CAPÍTULO 32

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LUCAS

A pergunta me pegou desprevenido, fiquei um tempo refletindo sobre o que responder. Não era uma questão simples de ser tratada, não era um diálogo supérfluo, a resposta envolvia mais do que uma junção de palavras, era a conclusão de cada sentimento que eu já senti por ela.

Rebecca estava paciente, esperando os meus pensamentos entrarem em ordem. Ela estava tão diferente de quando eu a conheci, acredito que as terapias estavam fazendo o sucesso esperado. Pensei muito, mas conclui que a melhor resposta era apenas externar todos os meus pensamentos e não continuar nesse silêncio constrangedor.

- Já senti tantas coisas por você, que é difícil descrever. - Confessei. - Mas vou tentar ser o mais sincero possível. Rebecca, os meus sentimentos partiram do ódio e chagaram ao carinho em questão de meses. Quando eu te conheci, naquele hospital, no momento que o meu irmão estava morrendo, consegui te culpar por toda aquela dor. Eu sei que não é justo, sei que você também sofreu, mas foi exatamente isso que eu senti.

- Não ligo de você ter me culpado, eu também me culpei. Me culpo até hoje. - Ela afirmou.

- Cada um lida com o luto de uma forma e eu precisei atribuir a culpa de toda dor a alguém, infelizmente você estava mais próxima.

- Eu consigo te entender, o Luan morreu após uma overdose, não foi um acidente. E quando você me viu pela primeira vez, eu estava drogada, sem noção do ocorrido. - Ela suspirou, talvez tentando tirar a imagem dos pensamentos. - Mas se você sentia tudo isso por mim, por que aceitou ficar comigo todos esses meses? Você cuidou de mim todos os dias, foi obrigado a estar ao meu lado e até mesmo dormir comigo para afastar os meus medos. - Ela questionou.

- O ódio deu lugar ao medo. Senti medo da minha mãe cuidar de você naquele período. A sua condição psicológica não era favorável. Tive medo das crises de abstinência provocar alguma ação sua incontrolável e isso ferir a minha mãe. Eu sabia que ela não seria capaz de te conter.

Rebecca engoliu a seco, talvez ela não estava preparada para ouvir tantas verdades guardadas no mais íntimo pensamento.

- Desculpa por tudo isso.

- Não, Lucas. Não há o que ser perdoado. Eu realmente quero que você fale tudo. Cansei de viver no escuro, quero ter controle da minha própria vida novamente.

- Eu estou disposto a falar, mas não guarde os seus sentimentos. Vamos parar de viver no silêncio. - Sugeri enquanto ela concordava prontamente.

- Você acha que eu realmente machucaria alguém? - Ela perguntou com a voz fraca.

- Não. Eu te julguei errado, não te conhecia. Você nunca feriria ninguém. Infelizmente isso não se aplica a sua própria vida. As recordações daquele dia ainda assombram as minhas noites, Rebecca.

Os pesadelos constantes com o Luan se misturavam com a Rebecca quase sem vida nos meus braços. Nas piores noites, ela também não sobrevivia. Isso envolvia o meu psicológico, ao ponto de eu necessitar procurá-la para saber se era um sonho ou a realidade.

Lembrava dos gritos ecoando pelas paredes da casa, da correria em meio ao silêncio que instaurou segundos depois. Rasgava a sacola plástica, tentando fazer o oxigênio voltar. Sentia o peso do seu corpo, sendo carregado até o carro, em uma tentativa de socorro.

- Eu não lembro de quase nada. - Confessou.

- Sinto inveja disso. Eu consigo lembrar de cada detalhe, e foi horrível. - Ela não queria me olhar, focou os olhos no chão.

- Eu me arrependo do que fiz pela gravidez, pelo bebê, não por mim. Se essa criança não existisse dentro de mim, eu não gostaria mais de viver.

Aquilo mexeu comigo, não era uma novidade, mas sempre pensei que ela não pensasse mais dessa forma. Ou talvez eu só quisesse que ela não pensasse mais assim. Era difícil engolir que a sua força de viver dependia do meu irmão e na falta dele não havia mais nenhum motivo.

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