Havia uma poça de água no meio da cela em que estávamos. Uma goteira incessante que não parava de criar um eco naquelas paredes de pedra. Já tinha estado na parte mais bonita da Catedral, assim como na parte mais suja, essa prisão. Não conseguia ouvir o som de um único pássaro do lado de fora e meus pensamentos pareciam sair em voz alta, quando mais eu tentava entender o que havia acabado de acontecer.
—Por que não o entregou? —Lila indagou, quando o silencio se tornou insuportável. Ergui os olhos até ela, puxando meus joelhos até meu peito e os abraçando. —Cal te traiu e você poderia ter entregado ele, Alita.
—Ele ainda é meu irmão. —Afirmei, umedecendo os lábios com a língua, enquanto pensava. —Só porque ele me traiu, não significa que eu precise baixar o nível e fazer o mesmo. Nunca trairia ele e não é agora que vou fazer isso.
—Mas...
—Não somos iguais, Lila. —Não deixei ela continuar. —Não vou entregá-lo.
Ela ficou em silêncio, me encarando do canto em que estava, enquanto eu também olhava pra ela. Tallys estava na outra parede da cela, fitando os próprios pés, perdido nos próprios pensamentos. Jacks, onde quer que tenha se escondido, conseguiu não ser preso.
—Por que você não o entregou? —Olhei para Tallys, vendo ele erguer a cabeça assustado.
—O que? —Ele olhou de mim para Lila e para mim de novo.
—Por que você não entregou o Cal? Ele não gostava de você, não tentava ser o mínimo simpático e mesmo assim você não o entregou quando descobriu. —Afirmei, vendo ele piscar várias vezes, pressionando os lábios juntos. —Por que não o entregou?
—Eu já te disse. Ele era seu irmão, Alita. E você é minha melhor amiga. Não faria uma coisa dessas com você. Se eu contasse, você teria que decidir a punição do seu próprio irmão e eu sei o quanto isso acabaria com você. —Ele se remexeu, engolindo em seco. —E eu também não contei a você porque achava que Cal é quem deveria contar. Mas sabe... eu não estava esperando por isso.
Olhei pra ele por alguns segundos e então para Lila de novo, que estava encarando a janela sobre minha cabeça, por onde a única luz da cela entrava.
—Por que você acha que ele fez isso? —Lila indagou. —Ele faz as coisas sujas dele e agora entregou a própria irmã por tentar fazer algo certo pelos meios "errados".
—Bem, não faz muito sentido, não é? —Dei de ombros, abrindo um sorriso fraco.
—E vamos ficar sentados aqui, esperando nossa morte? —Tallys indagou, fazendo uma careta. —Ou vamos tentar fugir?
—Como, exatamente, você quer tentar fugir? —Olhei pra ele com as sobrancelhas erguidas. —Nenhum de nós aqui é o Jacks, que consegue conjurar coisas.
—Sim, sim, sim... é claro. —Ele bufou, esfregando a nuca. —Aquele peregrino de merda. Nem pra ser preso junto com a gente. Aposto que está voando pra bem longe daqui agora.
—Ele ainda está ligado a mim pelo acordo. —O lembrei, vendo ele enrugar os lábios em reprovação. Me ajeitei no lugar, inclinando meu corpo na direção que ele estava. —Vai me explicar qual o problema entre você e a Stella? É briga ou apenas não vão com a cara um do outro?
—Isso não está me questão agora. Inclusive, ela traiu a gente também. —Afirmou, exibindo uma expressão defensiva e irritada. —E puta merda, de todos, ela era a única que eu não esperava isso. Acho que estou julgando muito mal as pessoas.
—Sim, eu também estou. —Indiquei a cela ao nosso redor, fazendo ele soltar uma risada nervosa. —Por que achou que ela era a única que não nos trairia?
Ele abriu a boca para responder, fechando-a segundos depois. Então abriu de novo, mas nada saiu. Tallys engoliu em seco, piscando várias vezes e desviando os olhos de mim, parecendo muito envergonhado. Ergui as sobrancelhas, percebendo que ele não tinha resposta para aquilo.
—Está desconfiando de mim, amor? Porque sério, a única coisa errada que eu fiz foi roubar aquele sangue e dar pro Breno. Mas você já sabe a história toda. —Murmurou, passando as mãos nos cabelos, antes de me fitar com os olhos cerrados. —Ainda sou seu melhor amigo?
—Não sei. Melhore amigos não escondem as coisas. —Dei de ombros, escorando minha cabeça na parede atrás de mim, sem parar de encará-lo. —E você já me escondeu a coisa do Breno e está fazendo isso agora com a Stella.
—Ela tem razão. —Lila concordou, olhando pra ele com uma expressão resignada.
—Puta merda, puta merda, puta merda! —Ele ficou de pé, esfregando as mãos no rosto com força, antes de parar na minha frente, com uma expressão frustrada e irritada. —Ela é minha parceira, tá legal?
—Puta merda! —Lila repetiu, parecendo chocada. Olhei dela paga Tallys, que estava andando de um lado para o outro da cela, sem conseguir ficar parado.
—Viu, por isso que não contei. É uma coisa confusa que não faz o membro sentido! —Ele olhou pra mim, gesticulando para o nada. —Minha parceira é uma deusa inferior! Uma deusa inferior como você, Alita! Ela não é uma vampira como eu, mas foi destinada a mim!
—Ela sabe? —Indaguei, ficando de pé, enquanto tentava absorver aquela informação. —Isso não faz parte da nossa cultura, Tallys. Talvez Stella não saiba e...
—Bem, eu não sei. O laço está bem visível pra mim. Mas ela me trata como se eu fosse uma pedra no meio do caminho, que ele precisa se livrar. Talvez seja por isso que eles nos entregaram. —Ele deu de ombros, soltando uma risada nervosa. —Como eu vou saber? Estava procurando por ela que nem um louco, e ela nem é uma vampira e muito menos olha na minha cara. Talvez ela não entenda o laço. Não sei. Não importa mais agora, certo? Porque vamos todos morrer com um tiro na cabeça.
Ele voltou a se sentar, escondendo o rosto entre os joelhos, enquanto aquelas palavras pairavam no ar, pesadas entre as paredes rochosas daquela cela. Olhei para Lila, que agora observava Tallys com um pouco de pena. Ele estava certo sobre algumas coisas e errado sobre outras.
Não íamos morrer, eu tinha certeza disso.
Jacks ainda devia sua lealdade a mim, o que significava que ele viria atrás de nós em algum momento.
Stella sabe sobre o laço, porque Jacks pode vê-lo e deixou isso bem claro naquela discussão dias atrás, entre nós três.
Eu sei quem me traiu.
E não foi meu irmão.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...