Capítulo 13: Pesadelos, esqueletos e devoradores.

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Havia algumas coisas a serem ditas sobre Jacks. Uma é que ele é um peregrino que nunca gostou de seguir as leis. A segunda é que eu o prendi a mais de noventa anos, depois que ele entrou em Solaris e causou um pouco de caos.

—O que veio fazer aqui, longe do seu paraíso dourado? —Indagou em um tom totalmente sarcástico. Engoli e seco, tentando não me afetar pela raiva contida que ele sente por mim.

—Bem, como eu disse, é sobre seu povo. —Juntei minhas mãos, cruzando meus dedos, vendo os olhos de Jacks fixos no meu rosto. —A algumas noites, três pessoas foram atacadas em Solaris. Dois deles morreram e um sobreviveu. Não sei se vai se lembrar do Hassan. —Pressionei meus lábios, vendo a ironia estampada no rosto dele. —Você o feriu com suas asas quando tentamos prede-lo. O ferimento das três pessoas atacadas eram similares aos que você causou em Hassan.

Dei um passo lento para trás, quando Jacks se escorou nas grades, com movimentos lentos e silenciosos como um predador.

—Deixa eu adivinhar, minha espécie está em primeiro na sua lista de suspeitos. — Murmurou, emitindo um estalar com a língua. —Pelo que eu saiba, peregrinos não são os únicos que possuem chifres.

—Não, mas são os únicos que sempre se interessaram pela magia dos deuses, começando uma guerra por ela séculos atrás. —Afirmei, dando um passo a frente, ignorado o calafrio ao encarar aqueles olhos prateados. —Seu povo ainda deseja a magia?

—Por que? Sua magia tão preciosa está sendo ameaçada? —Zombou, fazendo pouco caso.

—Ela foi roubada, na verdade. —Tallys abriu a boca pela primeira vez, parecendo sentir a tensão crescente no ar, já que Jacks não desviava os olhos de mim, como se pudesse me matar só ao me encarar. —Na mesma noite do ataque.

—Ah, agora eu entendi. —Jacks soltou uma risada. —Você só poderia estar desesperada para vir até aqui.

—Não estou desesperada. Só quero achar o culpado. E falar com você é mais rápido do que ir até Atlantis. —Rebati, soltando uma respiração pesada. —Você pode sentir a magia, não é? A mais fraca que seja.

—Não vou ajuda você. — Me cortou, antes que eu falasse algo mais. Encarei os olhos dele, vendo sua expressão fechada de pura indiferença. —E você está sendo burra por sequer pensar nisso. Ou por ter vindo até aqui.

—Eu sempre achei isso uma péssima ideia. —Tallys sussurrou atrás de mim, atraindo a atenção de Jacks pela primeira vez, que soltou uma risada fraca.

—Gostei do seu amigo. Ele parece ser o mais sensato entre os dois. —Afirmou, pra no segundo seguinte sumir dentro da escuridão da cela, arrastando as asas no chão. —Por que não pega seu amigo vampiro e dá o fora?

Me aproximei das grades, ignorando o estremecer do meu corpo e meus pelos arrepiados, sabendo que ele podia me ver perfeitamente, enquanto eu nem sabia onde ele estava.

—Posso não estar sendo sensata agora. Só estou preocupada com meu povo e com o que pode acontecer com eles se a magia não for encontrada. Ela é quem mantém o equilíbrio de tudo. Sem ela, Esmeralda pode entrar em colapso. Incluindo Atlantis. —Afirmei, tentando soar o mais convincente possível. —Não estou pedindo muito. Além do mais, você poderia ter sua liberdade, por mais que eu não possa prometer que não irão atrás de você.

A respiração se prendeu na minha garganta, quando as asas de Jacks bateram nas grades, no momento que ele surgiu da escuridão de novo e agarrou o lenço que estava ao redor do meu pescoço, cobrindo meus cabelos. Ele o puxou de forma brusca, deixando-o apenas ao redor do meu pescoço, onde ele puxou até que meu rosto estivesse rente as grades e próxima ao rosto dele.

