CAPÍTULO 50

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REBECCA

Em um acordo silencioso, eu comecei a ler as folhas soltas do livro da Francisca, escritas para a família Varez. O psicólogo acompanhava a leitura através do livro que a mesma escreveu para as descendentes. Haveria um aviso se caso a história se contrapusesse, coisa que ocorreu logo que iniciamos as descobertas daquela tarde:

O pedido de casamento foi audível, porém, não compreensivo. Não abaixei a cabeça, prometi a mim mesma que nunca mais faria. Eu não era uma escrava daquela família, mas sim a noiva do senhor Varez, uma mulher que as demais deveriam respeitar e temer, e eu faria exatamente isso.

Houve uma frenética exaltação dos convidados, pessoas incrédulas do nosso amor. Mas você não deixou que nenhuma palavra discriminatória me atingisse. Levantou o meu queixo e me deu um beijo rápido nos lábios, mostrando para todos que não eram lhes permitido duvidar do nosso compromisso.

Há muitos anos eu não dormia na senzala com os meus, não trabalhava como obrigação e possuía o entendimento das palavras graças ao seu ensino, meu marido. Eu não era uma escrava como as demais e sabia disso, sempre soube que o seu amor era a minha liberdade. Contudo, meu amado Antônio, eu não consegui virar as costas para os meus irmãos da cor, que eram arrancando-lhes o couro na menor contradição de um homem branco. Para estes irmãos, o meu mais puro sentimento e devoção.

As roupas de sinhá eram colocadas e amarradas na cintura, impossibilitando a respiração. As mulheres diziam: se queres ser uma senhora, assim deverá ser. Colocaram sapatos nos meus pés, que apertavam os meus dedos e estes tiveram que ser amarrados com pano, pois as mulheres que me cuidavam diziam: se queres ser uma senhora, assim deverá ser. Elas falaram como eu deveria andar, falar, vestir, viver, pois se eu queria ser uma senhora, deveria obedecer.

Qual a diferença entre ser uma escrava e ser uma esposa do senhor?

Se arrancasse os panos dos meus dedos e corresse descalça na lama, como fazíamos na nossa infância, as mulheres diziam que não era atitude de uma dama. Se não usasse a roupa íntima espremendo os meus seios, deixasse-os livres embaixo do vestido de pano fino, as mulheres diziam que não era a forma de uma dama se vestir. Se eu corresse no meio da casa e me jogasse nos seus braços lhe beijando a boca, como fazíamos na época que crescemos e declaramos o nosso amor, elas diziam que uma dama não podia ser uma leviana.

Meu marido, qual é a diferença entre uma escrava e a sua esposa?

Quando eu tentava lutar para um irmão não ser castigado, desamarrando os nós do tronco e o segurando nos braços, os homens brancos e senhores diziam que o castigo era necessário e que uma mulher, ainda mais um negra imunda, não poderia tirar-lhes a autoridade. Agradeço a Deus do seu pai ter ouvido tais circunstâncias e ter me defendido do mal dos olhos dos brancos...

- Espera aí Rebecca, essa parte é muito diferente do livro! - Marcos fez eu parar a leitura das folhas e apontou o dedo para o livro antigo nas suas mãos.

- O que está dizendo aí? - Perguntei aflita.

- Olha, aqui no livro a Francisca fala sobre esse momento das vestimentas e das ações que ela precisou parar de fazer, da forma que as senhoras lhe ensinaram a se comportar, mas além disso... aqui no livro, ela narra exatamente essa cena do escravo sendo açoitado e ela desamarrando-o do tronco e o sogro aparecendo, porém... o que ele fez com ela foi totalmente diferente do que foi escrito aí. Vou ler para você...

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora