CAPÍTULO 2

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REBECCA

O estrondo da batida continuou tremulando nos meus ouvidos, era como se ele nunca tivesse um fim.

No primeiro momento ouvimos um som agudo do freio lutando para segurar a camionete que derrapava na pista escorregadia. Eu apertei as minhas mãos na sua cintura e escondi o rosto nas suas costas, já imaginando o pior.

No segundo momento eu ouvi o estrondo, logo em seguida eu senti o meu corpo ser arremessado, escorreguei no chão molhado da avenida movimentada, até atingir o acostamento.

No terceiro momento eu levantei, fiquei em pé, mesmo sob protestos dos presentes que já paravam os seus carros em uma tentativa de socorro.

No quarto e último momento eu procurei o Luan.

Ele estava de bruços, caído imóvel, com a moto ao seu lado. O ato seguinte ainda é muito confuso, fiquei tão atordoada que batia no seu corpo em um desespero descontrolado. Havia zunido na minha cabeça, quase como se a razão me faltasse. Senti muita tontura e intensa vontade de vomitar. Aguentei firme, ao lado do Luan, até ouvir o barulho da ambulância. As pessoas me perguntavam coisas simples, mas eu não dava conta de responder.

Foi como se eu tivesse fechado os olhos, apenas uma piscada, e eu já estava em uma sala com a luz muito forte, me incomodando. Tanto barulho, tanta correria e tantas perguntas.

- Ele está tendo uma convulsão. - Dizia alguém na sala do pronto atendimento.

- Será que ele bateu a cabeça? - Perguntava outra pessoa.

Eu não conseguia focar nos seus rostos, fui esquecida no canto da sala, abraçada com a mochila do Luan, enquanto ouvia os burburinhos.

- Vira ele de lado para não afogar.

- Ele está tendo convulsão. - Reafirmava alguém em gritaria.

- Administra Diazepam 2 mg.

Senti as minhas pernas cederem e sentei no chão sujo de sangue, sem me dar conta que aquele sangue saia dos meus braços machucados. Nos próximos minutos eu ouvi conversas mais amenas, quase uma esperança no meio da crise.

- Ele está estável. Vamos cortar a roupa.

- Ele tem muitas marcas, cuide dos ferimentos.

- Ele é usuário. Olha os braços. - Afirmou alguém na sala.

Eu segurei a respiração. A dor de cabeça estava cada vez pior. O tempo passava e as perguntas recomeçaram, eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Eu não conseguia responder de forma clara as suas perguntas. Eu queria dizer que ele é usuário sim, mas que está tentando parar. Queria esclarecer que o Luan é uma boa pessoa e merece viver. Mas a minha voz não saía.

- Precisamos saber o que ele usou. - Uma mulher me puxou pelo braço apertando o ferimento e perguntou firme. Eu não conseguia olhar nos seus olhos, senti meu estômago revirar. Queria responder que ele só fumou um cachimbo. Não foi nada injetável. Não foi nada demais. Pelo contrário, foi uma despedida. Eu também usei. Foi só para despedir. Fizemos um cachimbo caseiro e colocamos um pouco de cristal. Só foi uma despedida de uma vida que prometemos que não teríamos mais.

Comecei a chorar em desespero, prometemos tantas vezes que nunca mais usaríamos. Que sempre seria a última vez. Juramos que seria a última injeção, o último cachimbo, a última bala, a última puxada, só mais uma fileira... tantos meses e tantas últimas vezes. Eu me culpava, culpava tanto. A culpa me consumia. Eu pedi para dar uma volta de moto, não estávamos chapados e eu queria sentir o vento em uma noite pós chuva. Durante aquele ano foi tão raro os momentos de chuva, que eu queria aproveitar o vento fresco. Passar em algum barzinho, comer uma porção, tomar uma cervejinha e depois voltar para casa. Era simples, era quase que cotidiano. Contudo, alguém bateu na moto, alguém causou tudo isso...

1. Curando Feridas ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora