Capítulo 56: Sangue e neve.

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Eu apaguei nos braços de Jacks, como se tivesse tomado o calmante mais forte de todos. Quando acordei de novo, já era noite e o quarto estava iluminado pelas chamas das tochas pelas paredes. Uma das asas de Jacks estava embaixo de mim, me deixando sentir as penas macias na minha pele nua. Meu corpo estava parcialmente sobre o dele, enquanto ele mantinha um braço ao redor da minha cintura, me impedindo de me afastar. E aquele maldito rabo estava enrolado na minha coxa de novo, deixando ela sobre as pernas de Jacks. Acho que nunca me acostumaria com aquilo.

—Por que você cobre seus cabelos? —Jacks indagou, tocando os fios do meu cabelo com a mão livre. —São bonitos demais para ficarem escondidos.

Esses elogios. Acho que nunca me acostumaria com eles também.

—Faz parte do meu povo. Gosto de usá-los. —Afirmei, sentindo meu corpo sonolento apesar de ter dormido como uma pedra. —Por que anda com meu lenço preso na sua asa?

—Porque foi naquela asa que você atirou, Alita. É por causa daquele tiro que estamos aqui. —Esclareceu, com os lábios tocando minha testa. —Acho que teria voltado pra cá se não tivesse sido preso.

—De nada então. Salvei você do convívio com seus irmãos. —Falei, sentindo as unhas dele arranharem meu quadril como um aviso. —Sabe que eles não teriam ficado comigo caso ganhassem de você, não é?

—Eu sei. Você provavelmente ia matá-los. —Ele soltou uma risada baixa que fez meu corpo estremecer. —Mas eu não podia dizer não ao desafio. E também, à perspectiva de vencer deles era deliciosa.

—A perspectiva de dar um tiro na cara deles também é. —Declarei, sentindo o corpo dele tremer contra o meu quando ele riu.

Ergui os olhos para Jacks quando ele ficou tenso e sua mão apertou meu quadril contra o corpo dele, vendo sua expressão ficar séria. As chamas do cômodo oscilaram, enquanto eu sentia que alguma coisa estava muito errada ali.

—Jacks? —Ele me tirou de cima dele, me puxando para fora da cama e jogando minhas roupas pra mim.

—Eles estão vindo. —Afirmou, começando a se vestir tão rápido que quando eu vi, ele já estava me ajudando a enfiar a camisa sobre a cabeça.

—Quem está vindo? —Questionei, terminando de me vestir e agarrando a espingarda. Ergui os olhos da arma para as cortinas fechadas das janelas, sentindo meu coração disparar no peito quando ouvi aquele grunhido monstruoso que conhecia bem.

Eu e Jacks estávamos correndo pelos corredores segundos depois, junto com várias outras pessoas que saiam dos quartos segurando suas armas ao pressentirem que algo estava vindo. E não demorou muito para que gritos começassem a serem ouvidos pela vila. Nós sabíamos como evitá-los, mas eles lá fora não.

Parei de correr, trazendo a espingarda até o meu peito, enquanto fechava meus olhos e respirava fundo, sentindo o peso daquele amuleto escondido entre minhas roupas. Minha garganta secou com a lembrança de Cal, porque ele poderia ter morrido, ou era uma daquelas criaturas lá fora. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu me obriguei a engoli-las.

—Alita? —Jacks ergueu meu rosto, parecendo confuso. —O que está havendo? Temos que ir.

—Eu sei. —Engoli a dor no meu coração, que estava pronta para me consumir. —Eu estou bem. Só precisava de um minuto.

[...]

Caos era uma palavra pequena perto do que estava acontecendo naquele lugar. Criaturas corriam de um lado para o outro, atacando qualquer coisa que se movesse na frente deles. Corpos estavam caídos, manchando a neve com o sangue mais vermelho vivo que eu poderia conhecer. Magos e peregrinos tentavam tirar as crianças e mulheres do caminho, enquanto os feiticeiros estavam lançando magias na tentativa de conter as criaturas.

