Capítulo 26: Contrabandista.

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Quando voltei, Tallys estava ajudando Lila a arrumar suas coisas. Pensei em dizer alguma coisa, mas ele apenas parou por alguns segundos e me olhou sem qualquer expressão, antes de se voltar para Lila e voltar a ajudá-la. Com um suspiro pesado, fui arrumar minhas próprias coisas, passando pela figura imensa de Jacks escorado na parede, me seguindo com os olhos e subindo para o quarto.

—Pra onde vamos? —Indagou, me seguindo. —Dei uma volta pela cidade enquanto procurava seu amigo. Não a mais nenhum sinal da magia aqui. Ela sumiu na casa daquele bruxo.

—Cal me disse o nome de um cara que tem uma sala de espelhos. É do... mercado negro. —Olhei por cima do ombro, vendo Jacks arqueando as sobrancelhas.

—Ah, jura? —Ele pressionou os lábios, parecendo segurar um sorriso. —E o que o irmão da líder do círculo do deserto, faz pra ter contato com um cara do mercado negro?

—Ele é um contrabandista. —Sibilei, muito baixo, vendo Jacks arquear as sobrancelhas e curvar a cabeça, deixando claro que não havia entendido. —Cal... ele é um contrabandista.

Jacks piscou, me encarando por alguns segundos. Mas então, pra minha surpresa, ele curvou a cabeça pra trás e seus ombros e asas balançaram quando ele gargalhou. Uma gargalhada genuína que eu jamais esperaria dele. O som viajou por todo meu corpo, fazendo cada músculo estremecer. Era estranho e ao mesmo tempo soava... agradável?

—Eu não achava que ele provaria meu ponto tão rápido assim. —Ele balançou a cabeça negativamente, com um ar sarcástico. —Eu avisei que irmãos não são confiáveis.

—Para! —Chiei, com a agradável sensação da risada dele se transformando em desconforto. —Não vou deixar você brincar com minha mente, me deixando confusa sobre meu próprio irmão. —Voltei a arrumar minhas coisas. —Só porque os seus foram uns filhas da puta, não significa que o meu também seja.

Ele não respondeu, mas continuou ali, me observando com atenção, antes de sair pela porta e a fechar com mais força do que necessário.

[...]

Lester Kripes era um vampiro super popular, eu logo percebi. Sua loja era o triplo do tamanho de uma loja normal de tapetes e ele tinha muitos, muitos fregueses. Mas trabalhando para o mercado negro por baixo dos tapetes, pôde-se explicar muita coisa.

Ficamos escondidos no final da rua, esperando o número de pessoas que circulavam por ali começar a diminuir. Quando a noite chegou e as ruas ficaram vazias, exceto pelos guardas que faziam sua ronda, atravessamos os últimos metros até lá. Foi Lila quem bateu na porta, exibindo uma expressão séria. Lester surgiu por uma pequena fresta, exibindo uma expressão carrancuda.

—Já estamos fechados, caso não saiba ler. —Resmungou, arrancando uma risada forçada de Lila.

—É, eu sei ler, obrigado por comentar o óbvio. —Retrucou, muito calmamente, antes de baixar o tom de voz. —Ouvimos dizer que você pode nos levar até outro território.

Lester, com os cabelos vermelhos desgrenhando e o rosto pintado de sardas, exibiu uma careta, enquanto cerrava os olhos.

—Eu só vendo tapetes, bruxa. E a loja está fechada. Vá embora. —Jacks enfiou o pé no vão da porta quando ele fez menção de fechá-la. O vampiro ergueu os olhos e avaliou o peregrino, parecendo surpreso, já que ele ainda não havia notado as asas negras. —Não costumo ver muitos de você por aqui.

—E o que você costuma ver? —Tirei o capuz que cobria meu rosto, vendo a expressão do vampiro se transformar em uma surpresa maior ainda, antes de ele rir.

—Fugindo, Srta. Aziz?

—Que bom que sabe quem eu sou. —Desviei de Lila, parando na frente dele. —Cal me disse que você tem uma sala de espelhos. Preciso ir até outro território.

—É verdade? —Indagou, parecendo curioso. —É verdade que roubou a magia das estrelas?

