Meu chá nunca pareceu tão amargo quanto naquele momento. Nunca foi fácil ser líder do círculo do deserto. Ainda mais sendo uma mulher que todos insistem em diminuir. Mas sempre consegui controlar a situação. Menos agora.
—Como assim a magia cessou? —Hally indagou, parecendo prestes a entrar em erupção, já que suas bochechas estavam mais vermelhas que seus cabelos.
—A culpa é sua! —Winder exclamou. —Sua obrigação era proteger a magia e as estrelas. Se ela cessou, sumiu ou o que quer que seja, a culpa é sua!
—Vamos manter a calma! —Pedi, engolindo em seco.
—Calma? —Hally soltou um arquejo. —Nossas terras estão sem magia e você está pedindo calma? Sabe o que pode acontecer se não ajeitarmos esse seu erro?
—Senhora! —Kardan fez uma careta. —Vamos parar de fazer acusações. Temos que pensar com sabedoria. Culpar a Srta. Aziz não vai ajudar em nada agora.
—Ora, pela deusa das estrelas, estamos sucumbindo ao caos e você vem defendê-la! —Winder resmungou, apontando para a cidade do lado de fora. —A tempestade de areia vai ser o último de nossos problemas se a magia não voltar.
—Eu tenho plena certeza disso e vou resolver a situação! —Afirmei, erguendo um pouco a voz, já que eles pareciam não saber discutir algo sem gritar. —Vou solicitar um encontro com os deuses e contar a eles o que aconteceu. Tenho certeza que nossa deusa das estrelas tem alguma resposta pra isso. Para não assustar ninguém, é melhor que isso não saia daqui.
Eles me encararam em silencio, enquanto eu sentia que estavam todos me julgando. Não sei como isso foi acontecer. Não sabia que era sequer possível. A magia vinha da deusa das estrelas e se ela cessou, deve ter alguma ligação com ela. Mas eles não pensam assim. Como sempre, a culpa é minha.
—Os problemas que a tempestade trouxe já estão sendo resolvidos com a maior velocidade que conseguimos trabalhar. Peço, gentilmente, que vocês se juntem com os membros de suas raças e os ajudem a reerguer nossa cidade. —Prossegui, agora usando um tom de voz baixo e controlado. —Enquanto a solicitação é enviada a Catedral, tenho outros problemas a resolver. Alguém tem alguma pergunta ou dúvida? —Nenhum deles disse nada. —Bem, me deem licença.
Me coloquei de pé, ignorando o olhar irritado de um vampiro e uma bruxa e, me retirei da sala, indo direto até a minha. Assim que a porta se fechou atrás de mim, me escorei na mesma e soltei o ar com força, sentindo meu corpo tenso e minha mente girando.
Não demorou um segundo para que alguém batesse na minha porta. Me obrigando a caminhar até minha mesa e parecer o mais tranquila possível antes de permitir a entrada.
—Você está bem? —Cal indagou, passando pela porta e caminhando até mim.
—Já tive momentos melhores. —Afirmei, soltando um suspiro ao sentir as mãos dele nos meus ombros.
—A culpa não foi sua. Ninguém aqui imaginaria que seria possível a magia cessar. Confio em você, Alita. Sei que pode resolver isso. —Ele se abaixou e deu um beijo na minha testa. —Não é a toa que está a mais de dois séculos no comando de tudo.
—Espero que você tenha razão. —Afirmei, ficando de pé e caminhando até o armário no canto da sala. —Pode enviar a solicitação a Catedral pra mim? Vou até o sul do deserto ver a questão dos corpos encontrados.
—Claro. Quer que eu vá com você? Ou peça pra Meri ir?
—Posso resolver isso sozinha. —Afirmei na mesma hora, abrindo o armário e puxando minha espingarda. Cal ficou observando enquanto eu colocava o cinto com as balas na minha cintura e carregava a arma. —Se eu estiver certa, eram apensar elfos quebrando as regras, que acabaram sendo pegos pela tempestade de areia.
—E se estiver errada? —Cal cruzou os braços, arqueando as sobrancelhas.
—Então alguém se aproveitou da tempestade para matar elfos. —Fiz uma careta. —De qualquer forma eles não deveriam estar aqui. Vivos ou mortos, suas terras são em Montear.
Olhei para Cal, vendo que ele parecia pensativo. Mas como ele não disse mais nada, o deixei com os próprios pensamentos.
[...]
O lado sul da cidade, que fazia divisa com o deserto que dava para o mar onde a prisão ficava, era a parte mais pobre de Solaris. Muitas famílias sem condições erguiam morada ali, construindo pequenas casas ou erguendo barracas sobre a areia. As ruas eram estreitas e cheias de lenços e tapetes pendurados pelo caminho entre as casas e barracas.
Desviei de um grupo de crianças, olhando ao redor e segurando firme a espingarda nas minhas mãos. O lenço ao redor dos meus cabelos e do meu pescoço balançava a medida que o vento batia contra mim.
—Srta. Aziz. —Olhei para o lado, procurando a voz feminina. Estava esperando uma senhora de meia idade e uma expressão indiferente. Mas a bruxa em questão era loira, com olhos escuros e uma aparência de 20 anos.
—Lila? —Ela assentiu. —Lamento não ter vindo antes. Com a tempestade estamos com problemas até o pescoço.
—Imagino que sim. —Ela fez um sinal para que eu a seguisse. —Encontrei logo que amanheceu. Estão bem na entrada para o deserto. Estranhei o fato de estarem mortos e com um calor desses, não estarem com cheiro algum. —Olhei pra ela com as sobrancelhas erguidas, o que a fez sorrir de leve. —Era de se esperar que estivessem fedendo, certo? Apesar de existir muitos vivos por aqui que fedem como se estivessem mortos.
—Devo concordar. —Murmurei, pressionando os lábios em resignação.
Lila me mostrou o caminho, passando pelas ruas estreitas e desviando de lenços pendurados pelo caminho. Chegamos até a última fileira de casas, onde o deserto se erguia até desaparecer no horizonte, a sombra de algumas montanhas. Segui ela até as paredes parcialmente caídas do que um dia foi uma casa.
—Eu os cobri, com medo que as crianças passassem por aqui e os vissem. —Afirmou, puxando o lençol que os cobria.
Ah, merda. Aquilo era muito pior do que qualquer coisa que eu estava esperando.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...