Abri a porta do cômodo adjacente ao quarto, depois de enrolar meu corpo nu e molhado em uma toalha que Stella havia arrumado. Lila estava entrando no quarto no mesmo instante, já que iríamos dividir o espaço.
—Oh, perdão! —Ela se virou, enquanto eu curvava meus lábios em um sorriso.
—Tudo bem. Eu esqueci a roupa. —Falei, caminhando até o montinho de roupas dobradas em cima da cama. Lila pegou suas próprias coisas para ir se banhar, parecendo mais cansada do que qualquer um de nós.
—Acha que vamos conseguir falar com Sallow? —Indagou, se escorando no batente da porta que dava para a banheira, enquanto me observava pentear os cabelos úmidos.
—Bem, eu espero que sim. Tenho quase certeza que ele tinha ligação com Breno. —Afirmei, engolindo um pouco a frustração de tê-lo encontrado morto. Tudo bem, eu não gostava nem um pouco dele. Mas eu não desejava que ele morresse. —Stella disse que tem alguns homens infiltrados no palácio de Montear. Então talvez não seja tão difícil assim.
Ela balançou a cabeça afirmativamente, encarando um ponto fixo no chão como se estivesse pensando longe. Não sabia muita coisa sobre Lila, já que nossos únicos diálogos foram sobre os elfos mortos, os monstros e a magia desaparecida.
—Se arrependeu de ter vindo? —Indaguei, vendo ela erguer os olhos até mim, fazendo uma careta.
—Acha que eu me arrependi? —Ela negou com a cabeça. —Só estou pensando nos desdobramentos que essa história pode ter. Temos poucas pistas, um peregrino que sente a magia e um grupo de contrabandistas nos ajudando.
—É, não era assim que eu imaginava que minha vida seria. —Comentei, soltando uma risada nervosa. —Pensei que passaria minha vida liderando o círculo do deserto. Estava imensamente errada.
—Mas você tem a eternidade toda pela frente. Todos vocês tem. —Ela gesticulou com a mão. —Tallys, Jacks... Stella, você. —Ela umedeceu os lábios com a língua. —Eu sou uma bruxa que vai envelhecer e morrer em algum momento. Não vou chegar a um século de vida. Acho que foi por isso que não pensei muito sobre vir ou não e ajudar nisso. Tenho 22 anos e não fiz nada na minha vida até agora, além de poções idiotas e encantamentos que não serviam de nada. Se eu morresse, ninguém se lembraria de mim. —Ela fitou o vazio, engolindo em seco. —Acho que essa vai ser minha única chance de deixar meu nome marcado na história. Se formos encontrar a magia, quero que se lembrem que uma mera bruxa estava lá e ajudou, e que o nome dela era Lila. —Os lábios dela tremeram, mas Lila não hesitou. —Tenho medo de ser esquecida, Alita. Não quero ser.
—Você não vai. —Afirmei, olhando pra ela com a sensação mais estranha tomando conta de mim. —Você não vai ser esquecida, Lila. Prometo a você.
Ela me encarou por alguns segundos e então se virou, fechando a porta atrás de si.
[...]
Entrei no escritório de Stella, encontrando Jacks ainda sentado no sofá, encarando um ponto fixo na parede. Fiz uma careta, olhando para Stella do outro lado da mesa de madeira, recebendo apenas um dar de ombros. Não abri minha boca para Jacks. Os cabelos úmidos dele, ao redor dos chifres, deixava claro que ele já havia tomado banho.
—Pra onde estamos indo agora? —Indaguei, puxando a cadeira na frente da mesa de Stella e me sentando.
—Para o mercado negro. —Ela umedece os lábios. —O meio mais rápido para chegar ao centro de Montear é por ele. —Olhei pra ela, respirando fundo. —Não se preocupe, conheço o mercado negro como a palma da minha mão.
—Tudo bem. Só estou pensando como esse lugar deve ser. —Comentei, imaginado uma versão sombria de uma cidade.
—Agradável da sua maneira. —Stella afirmou.
Dei um pulo da cadeira, tropeçando para trás quando algo branco e gorducho caiu sobre a mesa com um baque, balançando todas as coisas sobre ela. Jacks estava de pé atrás de mim no mesmo instante, segurando meus ombros e me impedindo de cair de bunda no chão.
Stella soltou uma gargalhada, curvando a cabeça para trás, enquanto o furão branco olhava pra mim com os olhos muito grandes e negros, enquanto tinha um pergaminho enrolado na boca. Jacks apertou meus ombros e eu senti sua respiração acariciar minha nuca e arrepiar todos os meus pelos.
—Tem medo de furões, vossa graça? —Indagou, soltando uma risadinha quando fiz um gesto obsceno pra ele.
—Este é Lore, meu furão de estimação. —Stella murmurou, ainda rindo, enquanto Lore se virava pra ela e deixava o pergaminho na sua mão. —Me faz companhia, entregas de correspondência e roubos pequenos.
—Você ensinou isso a ele? —Indaguei, me sentando de volta na mesa. Stella assentiu com a cabeça, acariciando o furão que agora estava no braço da sua cadeira, se esfregando nela.
—Sim, eu o encontrei ainda bebê. É mais fácil se ensinar quando eles ainda são pequenos. —Comentou, abrindo o pergaminho ao mesmo tempo que sorria. —Alguém está preocupado com você.
Ela me jogou o pequeno pergaminho, enquanto eu fazia uma careta e o abria para ler. Ergui as sobrancelhas e não consegui evitar de sorrir ao reconhecer a letra de Cal.
"Minha irmã está com você?
Se sim, por tudo que é mais sagrado, mantenha-a viva e em segurança.
C. A"—Acho que ele está se transformando em um maníaco superprotetor. —Afirmei, vendo Stella soltar uma risada e pegar um pergaminho e uma pena, escrevendo algo, antes de enrolar e entregar para Lori, que o abocanhou e então desceu da cadeira, desaparecendo da sala em um piscar de olhos. —O que você disse?
—Que você vai chutar a bunda dele por ser um maníaco superprotetor. —Murmurou, me fazendo rir, o que virou uma gargalhada segundos depois, quando ela completou. —E eu deixei claro que iria ajudar, óbvio.
Olhei para Jacks por cima do ombro, depois de o ouvir bufar. Não precisa perguntar para saber que tudo envolvia sua aversão a irmãos. Meu sorriso morreu no meio dos meus lábios e eu desejei saber o que de fato eles fizeram pra ele.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...