REBECCA
Engraçado viver um momento que diversas vezes eu só ouvi falar. Os funcionários da fazenda estão em uma felicidade incontrolável, como se ansiassem por esse momento durante anos. Vejo risadas, conversas altas, danças engraçadas, crianças correndo em rodas, brincando de esconde esconde nos perímetros que a luz da sede chega. O cheiro envolvente da comida, carne assada, vinagrete temperado com um pouco de pimenta, há ainda farofa de banana, variados sucos, diversas frutas já cortadas para você apenas pescar na mesa central e por fim um doce de caju que dá água na boca só de olhar.
Não consegui resistir, larguei de lado o livro do nosso relato e levantei em direção da comida. Tinha pedido para a Maya ir até o escritório e pegar o livro, queria escrever sobre essa noite, para ficar marcado na nossa história. Mas logo a criança na minha barriga deu sinal que precisava de alimento e eu concordei com ela no momento que eu vi o doce de caju.
Havia tanta hospitalidade. Uma mulher que trabalhava na colheita me ajudou a servir o jantar, ela colocou uma quantidade bem maior que eu conseguia comer, mas agradeci a gentileza.
- O que a Senhora Varez precisar é só avisar. - Falou a senhora, assim que colocou uma quantidade enorme de doce em um copinho para eu levar junto com o prato de comida até a mesa.
- Me chame de Rebecca, eu não sou uma Varez. - Respondi sorrindo para o ar, em uma tentativa patética de esquecer que eu poderia ser, se não fosse burra o suficiente para afastá-lo.
- Até onde o fuxico rodea a fazenda, a senhora carrega a herdeira. - Anunciou a mulher, cujo nome eu não lembrava, mas tinha alguma relação com flores.
- Maria Tulipa, deixa a menina em paz. - Falou Carminda, salvando a minha vida. - Rebecca, precisa de ajuda para levar o seu prato até a mesa? Tulipa serve comida para os peão aqui da fazenda, deve acha que você come igual.
- Ixpia. A menina tá de barriga, deve comer ainda mais que isso. Passa aqui senhora, vou colocar mais costela, faz bem para a patroinha.
- Não, tá ótimo assim. Obrigada Tulipa, eu vou voltar para a mesa, estou com fome. - Respondi sorrindo e deixando o meu prato o mais longe possível daquela senhora de bochechas rosadas e rosto arredondado.
Tentei equilibrar o prato pesado e o copinho de doce de caju caindo pelas bordas, para completar a desventura, coloquei um copo de suco de limão e segurei a borda com os dentes. O desastre estava evidente, as pessoas ao redor percebiam isso, tentaram me avisar, mas era isso ou colocar o copo na barriga imensa e caminhar lentamente até a mesa.
- Eu vou te ajudar priminha ou a sua primeira festa na fazenda será marcada por esse desastre. - João Varez se aproximou e pegou o prato da minha mão e tirou o copo que eu mordia. Pensei, realmente em negar ajuda, mas ele nem se quer esperou que eu falasse algo, foi em direção da mesa cheia de papel no canto da festa.
- Obrigada. - Balbuciei enquanto puxava a cadeira e sentava, tentando ajeitar a mesa e a papelada. Sem ser convidado, ele sentou na cadeira ao lado.
- Está escrevendo o livro priminha? Nossa, acho isso incrível. Mas a minha esposa não quer escrever, não gosta desse tipo de cultura familiar. - João Varez ajeitou as folhas soltas e colocou dentro do livro, enquanto eu cortava a carne e enchia o garfo com a comida já misturada.
Fechei a cara enquanto mastigava.
- Não está gostando da comida? Eu posso pedir para fazer outra janta. - João afirmou, tentando ser solícito.
- Não é isso. - Disse com a boca cheia. Fiz sinal com a mão para ele esperar, tomei um gole de suco de limão e sequei a boca com o guardanapo. - A comida está ótima como sempre. O que fez eu ter essa reação foi a forma de você falar da sua mulher, mesmo tendo feito o que você fez hoje.
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1. Curando Feridas ✔️
Random"Rebecca entrou na minha vida em uma noite de tempestade. Na primeira vez que eu a vi, eu sabia que ela me marcaria por toda a eternidade. Foi através dela que o meu irmão, o meu melhor amigo, conheceu o mundo mais sombrio e solitário que existe: as...