Mesmo com o início de tarde monótono, Sherlock Holmes não demonstrava o menor sinal de estar entediado. Muito pelo contrário, ele estava animado e já era a terceira vez que o detetive consultor olhava pela janela. Acomodado em sua poltrona, o médico John Watson, acompanhava a movimentação dele.
— Está esperando alguém? — Sua curiosidade havia atingido o limite.
— Nossa próxima cliente. — Ele afastou a cortina mais uma vez e olhou para a calçada. — Só não entendo por que ela está demorando tanto para subir.
— Está hesitando? — John levantou e caminhou na direção da janela.
— Não, — respondeu Sherlock confuso. — Ela está sentada na frente do gradil perto da porta.
O médico tomou o lugar do detetive para olhar a possível cliente.
— ELA ESTÁ COBERTA DE SANGUE, SHERLOCK! — gritou John irritado.
— Eu notei isso. — Ele não parecia abalado. — Mas daqui não consegui definir se é dela ou não.
Quando o detetive terminou de falar olhou para onde o amigo estava, mas ele já havia saído da sala e descia as escadas.
A mulher tentava estancar o sangue que escorria de um ferimento em sua testa, próximo a têmpora esquerda, sem muito sucesso. O médico se abaixou tentando analisar o corte.
— Posso te ajudar? — pediu ele.
— Você é o Sherlock Holmes? Estou procurando por ele.
A mulher tentou levantar a cabeça e olhar para quem fazia a pergunta, mas desistiu ao sentir a dor sob a mão encharcada de sangue.
— Eu conheço o Sherlock, e estamos na frente do apartamento onde ele mora — explicou John com um tom de voz suave. — Mas eu queria te ajudar com esse ferimento. Eu sou médico.
Aliviada por finalmente ter conseguido chegar aonde precisava, ela virou a cabeça de lado para ver o homem de cabelos loiros com vários fios já embranquecidos e sorriso acolhedor abaixado na sua frente.
— Meu nome é John Watson.
Ela apenas sorriu quando seus olhos castanhos encontraram os azuis acinzentados dele, mas não disse seu nome como ele esperava que acontecesse.
— Vem comigo.
John a ajudou a ficar de pé e conduziu a desconhecida para dentro do prédio escapando da aglomeração de curiosos que começava a se formar. O médico a amparou enquanto subiam as escadas e a dupla entrou no apartamento pela porta da cozinha.
— Esqueceu onde nós atendemos os clientes, John? — Sherlock não chegou a gritar, mas falou alto o suficiente para que ambos o escutassem.
— Espere aqui — instruiu John o ignorando enquanto puxava uma das cadeiras de perto da mesa para que a mulher pudesse sentar antes de ir buscar o kit de primeiros socorros no banheiro.
Sherlock estava acomodado em sua poltrona habitual e continuava olhando impaciente em direção à cozinha. Sem pressa, o médico pegou tudo que precisava e de pé do lado direito da mulher começou a limpar o ferimento com um algodão embebido em soro fisiológico. Assim que localizou a origem do sangramento, usou gazes secas para estancá-lo.
— Vai arder um pouco — avisou ele antes de passar um algodão embebido em antisséptico sobre o corte.
Mesmo tentando se controlar, ela não conseguiu conter as lágrimas que brotaram em seus olhos e escorreram pelo seu rosto com a dor que sentiu.
— O corte é muito profundo, vou precisar dar alguns pontos — avisou o médico.
— Tudo bem... — Mesmo se sentindo um pouco desorientada, algo lhe dizia para confiar nele.
A mulher esperava por mais dor, no entanto, quando não a sentiu conseguiu finalmente relaxar o corpo. Imaginou que o médico devia ter aplicado um anestésico no local e ficou grata por isso. Não queria reclamar, mas a dor estava beirando o insuportável.
Percebendo que o pior havia passado, ela direcionou sua atenção para o homem que estava no outro cômodo sentando de frente para a porta da cozinha, parcialmente bloqueado por uma poltrona.
Roupas sociais, cachos pretos emoldurando seu rosto e olhar fixo nela com um semblante que transmitia sua impaciência. Seria esse o tal Sherlock Holmes que poderia ajudá-la? — pensou. Ela ficou um pouco amedrontada com a perspectiva.
— Quase terminando — anunciou o médico.
A mulher voltou a atenção para o homem que cuidava dela e ficou envergonhada ao perceber que havia repousado a cabeça sobre o peito dele. Ela imediatamente tentou corrigir a postura, mas John, de forma firme e ao mesmo tempo delicada, usou o pulso direito para mantê-la no lugar onde estava.
— Não se incomode. — Ele deu o último nó e cortou o fio. — Agora se quiser se limpar antes que eu cubra os pontos com uma gaze, pode usar o banheiro. — John apontou para a porta do cômodo.
Ela agradeceu antes de levantar e caminhar, um pouco vacilante, fechando a porta depois de passar. A dúvida se havia tomado a decisão certa de seguir até o 221B da Rua Baker logo surgiu. O doutor Watson parecia ser um bom homem, mas o outro a estava deixando com medo.
Enquanto a água limpava o sangue de suas mãos e rosto, ela pensou em alternativas que poderia ter buscado como a polícia. Mas a ordem em seu subconsciente de procurar especificamente pelo detetive era forte demais para ser ignorada.
Quando olhou seu reflexo no espelho, o pânico tomou conta da mulher e antes que se arrependesse, decidiu continuar com a ideia de pedir ajuda a Sherlock Holmes. O médico a esperava perto da porta do banheiro.
— Vou terminar de fazer o curativo lá na sala. — Ele a conduziu para o cômodo adjacente e ofereceu uma cadeira de frente para as duas poltronas.
Enquanto John terminava de cobrir o machucado, o outro homem a olhava de forma ainda mais incômoda com seus olhos azuis parecendo analisar cada centímetro seu. Quando terminou o que fazia, o médico sentou na poltrona vazia à esquerda dela e a mulher foi quem quebrou o silêncio.
— Você é Sherlock Holmes. — A pergunta acabou saindo com a entonação errada e pareceu mais uma afirmativa.
— Sim, mas isso todo mundo já sabe — confirmou o detetive. — A única pessoa sem identificação nessa sala é você. — Ele estava com as mãos juntas uma a outra e apontou os dedos indicadores para ela. — Então podemos começar por aí. Quem é você?
— Eu não sei. — Os olhos da mulher se encheram de lágrimas. — Eu preciso da sua ajuda para saber quem eu sou, senhor Holmes.
O rosto de Sherlock se iluminou com um sorriso da certeza de que teria um caso para resolver.
***
Finalmente o primeiro capítulo dessa fanfic que eu comecei a escrever em 8 de maio de 2020 depois que minha vida praticamente foi salva por esses dois meninos da Baker Street. Sem Sherlock Holmes e John Watson teria sido tudo muito pior.E aí, muita ansiedade para acompanhar o desenrolar desse mistério? Será que Sherlock Holmes vai descobrir a identidade dessa mulher misteriosa?
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Memórias Anônimas
FanficA tarde entediante se transforma com a chegada de uma mulher ferida e sem memória implorando pela ajuda de Sherlock Holmes, mas graves acusações trazidas por Mycroft Holmes colocam em dúvida suas verdadeiras intenções. Porém, após vê-la salvar a vid...