madeira em forma de chamar atenção, mas só consegui que a poeira viesse na minha direção.

- O que quer? - Perguntou uma mulher que eu não tinha visto antes, cujo humor era questionável.

- Aqui é a rua B, número 108? - Perguntei, tirando o óculos de sol e apontando para o endereço que estava escrito no papel que a minha mãe me entregou.

- É. - Ela respondeu com um misto de curiosidade e zero paciência.

- Eu procuro a Rebecca.

A senhora ficou visivelmente irritada com o nome que ouviu, gritou o nome da Rebecca por cima do ombro e começou a limpar as mesas amarelas do lado de fora, praguejando alto. O portão lateral e estreito daquele estabelecimento abriu e um cachorro saiu na minha direção.

- Ele não morde. - Disse a mulher e logo em seguida gritou para o cachorro voltar para dentro. - Guria, prende o cachorro de volta, sabe que eu não consigo deixar essa "merda" aqui limpa com ele "cavucando" poeira.

Rebecca apareceu na calçada, ela carregava uma pequena mala alaranjada e um travesseiro. Ela chamou o cachorro que a obedeceu no mesmo instante. O cachorro grande, magro e marrom passou por ela, se entrelaçando nas suas pernas. Ela abaixou e coçou o topo da cabeça do cachorro, o levando para dentro e trancando o portão.

- Dona Paula, eu vou ficar alguns dias fora. - Disse a garota, tentando chamar a atenção da mulher. Ela não respondeu naquele instante, parecia querer ignorar a garota.

- Vai é tarde né Rebecca, tomara que não volte. - Disse a mulher em alto e bom som, não querendo, de forma alguma, esconder a raiva que sentia da guria.

Rebecca passou por mim e foi em direção do carro. Eu a acompanhei, segundos depois a senhora Paula jogou um balde de água na calçada e começou a esfregar.

- Olha aqui Rebecca, só mais uma coisa ta, o seu aluguel vence na próxima quinta-feira, se você não pagar até esse dia, vou deixar as suas tralha na rua. Sabe que eu cumpro o que eu prometo, já fiz isso antes e faço de novo. - Paula falava enquanto esfregava o chão de cimento.

Aquela mulher tinha um caráter muito duvidoso. Esperei que Rebecca tivesse alguma reação, mas ela nem me olhou, abriu a porta do carona e entrou. Eu não sabia o que dizer. Minha mãe ensinou que quando não sabemos o que falar, o melhor é se calar. E assim eu permaneci durante quase toda a viagem.

Rebecca colocou a pequena mala nos pés e abraçou o travesseiro, enterrando o próprio rosto nele. Eu pensei em perguntar se ela queria colocar a mala atrás, mas decidi continuar quieto. Prometi, alguma centenas de vezes para a minha mãe que eu não trataria a menina de forma cruel. Que eu não a culparia pela morte do Luan. Minha mãe estava com tanto medo da Rebecca perder o bebê, que queria que eu a tratasse como uma princesa. Contudo, eu não conseguia ter um sangue de barata desse nível.

Em alguns momentos eu olhava de lado e notava que ela continuava encolhida. A estrada estava com pouco movimento, aumentei o volume do som e desfrutei de uma boa música. Aprendi através da minha profissão, observar cada pequeno detalhe. Era muito fácil um leigo confundir ouro com uma bijuteria, mas eu conseguia distinguir em um único olhar. Então foi simples notar que Rebecca estava com a aparência ainda pior do que quando eu a vi na primeira vez. Eu conseguia lembrar que cada detalhe daquela naquela fração de segundos enquanto ela era retirada do quarto do meu irmão, em meio a gritos. Carregada por dois enfermeiros. Sua aparência era desorientada, com os braços ensanguentados e o olhar em pânico. Ela tinha a roupa rasgada com o acidente, cortes expostos e o cabelo negro grudado com o sangue da esfoliação no asfalto. Mas ali, sentada ao meu lado, ela possuía sim todas essas marcas, mas além disso, ela tinha os olhos sem nenhuma expressão. Era como se o acidente ocasionasse cicatrizes no seu corpo e na sua alma.

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora