Capítulo 49: Eu confio em você.

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Me ajoelhei ao lado do meu saco de dormir, começando a enfiar minhas coisas dentro da minha mochila. A maioria dos homens já estava de pé, arrumando suas próprias coisas. Ergui os olhos quando escutei um resmungo vindo de Tallys, antes dele se remexer no saco de dormir de Stella.

—Puta merda, puta merda, puta merda! —Exclamou, erguendo a cabeça de pressa. —Stella, seu furão me mordeu. Segura esse bicho.

—Você deve ter espremido ele. Não foi por mal. —Stella rebateu, enquanto os dois tentavam puxar o furão do meio deles.

—Aí... Ele me mordeu de novo. —Tallys resmungou, começando a se remexer pra sair dali.

—Você vai machucar ele. Para com isso, Tallys! —Stella retrucou, antes de ambos pararem de se mexer e erguerem os olhos, encarando um ao outro sem nem piscar. No segundo seguinte eles saíram do saco de dormir, tropeçando nós próprios pés ao ir um para cada lado, parecendo constrangidos.

Mordi o lábio tentando conter o sorriso, sabendo que existia uma luz de esperança entre eles, por mais pequena que fosse.

[...]

Não sei quanto tempo fazia que estávamos andando, mas meus músculos pareciam congelados. Jacks estava indo na frente, guiando nosso caminho. Não abria a boca para dizer nada para ninguém. Mas em alguns momentos olhava para trás e procurava por mim, como se quisesse ter certeza que eu não havia sumido.

Na maior parte do tempo, caminhei em silêncio também, tentando pensar nos homens que eu havia enviado atrás do corpo de Cal. Queria que eles o encontrassem. Queria que voltassem com alguma coisa concreta pra mim.

Quando a noite chegou, eu me enfiei em um saco de dormir de novo, enquanto via Tallys ir dormir com Stella de novo. Parece que eles tinham chegado a um acordo silencioso. Durante o dia eles mantinham a maior distância possível, mas a noite eles dormiam grudados um no outro, se protegendo no frio, porque o laço de parceria falava mais alto.

Jacks apareceu em algum momento da noite pra se deitar comigo, depois de voar pelo céu noturno tentando achar qualquer sinal de perigo. Quando não achou, se enfiou no meu saco dele dormir e me envolveu nas suas asas negras, passando todo seu calor pra mim.

—Me conte algo sobre você, Jacks. —Pedi de novo, quando senti aquele peculiar rabo dele se enrolando na minha perna de novo. Eu deveria achar estranho, mas por algum motivo, eu achava aquilo adorável.

—Aprendi a voar quando tinha dez anos. Minhas asas já estavam bem desenvolvidas. Meu pai me levou até a colina mais alta de Atlantis e saltou de lá comigo, me jogando no ar. —Eu ergui os olhos pra ele, arregalados. —É assim que as coisas são com os peregrinos, Alita. O amor vem apenas da parte materna, enquanto nosso pai precisa nos ensinar tudo da forma mais bruta possível, para que estejamos preparados para qualquer coisa. Meu pai fez isso com cada um dos meus irmãos, até eles saberem voar perfeitamente. Então comigo, várias vezes, até eu pegar o jeito.

—Você se machucou? —Indaguei, com medo da resposta.

—Todas as vezes. Quebrei meu braço da primeira vez, quando não consegui voar e me choquei contra uma árvore. Na segunda, desloquei uma das asas quando cai de mau jeito no chão. —Ele esfregou a bochecha na minha testa, trazendo uma onda de calor para o meu corpo. —Consegui voar a partir do quarto salto. Então fui para o campo de batalha. Lutas em ringues improvisados. A luta só acabava quando um dos oponentes morria ou desmaiava. É... terrível de várias formas possíveis.

Umedeci meus lábios com a língua, encarando a curva do pescoço dele, enquanto meu rosto estava pressionando seu peito.

—Seus pais ainda estão vivos?

—Eu não sei. Quando tudo aconteceu, estavam. —Ele baixou os olhos até os meus. —Se está se perguntando o que eles pensam sobre o incidente da cabana, minha mãe provavelmente ficou desolada com a minha morte. Meu pai provavelmente não se importou nem um pouco. Os mais fortes sobrevivem, Alita. É assim que as coisas funcionam.

Balancei a cabeça, absorvendo todas aquelas palavras dele.

—Quantos anos você tem?

—138 anos. —Ele ergueu o queixo, engolindo em seco. —Meu aniversário é no ápice do inverno, daqui a dois dias. Vamos chegar a minha vila amanhã ao anoitecer, muito provavelmente.

—Tudo bem. E como as coisas funcionam por lá? —Fiz menção de me afastar, mas o rabo dele fez pressão ao redor da minha perna, fazendo meu corpo estremecer.

—Como nos outros territórios, temos representantes. Um mago, um peregrino e um feiticeiro. O peregrino é quem lidera nossa vila. O nome dele é Maximus. Costumavam ser receptivos. —Explicou, enquanto eu processava o nome daquele peregrino, como a coisa mais importante a saber. —Então provavelmente não teremos problemas. Só precisa me deixar guiar vocês, Alita. Sei o que fazer.

—Jacks... —Mordi o lábio, balançando a cabeça negativamente, antes de fechar os olhos com força. —Só queremos um lugar seguro pra ficar, até termos uma ideia do que fazer.

—Eu sei. —Ele segurou meu queixo, me obrigando a olhar pra ele. —Você tem a minha lealdade. Então, confia em mim. Quero assegurar que vocês serão bem recebidos.

Engoli o nó que se formou na minha garganta, sentindo a pressão dos dedos dele no meu queixo. Não sabia onde estava toda raiva que ele sentia por mim naquele momento, mas havia algo ali agora. Algo nos olhos dele e na forma como aquela coisa se enrolava na minha perna, deixando claro o que Jacks queria.

—Eu confio em você. —Afirmei, porque era a mais pura verdade.

[...]

Na manhã seguinte, continuamos nosso percurso. O frio se tornou mais intenso e a neve começou a cair dos céus, deixando nosso caminho ainda mais difícil de prosseguir. Segui ao lado de Jacks dessa vez, porque sabia que estávamos quase chegando. E quando a noite começou a surgir no horizonte, fogueiras e tochas começaram a pintar a floresta a nossa frente, até chegarmos ao final da linha das árvores.

Entre um pequeno vale de montanhas baixas e cobertas de neve, uma pequena vila se erguia, com casas de pedras e madeira. Fumaças saiam das chaminés, enquanto fogueiras se erguiam em meio a pequenas praças de fontes congeladas e árvores brancas. As ruas eram largas, parcialmente de pedra. No centro de tudo, havia uma construção maior, como um chalé que poderia ser facilmente confundido com um castelo.

Jacks parou de andar, soltando uma respiração pesada, enquanto seus olhos vagavam por cada cando daquele lugar, como se reconhecesse tudo. Ajeitei o lenço nos meus cabelos, umedecendo os lábios com a língua.

—Aquele chalé é onde ficam os representantes? —Indaguei, vendo ele balançar a cabeça afirmativamente e então começar a andar direto para aquela construção.

—Vamos. Acho que chegamos bem na hora do banquete. —Afirmou, fazendo meu rosto se curvar em uma careta, antes de segui-lo junto com os outros.



Continua...

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