—Ei! —Tallys fez menção de se aproximar, mas eu ergui a mão e o parei. Jacks não estava me machucando. Estava apenas me deixando presa a ele. —Alita?

—Está tudo bem, Tallys. —Afirmei, engolindo em seco, sentindo a respiração pesada de Jacks no meu rosto, a medida que ele abria um sorriso vacilante.

—Por que eu iria querer ajudar você, Alita? Por que eu iria querer ajudar a mulher que me prendeu aqui por décadas? —Indagou, estalando a língua de novo, antes de firmar mais o aperto no meu lenço. —Por que eu iria querer ajudar a mulher que atirou nas minhas asas?

—Você estava andando no território dos deuses. Sabe que é contra as leis. —Afirmei, vendo ele sorrir.

—Eu não sigo seus deuses.

—Mas estava no território deles. Então as leis caem sobre você também. —Rebati, entredentes, sentindo a firmeza do lenço ao redor do meu pescoço. —Me solte, Jacks.

—Sabe quanto tempo demorou pra minha asa se curar? —Questionou, usando um tom de voz rude. —Um ano, Alita. Um ano até que eu conseguisse mexê-la sem sentir que estava sendo rasgado ao meio.

Senti o sangue sumir do meu rosto e aposto que teria ficado pálida se minha pele não fosse morena.

—Eu... eu achei que eles mandariam uma bruxa cuidar de você. Eu não sabia que... —Ele riu, apertando os lábios.

—Ah, por favor, não seja condescendente. —Pediu em um tom sarcástico. —Acha mesmo que eles se importam com os prisioneiros aqui? Somos esquecidos do tempo. Somos fantasmas solitários. Se morremos aqui, nossos esqueletos se tornam uma mera decoração na cela.

—Sinto muito. —Fui sincera, percebendo de onde vinha toda a raiva dele. Não por ser preso. Mas sim por eu ter atirado na sua asa. —Tudo bem, não foi certo. Mas eu só estava fazendo o meu trabalho. Protegendo Solaris.

Eu deslizei para trás quando ele me soltou, levando a mão ao pescoço ao perceber que Jacks havia levado meu lenço consigo, antes de desaparecer na escuridão da cela de novo.

—Saia! —Mandou, com um tom de voz que eu sabia significar um ponto final. Olhei para Tallys quando ele se aproximou de mim, me analisando como se quisesse ter certeza que eu estava inteira.

—Vamos embora, amor. Ele não vai ajudar em nada. —Tallys pediu, passando o braço ao redor da minha cintura e me puxando para sairmos de lá. Percorremos o corredor em silencio, como se Jacks ainda estivesse ali, pronto para me queimar viva com aqueles olhos prata.

—São pesadelos, esqueletos e devoradores. —Uma voz sussurrou na escuridão de uma das celas. Parei de andar, assim como Tallys, olhando na direção que ela vinha.

—O que disse? —Indaguei, me aproximando e vendo que era um senhor muito idoso, virado de costas para nós dois, com um carvão na mão, rabiscando um papel.

—Cuidado com as paredes. Elas tem ouvidos. —Avisou, enquanto meu rosto se curvava em confusão. —Não foram peregrinos.

—Como pode saber? —Tallys indagou, parando ao meu lado, enquanto o senhor ainda desenhava naquele papel, com movimentos rápidos.

—São pesadelos, esqueletos e devoradores. —Repetiu, lançando o papel por de baixo das grades da cela. —Chamem do que quiser. —Me abaixei para pegar o papel, virando-o para ver o desenho contido nele. —Eu tomaria cuidado se fosse vocês. —Ele nos olhou por cima do ombro, com um vislumbre de um sorriso. —Eles são como o seu amigo vampiro.


Continua...

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