Me escondi atrás de um muro de pedra, carregando a espingarda pela décima vez, antes de ficar de pé e voltar a atirar. Tinha percebido que poucas coisas machucavam aquelas coisas. Mas atirar nas pernas deles era o suficiente para atrasa-los ou derruba-los. Stella estava do outro lado da vila junto com Tallys, erguendo duas pistolas e atirando em todas as criaturas, enquanto Tallys fazia de tudo para protegê-la.

Fiquei imóvel, em meio aos gritos e as chamas que tomavam algumas construções de madeira. A criatura ficou parada perto de mim, como se pressentisse que havia alguma coisa ali. Não me movi, deixando meu dedo firme no gatilho. Meus músculos ficaram rígidos quando as lembranças de Cal invadiram a minha mente. Sangue manchando a água. Seus olhos arregalados quando foi agarrado e puxado para baixo.

Minhas pernas tremeram e eu senti que estava prestes a desabar bem ali, no meio daquelas criaturas e do caos, enquanto aquele bicho na minha frente aguardava o momento para me atacar. Com os olhos embaçados pelas lágrimas, abaixei o cano da arma e atirei, ouvindo o grunhido da criatura quando acertei sua perna e virei as costas, disparando pelas ruas.

Olhei para trás, com a respiração se prendendo na minha garganta quando outra delas surgiu atrás de mim. Comecei a virar em todas as ruas, tentando fazer com que ele ficasse confuso. Meus pés deslizavam pela neve, quase me levando para o chão. Soltei um grito quando ele saltou, atingindo algumas caixas pelo caminho, logo atrás de mim.

Pulei sobre um muro de pedra, antes de bater contra a porta de uma casa e cair no chão. Olhei para trás, soltando a arma e agarrando uma faca quando a criatura saltou pelo muro, disparando na minha direção. Ela pulou sobre mim, com as garras cortando o ar ao meu redor e os chifres raspando no batente da porta, antes de ser atingida por algo e soltar um grunhido terrível.

Prendi a respiração quando o corpo da criatura caiu sobre o meu, me espremendo contra o chão. Eu fiquei dura como uma pedra de gelo, sentindo meu coração disparar no peito quando observei o chifre da criatura a centímetros do meu rosto.

—Alita? —Ouvi a voz de Jacks, fechando meus olhos quando a criatura foi puxada de cima de mim. —Alita?

—Eu estou bem. —Falei, sem saber ao certo se estava. Jacks agarrou meus braços, me colocando sentada enquanto averiguava se havia qualquer arranhão em mim. —Eu estou bem. Juro.

Jacks me ajudou a ficar de pé, observando a barreira mágica que se erguia ao redor da vila, impedindo que mais criaturas entrassem ali. As criaturas que estavam na vila estavam sendo mortas por lanças de ferro, que atravessavam seus corpos ossudos, como a que havia e atacado. Atravessei o muro da casa com Jacks, vendo que já estavam recolhendo os mortos e feridos.

—Precisamos avisar a eles que os feridos são um risco. —Afirmei, erguendo os olhos para Jacks, que estava com os lábios comprimidos ao ver todos os corpos.

—ALITA? —Olhei para trás, vendo um dos homens que trabalhava pra mim correr na minha direção, acenando para algo atrás dele. Me virei por completo, cerrando os olhos e tentando entender o que era. —ALITA, É O TALLYS! RÁPIDO!

Disparei naquela direção, desviando das pessoas no caminho, tentando desesperadamente chegar até ele. O rapaz que estava me chamando começou a correr de volta para o outro lado, gritando para que abrissem espaço enquanto eu corria e passava por eles. Antes mesmo de chegar até lá, meus olhos já haviam encontrado o problema.

Tallys estava caído, com sangue manchando a neve ao seu redor. Meu coração despencou no peito quando o alcancei, caindo de joelhos ao lado dele e encontrando seu peito todo rasgado, com sangue brotando de cortes profundos que marcavam sua pele, deixando carne e ossos expostos.


Continua...

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