Capítulo 32: Montear.

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As únicas florestas verdes e vivas que eu havia visto em toda minha vida foram na Catedral, das vezes que eu visitei os deuses. Mas em Montear as coisas eram diferentes, porque as florestas cobriam cada parte desse território, com fazendas imensas se erguendo pelo caminho.

A cidade principal de Montear ficava perto das montanhas, o que nos dava uma bela vista de uma cascata que caia ao horizonte, entre as colinas acinzentadas. As casas, em sua maioria de pedra e madeira, se erguiam ao redor de ruas de pedra, praças e jardins floridos.

Chegamos em Montear por uma sala de espelhos em um mercado de tecidos. Não foi difícil lembrar daquele vampiro e sua loja de tapetes em Solaris. Era noite quando saímos para as ruas, caminhando pelas partes mais escuras e silenciosas, tentando evitar os guardas.

Tallys estava ao meu lado, caminhando em silencio, enquanto Stella estava atrás de nos, com os ombros rígidos e uma expressão séria. A conversa do dia anterior deixou o clima pesado entre todos nós, mas eu não ousaria tentar quebrar o gelo, depois de como ela falou. Lila havia ficado no mercado negro e Jacks estava voando acima das nuvens, para não chamar tanta atenção.

—Você tinha razão. —Falei para Tallys, vendo ele girar o rosto e erguer as sobrancelhas pra mim. —Sobre os deuses, você tinha e tem razão. Se eles quisessem, transformariam Solaris em um lugar como este.

—Eu falei aquilo porque estava com raiva. —Rebateu, parecendo tentar contornar a situação.

—Não deixa de ser verdade, Tallys. —Afirmei, dando de ombros. —Mas estou fazendo isso pelo povo e não pelos grandes deuses.

Tallys ficou em silencio, mas eu vi o sorriso pequeno que estava nos seus lábios. Paramos de caminhar quando a silhueta do palácio surgiu no final da rua. Jacks voltou para o chão, pousando em um beco escuro, mas eu ainda podia ver seus contornos e o brilho dos olhos prateados.

—Vai. —Stella o indicou com a cabeça. —Vou me manter perto do palácio. Qualquer sinal de algo errado nós agimos.

—Boa sorte. —Tallys apertou minha mão, antes de eu caminhar até Jacks, que me aguardava com uma calma e tranquilidade surpreendentes. Parei na frente dele, com o coração martelando no peito, pronto para explodir.

—Achei uma varanda que podemos usar pra entrar. —Jacks murmuro, com a voz se perdendo no meio da noite. —Não existe vestígios da magia aqui. Provavelmente já sumiu por causa do tempo.

—Tudo bem. —Me aproximei mais dele, erguendo as sobrancelhas e pressionando meus lábios. —Não ouse me derrubar de novo!

—Eu nem pensaria em fazer algo assim. —Afirmou, com um ar inocente que me fez revirar os olhos. —Você não faz ideia, não é, Alita?

Jacks me pegou no colo antes que eu conseguisse pensar sobre o que estava prestes a acontecer. Agarrei seus ombros e afundei meu rosto na curva do seu pescoço quando ele abriu as asas e então disparou para o céu escuro, com uma velocidade que fez todo meu corpo estremecer.

Continuei de olhos fechados, sentindo o ar frio ao redor, ao mesmo tempo que o calor do corpo dele me abraçava, com seus braços firmes ao redor de mim. Senti o corpo dele ficar tenso quando apertei minhas mãos na sua nuca e meus lábios sem querer roçaram na pele febril do seu pescoço.

No início pensei em me afastar e abrir os  olhos para ver aonde ele me levava, para observar a cidade abaixo de nós. Mas depois percebi que gostava muito da forma como ele reagiu aquilo. Jacks adorava me lançar olhares raivosos e de indiferença, que eu nunca sabia como reagir ou lidar. Mas ali estava ele, parecendo oscilar apenas por um roçar de lábios.

Me agarrei mais a ele, com meu interior vibrando quando rocei meus lábios de novo no pescoço dele, fingindo ser um ato acidental e de uma forma breve, como uma pena. Ele ficou mais tenso e eu senti seus braços ficarem mais rígidos ao redor de mim, enquanto sua respiração falhava.

Sim, eu poderia ser uma deusa inferior terrível que ele odeia, mas ainda o afeto. Isso era bom. Era muito, muito bom. E eu não podia negar que fazia muito bem para o meu ego também.

Jacks pousou segundos depois, me soltando no chão com um cuidado surpreendente. Ergui os olhos pra ele, vendo aquele par prateado me encarrando como se pudesse ver tudo que havia dentro de mim. Ergui as sobrancelhas pra ele, mas Jacks não disse nada apenas me encarou por longos segundos.

Fingindo que nada havia acontecido, me virei para a porta da varanda, que tinha as cortinas abertas e revelava uma biblioteca, ajeitando o lenço sobre meus cabelos, que havia caído enquanto voávamos. Jacks abriu a porta em segundos, conjurando uma chave.

—Onde você arruma magia pra fazer isso? —Indaguei baixinho, quando entramos na biblioteca. Jacks não respondeu, o que me fez olhá-lo por cima do ombro e encontra-lo ainda me encarando. —O que foi?

—Você. —Ele soltou uma respiração pesada, desviando os olhos para marchar irritado até a porta.

Fiz uma careta com aquilo, ao mesmo tempo que queria rir da expressão emburrada dele. Mas fiquei quieta, porque agora era a parte mais importante, encontrar Sallow e conversar com ele pacificamente. Ou pelo menos tentar. Nunca gostei muito de elfos e talvez só tenha feito uma imagem ruim dele e pensando que todos são igual. Mas também, ninguém gosta muito de deuses inferiores.

Caminhamos pelos corredores silencioso e iluminados pelas tochas. A pistola na minha mão parecia incrivelmente pesada. Não queria matar ninguém inocente, mas também não queria acabar levando um tiro e morrendo em vão. Jacks parecia calmo, o que me deixava mais ansiosa e irritada a cada instante. Ele podia pelo menos parecer minimamente nervoso com o que íamos fazer.

Quebrar ainda mais as regras. Ameaçar o líder de um dos círculos líderes dos territórios. Eu esperava que no final isso valesse a pena.

—Não acha que está quieto demais? —Jacks indagou, olhando para o corredor atrás de nós. —Onde estão os guardas? —Parei de caminhar, olhando pra ele com uma careta. —Qual a possibilidade de Stella entregar a gente direto pra eles?

—Ela não faria isso. —Engoli em seco e hesitei. —Eu acho. —Jacks soltou uma risada irônica. —O que quer fazer? Já estamos aqui dentro, Jacks.

—Eu sei. Só não quero ser preso de novo. —Ele me lançou aquele olhar de puro rancor. —Quero aproveitar depois de tantas décadas.

—Ninguém vai ser preso. —Voltei a andar, sentindo meus ombros pesados por ouvir aquilo. Minha mente repetia que eu só estava fazendo meu trabalho quando o prendi anos atrás. Eu não o conhecia e eu só estava seguindo as leis.

Jacks segurou meu braço quando ouvimos o som de algo no corredor escuro. Pareciam patas, pesadas e rápidas, ficando cada vez mais altas, quanto mais se aproximavam de nós dois. Dei um passo para mais perto de Jacks, erguendo a mãos e mirando a arma na direção que o barulho vinha.

Lembrei da imagem daquela criatura na casa de Lila. A forma como se movimentavam, atacava. Isso me fez apertar ainda mais a arma nas minhas mãos, até que a coisa finalmente apareceu.



Continua...

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