Me sentei em uma cadeira de frente para a estranha lareira da sala de estar de Stella. Estávamos de volta ao mercado negro, depois de uma missão terrível que não deu em nada. Ou melhor, só serviu para Sallow colocar a culpa em mim.
Tirei a faixa que estava enrolada na minha coxa, encharcada de sangue depois de eu ter tentado tomar um banho para tirar a sujeira do corpo. Ainda podia sentir as gotas de água que escorriam do meu cabelo para minha camisa.
A porta rangeu atrás de mim, me obrigando a puxar a toalha que estava na mesinha ao lado pro meu colo, já que eu estava apenas de calcinha da cintura pra baixo. Não precisei olhar para trás para saber quem havia entrado.
—Onde Tallys está? —Jacks indagou, sem se mover de onde estava. Pressionei meus lábios em negação, antes de pegar o paninho para limpar o sangue que manchava minha pele.
—Saiu. Muita gente sangrando por aqui. —Respondi o óbvio, porque eu não era a única qe tinha levado um tiro. A diferença é que Jacks é quem havia atirado em mim e agora eu queria dar um soco na cara dele.
—E a Lila?
—Cuidando dos feridos. —Falei, quase como um rosnado, antes de pegar o frasco com poção de cura que ela havia me entregado antes de ir cuidar dos outros e a faca limpa que eu iria precisar. Observei Jacks se aproximar pela minha visão periférica. Virei a cara para que ele não visse meu rosto, sentindo apenas o calor das chamas da lareira.
—Você está com raiva de mim. —Constatou, me fazendo soltar uma risada abafada e me voltar para ele. Jacks estava me encarando com uma expressão afetada, parecendo se segurar para não olhar para minhas pernas nuas.
—Ah, você jura? —Zombei, deixando que ele percebesse a raiva no meu rosto. Jacks engoliu muito lentamente, com as asas encolhidas atrás dele. —Você atirou em mim!
—O cheiro do seu sangue chamaria a atenção do Tallys. Você sabe disso. —Afirmou, como se fosse desculpa suficiente. Mas isso só me fez cerrar o punho.
—É eu percebi, obrigada. —Soltei, fazendo um barulho de descontentamento com a boca. —Mas um tiro, sério? Não é como se você não desejasse fazer isso normalmente.
Ele ficou em silencio, me observando morder o lábios para não gritar quando segurei uma faca e tentei tirar a bala da minha perna, fazendo minha pele queimar e latejar. Meus olhos se encheram de lagrimas, mas me obriguei a engolir todas elas de volta.
—Tem razão, sempre quis dar um tiro em você. —Não sei como aconteceu, mas em um segundo ele estava de pé do outro lado da sala, agora está ajoelhado na minha frente, tomando a faca das minhas mãos. —Porque você atirou na minha asa. Porque você me impossibilitou de voar. Porque você me prendeu por décadas em uma caverna escura e solitária. Porque você está me obrigando a servi-la por minha liberdade. Porque você... porra!
Desviei os olhos quando ele praguejou, segurando minha perna e deixando meu pé escorado no seu joelho. Minha pulsação acelerou quando ele deixou a mão espalmada na minha coxa, enquanto encarava o ferimento que queimava como o inferno.
—Bem... —Soltei o ar com força quando ele limpou o sangue que saía, antes de encarar a lamina pequena. —Acho que isso nos deixa quites então.
—Se quer saber, isso não faz eu me sentir melhor. —Comentou, como se estivesse revelando um segredo, antes de engolir muito lentamente. —Queria machucar você e ainda quero. Mas não gostei de ter atirado em você. Eu queria, mas não gostei.
—Isso não faz sentido. —Declarei, sentindo o polegar dele fazendo círculos na parte interna da minha coxa, fazendo meu sangue esquentar.
—Muita coisa não tem feito sentido na minha cabeça ultimamente.
Ele aproximou a faca do ferimento, fazendo meus olhos se fecharem com força, esperando pela onda de dor. Mas eu não senti absolutamente nada. Meu corpo tremulo se acalmou e o latejar na minha perna passou, restando apenas um leve desconforto. Eu sentia apenas o polegar dele deslizando pela minha pele, deixando um rastro de fogo.
Quando abri meus olhos o encontrei tirando a bala com a faca, com uma expressão totalmente neutra, com os olhos duros e tensos. Soltei um suspiro pesado e me recostei na cadeira, deixando que ele despejasse a poção de cura no ferimento. Também não senti a pele queimar, como normalmente acontecia com aquela poção.
—O que você fez? —Indaguei, vendo a tensão no maxilar dele e o quanto seus ombros estavam rígidos.
—Tirei sua dor. —Murmurou, pegando a faixa limpa para passar pela minha coxa e fazer o curativo. —Vai voltar quando eu tirar as mãos de você. Então... —Ele ergueu os olhos para fitar meus rosto, com os olhos prateados parecendo duas bolas iluminadas, como a lua. —Ainda com raiva de mim?
—E você se importa com isso? —Soltei sentindo meu corpo estremecer quando seus dedos se firmaram mais na minha coxa. —Ainda estou com raiva. Mas agradeço por isso.
Agarrei as bordas da cadeira com força, sentindo a outra mão de Jacks segurar minha panturrilha e então deslizar pela minha perna, como se estivesse testando a macies, me provocando, sentindo minha pele se arrepiar. Não consegui desviar os olhos dele, vendo os dele queimarem em cada parte do meu corpo, enquanto suas mãos ainda deslizavam pela minha pele.
—O que está fazendo? —Indaguei, com o ar preso na minha garganta, enquanto meu coração martelava no peito.
As mãos dele pararam e seus lábios se curvaram em um sorriso, antes de ele lentamente abaixar o rosto, até seus lábios roçarem de leve na minha perna, fazendo todo meu copo estremecer.
—Tirando a sua dor. —Repetiu, com a respiração fazendo cócegas na margem do curativo. —E te mostrando um pouco da sensação que você causou em mim quando estávamos voando.
—Não sei do que está falando. —Afirmei, com a voz saindo tão baixa que quase não ouvi. Jacks soltou uma risada, fazendo as belas asas negras balançarem nas suas costas.
Absorvi a imagem dele de joelhos na minha frente, com minha perna escorada no seu joelho e seus lábios quase ficando minha coxa, enquanto suas mãos impediam que eu a tirasse dali. Seus cabelos escuros estavam caídos sobre a testa, enquanto ele me fitava por baixo dos cílios longos.
Olhei para o par de pequenos chifres na sua cabeça, sentindo uma súbita vontade de tocar naquele ponto e descobrir se causava algo nele. Ergui a mão lentamente, vendo a respiração de Jacks ficar ainda mais rápida quando percebeu o que eu estava prestes a fazer.
A porta se abriu atrás de mim e aquela sensação quente e forte que envolvia nós dois desapareceu, ao mesmo tempo que Jacks saía de perto de mim em um piscar de olhos, parando perto da lareira quando Stella entrou na sala.
—Temos um problema. —Stella declarou.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...