Encarei Lila, que estava sentada na minha cama, com o rosto ainda pálido, segurando uma xícara de chá, com os dedos um pouco trêmulos. Trouxe ela e Tallys pra minha casa assim que a tempestade de areia passou. Não podíamos ficar na casa dela mais um segundo sequer.
Desci os olhos para o desenho na minha mão. Aquele que o senhor na prisão havia entregado a mim e Tallys, quando nos avisou que não haviam sido peregrinos e sim essas criaturas. Agora o desenho que parecia apenas um borrão de carvão, parecia ter ganhado forma no papel, depois de eu tê-lo visto em toda sua glória monstruosa.
A criatura era maior que um cavalo, com o formato do que deveria ser o corpo de um cervo, feito apenas de ossos retorcidos e carne. Esquelético e magro. Onde deveriam ser as patas, existiam um grupo de cinco garras em cada uma, longas e afiadas. A cabeça, fina e com aparência grotesca, se abria uma boca larga e repleta de dentes afiados e finos. Bem no topo, também feita de ossos retorcidos, um par de chifres que o deixavam com a aparência ainda mais assustadora e o fazia parecer maior do que já era.
—Você já ouviu falar nessa coisa? —Indaguei, virando o desenho para Lila. Ela fez uma careta de repulsa e balançou a cabeça afirmativamente.
—São lendas antigas. Fantasmas que não deveriam existir. Não fazem parte das criaturas das sombras, porque não foram criadas pela noite. Essas criaturas eram mitos, que os mais antigos afirmavam já terem pisado no nosso continente, quando ele ainda era um só. —Afirmou, umedecendo os lábios com a língua. —Ouvi histórias sobre eles quando estava estudando bruxaria. Mas pensei que realmente fossem só lendas.
—Qual o nome deles? —Tallys indagou, enquanto caminhava pelo meu quarto sem parar. —O velho lá na prisão disse que eles possuíam muitos nomes.
—Devoradores, esqueletos, carniceiros... podem encontrá-los com esses e muitos outros nomes por aí. —Lila afirmou, dando um longo gole no chá. —Ninguém teve coragem o suficiente para nomeá-los oficialmente.
Olhei para Tallys, pressionando meus lábios em frustração. Tudo estava dando errado. A cidade estava um caos por conta da tempestade de areia, já que nem haviam se recuperado da outra. Além disso, minha única pista de descobrir quem roubou a magia, se transformou em um mostro de ossos e carne, nojento e assustador.
—Como é possível eles aparecerem depois de tanto tempo e depois de terem se tornado lendas? —Murmurei, pensando no fato. —Sangue e magia...
—Eles não surgem, eles são criados. —Lila afirmou, lançando um olhar sarcástico a mim. —Alguém roubou a magia dos deuses pra criar essas criaturas, Alita. E os únicos que podem fazer isso são os peregrinos, magos, feiticeiros ou bruxas. Ou alguém normal com muito conhecimento de magia antiga, o que eu acho difícil.
—Ótimo, isso aumenta nossa lista de suspeitos! —Tallys zombou, com ar irritado. —Como vamos achar a pessoa que roubou a magia, se ela está criando coisas como aquelas?
—Essas criaturas estiveram em todos os territórios na noite que as magias foram roubadas. —Comecei a andar pelo quarto, como Tallys estava fazendo. —São como vampiros, o velho disse. Se não mata, transforma. Então, eles mataram aqueles três feéricos, os três vampiros e aqueles dois elfos que Lila encontrou. —Estalei os dedos, mordendo o lábio inferior enquanto negava com a cabeça. —O ladrão não usou a magia dos deuses pra criar essas criaturas. Ele as criou antes de rouba-la. Estava armando isso. Enquanto as criaturas atacavam, ele roubava a magia das estrelas, da lua e do sol.
—Mas isso ainda não explica o que os três elfos, vampiros e feéricos tem a ver com a história! —Tallys rebateu. —Essa morte deles não faz o menor sentido. Por que matar três seres de raças diferentes em cada território?
—Acho que ele ou ela está querendo brincar e confundir todo mundo. —Lila afirmou, se encolhendo ao beber outro gole de chá. —Sinceramente, não sei como você vai achar o culpado, Alita. Mas essas criaturas não são algo com quem você vai querer lidar.
—Elas obedecem quem as cria? —Indaguei, vendo Lila balançar a cabeça afirmativamente.
—Teoricamente. Mas eu só ouvi histórias e li um pouco sobre isso. Não tem como saber o que é verdade ou não sobre eles. —Ela deu de ombros.
Me sentei na ponta da cama, batucando meus pés no chão sem parar, pesando em qual decisão seria a mais sensata. Desistir de procurar o culpado estava fora de questão. Não iria me acovardar só por causa de um bando de criaturas carniceiras.
—Só tem um jeito de acharmos o culpado. —Afirmei, mordendo o lábio inferior com força. —Rastrear a magia roubada, até encontrá-la.
—Hm, e como você pretende fazer isso? —Lila indagou, soltando uma risada. —Que eu saiba, nenhum de nós três aqui é ligado a magia. Pelo menos não do jeito que você precisa.
—Os peregrinos podem encontrá-la. —Me coloquei de pé, me virando para Tallys, vendo os olhos dele se arregalarem. —Vamos entrar na prisão de novo. Vou falar com Jacks.
—Ele não vai ajudar, Alita. Esqueceu o quão agradável foi da primeira vez? —Ele fez uma careta. —E além do mais, o cara está preso lá. Ele não tem como ajudar e ele não tem o mínimo interesse em te ajudar. Não sei se percebeu, ele te odeia.
—Sim, eu percebi. Mas isso não importa. Precisamos achar a magia e ele é nossa melhor opção. É isso ou sair por aí, vagando pelo deserto e rezando pra encontrar algo. —Afirmei, soltando uma respiração pesada. —Vamos lá de novo, Tallys. Vamos falar com ele e conseguir sua ajuda.
—E como pretende fazer isso se ele está preso? —Indagou, arqueando as sobrancelhas. —Preso por você, ainda por cima.
—Vou fazer um acordo com ele. —Declarei, engolindo em seco, vendo os ombros de Tallys ficarem tensos. —Vou fazer um acordo com ele e tirá-lo daquela prisão.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasíaNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...