1. Curando Feridas ✔️

CAPÍTULO 68

LUCAS

Acredito que seria mais humano se houvesse algum sinal que aquele dia tão turbulento, angustiante e dolorido, também seria o melhor dia da sua vida. Você também não pensa assim? Imagine dirigindo em um carro recém batido, com a frente irreconhecível, visto que uma menina de doze anos bateu diversas vezes em uma árvore para o carro, segundo as suas palavras "virar de frente para a casa" já que ela não sabia dar a ré. Você torce para o carro ao menos funcionar e te levar em uma corrida frenética para salvar o amor da sua vida.

O caminho é inconstante, acidentado, cheio de pedregulhos e lombadas, fazendo o seu carro desafiar as leis da gravidade. Você não pode frear, mesmo naquela curva fechada, onde você chega a sair da trilha principal e precisa patinar na pista, tentando manter o controle do carro. Ufaaa... você consegue não capotar o carro. Pelo menos o primeiro desafio está vencido.

Em meio à correria, você precisa controlar a criança ao lado que não para de chorar e se culpar por não ter contato à um adulto os planos absurdos que ocasionaram toda aquela situação. Maya acabou relatando, da sua própria maneira, com alguns delírios infantis, sobre tudo o que aconteceu com a Rebecca, e por incrível que pareça... com a Thaís também.

Você também tem que ouvir a sua mãe, no banco de trás, chorar em profundo desespero, também se culpando, já que ela era a responsável naquele momento, mas se distraiu com a cerimônia e não percebeu a ausência da sua nora. O choro começa a ganhar mais força, quando ela grita que vai perder o único pedacinho do filho que ainda sobrou. Você mal se dá conta que ela está falando da sua filhinha. Já é terrível demais imaginar você perder o amor da sua vida, agora perder a sua filha... não, não. Tenta não imaginar, só continua dirigindo e presta mais atenção no caminho.

Contudo, você quer gritar, quer muito gritar e dizer que o único culpado é você mesmo. Que você tentou controlar a situação das pessoas ao seu redor, dizendo o que cada um tinha que fazer, apenas para manter o controle de uma mulher que passava pelo período da abstinência e de uma gravidez de risco. Mas como dizer sobre os seus erros, quando o seu pensamento só consegue alcançar o pior, mostrando cenas absurdas em sua mente. O seu amor está caindo de um barranco, um buraco imenso, cuja profundidade alcança mais de setenta metros.

A sua voz morre na garganta. Você até quer se culpar, jogar ao vento toda a verdade que está engasgada no seu próprio corpo, mas do que isso vai adiantar? Sendo mais específico, pode piorar ainda mais a situação que já é desesperadora.

Sabe, parece até poético dizer que ninguém está preparado para perder aquilo que mais se ama no mundo. Esse ano iniciou com a maior perda que eu já senti na minha vida. Não imaginava que a ordem natural seria quebrada e que o meu irmãozinho colheria as consequências das suas escolhas de forma tão drástica. Mas e se as consequências da minha escolha, de ter entregue a história da Francisca para a Rebecca dessa maneira, fosse ter como resultado o fim da sua vida, ou o fim da vida da nossa filha? Como continuar vivendo com a perda de uma delas? Provavelmente, eu não viveria.

- Lucas, presta atenção na estrada, pelo amor de Deus. Olha, o Ezequiel está vindo logo atrás, tomara que o doutor João esteja com ele. - Minha mãe tentou avisar, controlando a voz ainda embargada. - Que a Virgem Maria protege a Rebecca nesse momento, que Deus dê força para a Thaís e que a minha netinha sobreviva. Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria...

Como eu vou dizer para a Rebecca que eu sempre soube a verdadeira história da Francisca e Antônio, que eu a levei acreditar que eu era conivente com as acusações da minha família, apenas para presenteá-la com esse mistério? Como explicar para a Rebecca que eu pedi para a Carminda e Inês me ajudarem. Que fizemos reuniões escondidos, onde plantamos pistas da Francisca por diferentes pontos da fazenda, apenas para distraí-la.