Lila se afastou, ficando ao meu lado e olhando para os três com uma careta que certamente estava igual a que se formava no meu rosto.
—Eu estava me perguntando o que teria pegado eles. —Lila murmurou. —Com toda certeza não foi nenhum morador daqui.
Me abaixei do lado de um deles, observando pelas roupas completamente rasgadas, o ferimento profundo que havia um pouco abaixo da costela. Havia mais deles, pelo corpo dos três elfos e marcas do que pareciam ser garras, principalmente no rosto e no pescoço.
—Qual conclusão você chegou? —Indaguei, estranhando que nenhum deles tinha cheiro de coisa morta, que pelo estado que estavam, deveriam ter.
—Rastejadores, talvez. Eles tem umas garras gigantes, não tem? —Ela desviou os olhos dos três, parecendo enjoada. —Sei que as criaturas das sombras estão na ilha da prisão. Mas ainda existem algumas perdidas por aí.
—Isso não me parece um rastejador. —Murmurei, apontando para o ferimento maior. —Na verdade...
Me coloquei de pé, ouvindo o barulho de algo sobre a areia. Lila ergueu as sobrancelhas e apontou na direção que o barulho vinha. Ergui a espingarda, caminhado lentamente pela areia macia até dar a volta nas últimas paredes erguidas da carcaça da casa. Desviei de um tapete pendurado no caminho, puxando a trava e erguendo a arma até meu rosto. Ouvi o barulho de novo e então me movi, dando um passo para os fundos de uma casa.
—Ei, que isso, amor! —Tallys apareceu na minha frente, erguendo as mãos como se estivesse se rendendo.
—Que merda, Tallys. —Gemi em frustração, abaixando a espingarda ao mesmo tempo que ele abaixa as mãos e abria um sorriso. —Ta fazendo o que aqui?
—Eu senti o seu cheiro e percebi que vinha nessa direção. Imaginei que tinha vindo ver os mortos. E como eu sou curioso... —Deu de ombros, olhando para a arma nas minhas mãos. —Você ia mesmo atirar em mim?
—Sim. —Afirmei, escorando ela no meu ombro e virando as costas para voltar até onde Lila estava. —Mas você não ia morrer mesmo, então não tem que se preocupar com isso.
—Sabe quanto tempo um vampiro leva pra se livrar de uma bala no corpo? —Indagou, já me seguindo. —Meses dependendo do lugar.
—Que péssimo pra vocês, hein. —Murmurei, vendo ele fazer uma careta. Dei a volta, encontrando Lila no mesmo lugar, olhando para o deserto no horizonte.
—Wow! —Tallys pressionou os lábios em reprovação. —O que rolou com eles?
—Estamos tentando descobrir. —Afirmei, me abaixando de novo, ao lado da elfa. —Algum palpite? Lila sugeriu um rastejador.
—Com essas perfurações aí? —Tallys fez uma careta, se abaixando ao lado de um deles. —Não acho que seja. Eles só tem garras e dentes afiados. Mas com certeza uma espingarda ou pistola não faria isso também. —Tallys olhou pra mim, juntando as sobrancelhas. —O sangue deles tá estranho. Contaminado com alguma coisa.
—Foram envenenados? —Lila fez uma careta. —Não faz muito sentido. Se iam morrer com o veneno, porque atacá-los e deixá-los nesse estado?
—Ou não é veneno. —Afirmei, puxando os retalhos da roupa e observando que a elfa tinha um colar no pescoço, com uma pedra verde. Olhei para os outros dois, vendo que eles também tinham, idênticos. Puxei o cordão, arrebentando-o.
—Puta merda, puta merda, puta merda! —Tallys arquejou, prendendo a respiração. —Coloca de volta!
No mesmo segundo o cheiro chegou até mim, fazendo meu estômago se revirar por inteiro. Lila se afastou soltando o ar com força e parecendo estar prestes a vomitar.
—Isso explica tudo. —Comentou, coçando o nariz com uma careta.
Puxei o lenço para cobrir minha boca e meu nariz, tentando não respirar tanto tudo aquilo. Peguei o colar e joguei para Lila, vendo ela fazer uma careta e o segurar com a ponta dos dedos.
