CAPÍTULO 8

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REBECCA

Não tinha a intenção de sair daquele quarto, mas ouvir o Lucas dizer que o livro estava ali, a minha disposição, tão pertinho, fez a minha curiosidade falar mais alto. Eu tinha a necessidade de continuar lendo aquela história, saber o que aconteceu na vida daquela mulher. Ansiava por mais detalhes e quando tive forças, pouco tempo depois, abri a porta.

Lucas tinha dito a verdade, ao lado da porta do meu quarto havia uma mesinha estreita com o livro embaixo de um prato de comida. Eu retirei o pano de prato de cima e levei para o meu quarto, acendi a luz e deixei a porta aberta. Sentei na poltrona e abri a janela, o vento frio de uma noite na fazenda passeou pelo quarto. Eu puxei a coberta e coloquei o livro no colo, enquanto mexia um pouco na comida.

Ametista não teve dúvidas de que havia se apaixonado à primeira vista...

Seus olhos não saiam da minha direção e eu não conseguia desviar a imensidão que haviam neles. Senti a necessidade de contar cada pontinho de verde que havia naquele tom de mel. Ele não me dirigiu a palavra e eu não conseguia afirmar se ele entendia o meu idioma. Com o passar dos dias, notei que ele sempre estava próximo. Isso motivava as minhas ações de estender os passeios pelo jardim, só para ter o seu olhar me seguindo a cada passo. Quando o olhar não bastava mais e a cobiça por seu toque fez parte de cada sonho nas noites quentes, chuvosas ou frias, eu destravei a porta do meu aposento.

Sem nenhuma cerimônia ouvi a pesada porta ser empurrada e ele entrar. Éramos só nós dois, paralisados com o medo do desconhecido. A lua era a única testemunha, ela abrilhantou o seu rosto, me deixando deliciar com aquela cor de olhar tão distinta. Ele tocou a minha mão com delicadeza e deslizou os dedos até a minha cintura, eliminando qualquer espaço que poderia haver entre nós. Naquela noite eu fui dele e em todas as demais que eu teria enquanto eu vivesse.

Afonso era um serviçal trazido pela capitania com a elite portuguesa. Nossos atos pecaminosos aos olhos dos homens eram a tradução de um amor único aos nossos. No fim dos dias quando o senhor meu pai me visitou naquela vila, trouxe a notícia que o honroso Tenório findaria a sua vida. Transpareci desagrado e luto, pois o homem era uma pessoa de bom coração. Contudo, por dentro eu apertava a esperança do impossível: ser a esposa de um criado.

O meu pai solicitou a minha ida para São Paulo, até conseguir um novo casamento. Eu queria lutar, mas não havia argumentos para continuar na vila. Em desespero, corri para os braços de Afonso e para o meu acalento, ele sabia exatamente o que faríamos.

Eu queria continuar a leitura e descobrir o que a Ametista fez, como eles ficaram juntos, mas a dor de cabeça estava tão forte que eu necessitava parar por um tempo. Deixei o livro aberto na cama e levei o prato até a mesinha de fora. Olhei para a porta do quarto do Lucas e pensei o que eu faria a seguir. Estava tão envergonhada por ter me jogado em seus braços que vacilei se deveria ou não procurá-lo. Mas a dor era desesperadora ao ponto de instruir as minhas ações. Bati na porta e não obtive nenhuma resposta. Empurrei de vagar, logo que entendi que ela estava apenas encostada. O seu quarto era majestoso, com cortinas alongadas na cor azul escura e detalhes em cordas. A cama era imensa, com um jogo fino de seda negra. Era tão tradicional em cada pequeno detalhe, com a intensa exceção das flores ao lado da janela que transmitia um calor confortável para aquele local. Disse o seu nome, tentando chamar atenção que eu estava ali, invadindo a sua privacidade. Ouvi a porta do banheiro abrir e ele saiu do cômodo, com uma toalha branca enrolada na cintura.

Lucas me encarou, falando com alguém no telefone. Eu não entendi o que a pessoa disse, mas vi ele desligar rapidamente. Fiquei encarando o chão, esperando que ele se vestisse. Algo chamou a minha atenção, uma letra impecável. Havia um papel rasgado na mesa de canto. Com a curiosidade pulsando na veia, eu me aproximei e li o que foi escrito no papel. Vestidos tamanho M; chinelo e bota de cano longo tamanho 35; pijamas com calça; unha postiça tamanho pequeno com adesivo colante...

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora