Os Domínios do Deserto

Capítulo 42: Porque ele havia partido.

Nunca tinha sentido uma forma de magia tão forte como aquela. Até mesmo em todos os anos que cuidei da magia das estrelas. A magia presente na maldição era forte, poderosa e se chocou contra mim com toda força, fazendo meu corpo ficar mais frio que uma pedra de gelo contra Jacks. Meu coração parou de bater por alguns segundos. Meu sangue pareceu incendiar dentro do meu corpo, latejando sem parar.

Não conseguia entender os gritos que ouvia ao meu redor. Meus olhos se fecharam com força. Senti meu corpo ser puxado contra aquela magia. Ela estava tentando se apossar de mim. Estava tentando selar as palavras de Lila. Mas então ela explodiu, reverberando pelas paredes rochosas, fazendo o tempo parar por segundos.

A maldição se chocou contra mim, parecendo lutar contra algo. As paredes estremeceram ao nosso redor. O chão tremeu e a magia voltou para Lila, para o medalhão em suas mãos, explodindo uma segunda vez. O medalhão caiu das mãos dela quando ela foi jogada para trás. O objeto brilhante que havia acabado de surgir rachou em milhões de pedaços, antes de ser consumido pela própria magia e virar cinzas no chão.

O que quer que Lila tinha feito, se desfez antes mesmo de me atingir. Foi enviada de volta para aquele medalhão até ele se desfazer. Ainda era eu. Uma deusa inferior de 327 anos, com a eternidade correndo pelas veias. Nem um pouco mortal. Nem um pouco humana. Apenas eu.

Quando o ar voltou para dentro de mim, removendo todo o borrão que me impedia de ouvir e ver o que acontecia por completo a minha volta, vi os olhos de Lila se erguerem e me encararem, como se nem ela própria soubesse o que havia acabado de acontecer ali.

Mas antes que qualquer um de nós fizesse alguma coisa, o chão se rachou aos nossos pés, desmoronando do centro e vindo para as laterais onde estávamos. Lila foi engolida pelas águas violentas dos túneis que passavam embaixo daquela prisão. Todos correram em direção as duas únicas portas que haviam ali, tentando evitar serem engolidos.

Jacks me agarrou, saltando em direção a uma dela, enquanto eu olhava para trás e via Cal começar a correr, enquanto a criatura saltava na direção dele. Caímos no chão do túnel, com a porta se desfazendo ao ser atingida pelas asas de Jacks. Soltei um grito e agarrei as mãos de Cal quando o chão da sala desabou de vez embaixo de dele.

Jacks me segurou pelo quadril quando eu quase fui arrastada para fora do túnel até a água, quando tentei segurar Cal. O tempo voltou ao normal. Minhas mãos estavam agarradas aos braços de Cal, enquanto a água engolia parte do corpo dele. Do outro lado, Tallys e os outros contrabandistas se esgueiravam pelo outro corredor.

—Jacks, me puxa! —Exclamei, sentindo a força da água puxar o corpo de Cal para o fundo. Ele começou a me puxar, enquanto eu apertava meus dentes e sentia meus músculos ficarem rígidos pela força que eu usava para agarrar Cal.

Mas então aconteceu. Primeiro o sangue que manchou a água, enquanto um suspiro trêmulo escapava pelos lábios do meu irmão e seus olhos se arregalavam em algo assustador. Então a criatura surgiu na água, agarrando o corpo dele com aquelas garras e o puxando para o fundo.

—CAL... NÃO! —Soltei um grito. As mãos dele me soltaram e as minhas foram arrancadas dos braços dele, quando ele desapareceu na água, deixando aquela mancha vermelha para trás. —NÃO! NÃO! NÃO!

Jacks me agarrou quando fiz menção de pular na água. Me debati contra ele, gritando sem parar enquanto ele me carregava dali quando as paredes daquela sala começavam a desabar naquele poço de água. Continuei me debatendo sem parar, gritando enquanto tentava me liberar dos braços dele.

—ME SOLTE! —Gritei, com um soluço cortando minha garganta. —Temos que ajudá-lo. Temos que tirá-lo de lá!