—Conto se abrir a porta pra gente e nos garantir uma passagem para fora desse deserto. —Puxei um saquinho de moedas do bolso, o que Cal havia me dado, vendo o interesse dele aumentar. —Uma passagem para quatro criaturas perdidas.

Ele ergueu os olhos para e avaliou cada um de nós, antes de tirar a corrente que prendia a porta e a abrir, permitindo que entrássemos. A loja estava repleta de tapetes por todo canto, alguns pendurados pelas paredes, outros sobre mesas e alguns amontoados e bem organizados acima de outros, em uma variedade de cores.

—Uma bruxa, uma deusa inferior, um peregrino e um vampiro. —Ele riu, fechando a porta e a trancando quando já estávamos todos lá dentro. —São o grupo mais estranho que eu já vi.

—Você da passagem para qualquer um que queira? —Indaguei, seguindo-o quando o mesmo fez sinal com a cabeça. Ele caminhou até uma porta que dava para um corredor, nos levando ao que eu imaginava ser seu escritório.

—Pelo preço certo? Sim. Mas depende muito. Contrabandistas, como seu irmão, tem passagem garantida por algumas trocas de favores. —Afirmou, e eu vi Lila girar a cabeça para me olhar, parecendo confusa.

—Seu irmão é um contrabandista? —Ela sussurrou, embasbacada. —Puta merda, eu não estava esperando por isso.

—A líder do círculo do deserto e seu irmão contrabandista. —Jacks murmurou, soando sarcástico. —Me parece uma família um tanto interessante.

—Eu não sou mais líder do círculo do deserto! —Rebati, mostrando os dentes pra ele, que me lançou um meio sorriso. Nesse meio tempo vi a expressão de Tallys, que me parecia nem um pouco surpresa. Fiz uma careta, mas me voltei para Lester e seu escritório, quando ele voltou a falar.

—Duas moedas de ouro para cada um que quiser passar. —Ele apontou para o saquinho nas minhas mãos. Com um suspiro pesado, abri o mesmo contei 8 moedas, deixando-as empilhadas sobre a mesa, sobre o olhar atento do vampiro. —Muito bem, srta. Aziz. Sempre me perguntei o que a senhorita e seu irmão tinham em comum, por serem tão diferentes. Mas vejo que não são tão diferentes assim.

Ele puxou as moedas e então estendeu a mão para trás, onde a estátua de madeira de uma sereia sentada sobre uma pedra estava. Pressionei meus lábios em negação, quando ele segurou na área do seio esquerdo dela e pressionou, fazendo um estralo soar pela sala.

—Você disse que da passagem pra qualquer um, pelo preço certo. —Afirmei, vendo a parede onde havia uma estante de livros dar lugar a uma escadaria que descia até um túnel parcialmente escuro. —No dia da primeira tempestade de areia, você por acaso deu passagem a três elfos?

—An... —Ele fez uma careta, coçando a barba longa e ruiva que despontava no seu queixo. —Sim. Dois machos e uma fêmea? É, eu lembro deles. Estavam com pressa.

Olhei pra Lila, ao mesmo tempo que ela olhava pra mim.

—Eles disseram o que vinham fazer aqui?

—Ora, srta. Aziz, o que eles fazem ou deixam de fazer não é da minha conta indagar. Recebendo a minha parte, está tudo certo pra mim. —Ele apontou para a passagem secreta. —Agora, por favor, queiram me seguir.

Tallys e Lila foram na frente, enquanto eu sentia a mão de Jacks se fechar no meu braço, fazendo um arrepio varrer minha coluna quando me virei para encarar os olhos prateados inquisidores dele.

—Você comprou um amuleto? —Questionou, com uma expressão dura.

—Não. Amuletos são difíceis de conseguir e valem uma fortuna. —Afirmei, puxando meu braço pra longe do aperto dele. —Por que está perguntando isso?

Jacks me encarou por alguns segundos, antes de simplesmente dar de ombros e desviar o corpo do meu, para entrar na passagem secreta também. Olhei ao redor tentando entender o que tinha acabado de acontecer ali, antes de soltar uma respiração resignada e seguir o mesmo caminho que ele.



Continua...

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