—Vocês bruxas costumam encantar coisas? —Indaguei, e ela riu, negando com a cabeça.
—Sabemos fazer isso, só que preferimos feitiços e poções mais elaboradas. Isso está mais pro estilo dos magos. —Afirmou, balançando o colar. —Só que isso não faz sentido.
Magos viviam nas terras congeladas de Atlantis, junto com os peregrinos e os feiticeiros. As três raças não eram abençoadas pelos três grandes deuses, então viviam fora dos seus domínios. Só que isso não significava que eles ficavam nas suas terras e respeitavam os territórios dos deuses.
—Tem algo muito errado nisso tudo. —Afirmei, pegando o colar de volta e o analisando. —Primeiro, o que os elfos estavam fazendo aqui, justamente no dia da tempestade de areia? Eles podem ou não ter sido envenenados, o que não faz sentido, levando em conta os ferimentos.
Parei, olhando para os ferimentos maiores no corpo dos três. Tinham o mesmo tamanho e não poderiam ter sido feitos por simples garras.
—O que foi? —Tallys indagou, enquanto eu encarava o colar sem parar, com minha mente tentando juntar as peças que eu tinha.
—Magos... —Sussurrei, deslizando o polegar sobre a pedra, enquanto erguia meus olhos para os elfos de novo. —Acho que sei o que os pegou. Posso estar errada, mas... —Apontei para um dos ferimentos. —Já vi algo como isso uma vez, em um dos meus guardas.
—O que? —Lila indagou, se aproximando de onde eu e Tallys estavámos, quando fiquei de pé e ele também.
—Peregrinos. —Afirmei, mordendo o lábio. —Tem chifres e nas pontas das asas possuem algo similar a chifres também.
—E onde foi que você viu um peregrino? —Tallys questionou, parecendo curioso.
—Prendi um a algumas décadas atrás, quando ele entrou em Solaris. —Afirmei. —Isso não é importante agora. A questão é que, pode ter sido um deles, o que daria sentido aos colares encantados por magos.
—Já que eles vivem no mesmo território. —Lila completou, e eu assenti. —E o que fazemos com eles? Vai mandar os corpos para Montear?
Olhei pra ela. Não havia pensado naquilo ainda. Mas levando em consideração tudo que aconteceu, prefiro não entrega-los ainda, antes de falar com os deuses sobre a magia das estrelas. Até porque, os três foram atacados na mesma noite que a magia sumiu e eu estou torcendo pra isso ser apenas coincidência.
Se peregrinos estiverem passado por Solaris e matado os elfos, eles podem ter ligação com a magia das estrelas. Séculos atrás eles a desejaram. Não vou me surpreender se ainda as desejem. Mas isso ainda não explica o que os elfos faziam aqui, naquela noite.
—Vou pedir para os guardas virem busca-los. Tenho que encontrar os deuses antes de decidir o que fazer. —Afirmei, dando um passo para me afastar. Tallys agarrou meu braço, me fazendo olha-lo e arquear as sobrancelhas. —O que foi?
—Posso sentir a pulsação de um deles. —Afirmou, me fazendo voltar para os corpos sobre o chão.
Me abaixei ao lado da elfa, enquanto Lila e Tallys se ajoelhavam ao lado dos outros dois. Levei a mão até o pescoço cortado e pressionei um pouco, tentando sentir a menor pulsação possível.
—Aqui. —Lila ergueu a mão. —Ele ainda está vivo. Mas o coração parece fraco.
Fui até o elfo, que tinha a lateral do rosto toda desfigurada. Levei os dedos até a garganta, confirmando que o coração ainda batia. Me abaixei, deixando minha bochecha contra a boca, sentindo o mais suave movimento do ar.
—Está respirando com dificuldade. —Olhei para Lila. —Pode cuidar dele? Dar uma poção de cura e se certificar que melhore?
—Posso tentar. Não sei se uma poção vá curar tantos ferimentos assim. Ainda mais se o sangue estiver envenenado. —Ela fez uma careta. —Vamos leva-lo pra minha casa.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...