—Não podemos fazer nada, Alita. A correnteza deve tê-lo carregado. —Ele me apertou mais contra si, enquanto eu continuava tentando me soltar, soltando xingamentos em meio às lágrimas. —Eu sinto muito... Eu realmente sinto muito.

—Temos que voltar lá. —Parei de me mover, estremecendo em outro soluço. —Por favor, temos que voltar lá.

—Eu sinto muito. —Repetiu, abrindo as asas e subindo para o céu quando saindo do túnel. —Ele se foi, Alita. Sinto muito.

[...]

Desabei no chão do navio, tremendo enquanto as lágrimas embaçavam minha visão e os soluços cortavam minha garganta e meus lábios. Os homens de Stella corriam ao meu redor, gritando coisas sem parar, enquanto eu sentia os braços de Jacks ainda me envolvendo, com um calor estranhamente acolhedor.

—Alita? —Ergui a cabeça, estremecendo entre as lágrimas quando Stella surgiu, correndo na minha direção. Ela parou quando viu meu rosto, ficado pálida e com os olhos arregalados. —O que aconteceu? Onde estão os outros?

Tallys subiu no navio segundos depois, seguido pelos contrabatidas que trabalhavam para Cal. Todos usando aquelas máscaras de raposa que faziam meu coração se contrair dentro do peito. Stella olhou para Tallys, com a boca se abrindo para dizer algo, enquanto os ombros dela caiam com algum tipo de alívio ao vê-lo. Mas então ela parou, parecendo se dar conta de algo.

—Onde está a Lila? —Indagou, voltando a olhar pra mim, caída de joelhos no chão, tremendo em um choro desesperado enquanto Jacks ainda estava me segurando, como se eu fosse me desmanchar a qualquer minuto. —Onde está... onde está o Cal? —Quando ninguém respondeu, ela deu um passo para trás, levando as mãos aos cabelos roxos. —O que aconteceu? Alguém em diz o que aconteceu? Onde eles estão? Onde Cal está?

—Lila nos traiu. —Tallys sussurrou, surgindo e desabando ao meu lado, antes de segurar minhas mãos que estavam espalmadas no chão, deixando um beijo no topo da minha cabeça.

—Onde está o Cal? —Stella repetiu, enquanto todos paravam para ouvir a resposta.

Jacks me puxou de forma brusca, me fazendo olhar pra ele com os olhos embaçados e inchados, enquanto a dor devorava meu coração. Observei ele erguer a mão, abrindo a jaqueta que eu usava, antes de puxar o objeto que estava escondido na minha camiseta. Ele puxou uma das minhas mãos, deixando a palma voltada pra cima ao colocar aquele objeto que tinha a forma da cabeça de uma raposa sobre ela.

Fechei meus dedos ao redor, ofegando ao sentir o metal frio causar um calafrio na minha pele. Cal havia me dado aquilo. Havia me dado aquilo dias atrás, quando eu não fazia ideia do que era. Mas agora eu sabia. Foi graças aquilo que a maldição não caiu sobre mim. Cal havia me dado um amuleto. Raro. Caro. Capaz de proteger uma alma de qualquer coisa maligna. Ele tentou me proteger. Desde o início.

—Ele foi pego por uma daquelas criaturas. —Tallys respondeu, fazendo a voz dele percorrer todo aquele navio. —Caiu nas águas embaixo da prisão. —Olhei para Stella, vendo o rosto dela branco como a neve do inverno. Os olhos arregalados e assustados. —Ele se foi.

Ela não disse uma palavra. Uma única palavra. Mas seus joelhos bateram contra o chão quando ela desabou, com os braços caindo imóveis ao seu lado. Olhei nos olhos dela, vendo algo se partir lá dentro, da mesma forma que acontecia comigo naquele exato momento, caída no chão entre Jacks e Tallys.

De alguma forma, pude sentir a dor de Stella. De alguma forma, aquilo queimou como brasa dentro do meu coração. Porque era igual a minha. Porque ela se importava com ele. Porque ele havia partido. Se não fosse pelas águas violentas, seria pelos ferimentos daquela criatura.

Continua...